Hoje propomos-vos uma reflexão biográfica e, quiçá, geracional. Antigamente, quando éramos miúdos, dizia-se de uma senhora já chegada à plena maturidade, que era uma "balzaquiana". Eram tempos mais literatos que os atuais, pois o termo provém do escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850). Hoje usa-se a sigla MILF, o que em matéria de elegância e de bom gosto deixa muito a desejar.
Um dia, Balzac referiu-se a uma senhora na sua plena maturidade, como sendo “une femme d'un certain âge”, a partir daí, o termo balzaquiana passou a ser de uso corrente, mesmo entre quem nunca tivesse lido, ou nem sequer soubesse quem foi, Balzac.
Se Balzac vivesse nos
dias de hoje e visitasse as escolas do nosso país, poderia perfeitamente
referir-se à larguíssima maioria dos docentes como sendo “femmes (ou hommes)
d’un certain âge”.
Tendo nós também já chegado a essa altura da vida em que estamos numa idade balzaquiana, é normal que olhemos para as crianças e jovens de agora, e tendamos a fazer comparações com as crianças e jovens que outrora fomos.
Há uns dias mostrámos fotografias de dois globos terrestres a uma turma de alunos do 4° ano de escolaridade: uma a cores e outra a preto e branco. A nossa intenção era que opinassem sobre as imagens a preto e branco. Um aluno opinou e disse o seguinte:
"Prefiro a imagem a preto e branco porque é a mais verdadeira. Afinal o planeta está a morrer..."
Esta desesperança no futuro surpreendeu-nos. Fazemos comparações e perguntamo-nos, será que quando tínhamos a mesma idade, víamos o futuro de um modo assim tão mau? Como imaginávamos nós o futuro? E será que esse futuro que então imaginávamos existe, ou o que atualmente existe é algo de completamente diferente?
Segue-se a resposta a todas estas perguntas...
Quando éramos miúdos,
só existiam dois canais de televisão, a RTP 1 e a RTP 2. Não era como a
miudagem de agora, que tem cento e tal canais para fazer zapping (e a internet)
e ver todas as desgraças que diariamente sucedem pelo mundo afora.
Quando por acaso queríamos ver televisão, era frequente que tivéssemos de levar com programas como o TV Rural ou coisas do género. Ligávamos o aparelho e lá vinham uns senhores engenheiros agrónomos explicar-nos se os rabanetes estavam viçosos e se as couves iam de feição e nós, pobres crianças de então, aguentávamo-nos com aquilo tudo na expectativa que, mais tarde ou mais cedo, passassem uns desenhos animados.
Sempre que passava uma série das boas na TV, o que não era tão frequente quanto isso, toda a miudagem a via. Entre as que mais sucesso tinham, contavam-se as de ficção científica. Nas décadas de 70 e de 80, tínhamos como horizonte de futuro o ano 2000. O ano 2000 parecia um ano longínquo e mágico, todo ele cheio de zeros, um autêntico ano de ficção científica.
O ano 2000 servia de
referência para muitas ficções, como por exemplo, a série televisiva “Espaço
1999”. Nessa série, o lado obscuro da Lua tinha sido transformado num depósito
de resíduos nucleares, deu-se um acidente, houve uma imensa explosão e devido à
energia libertada, a Lua saiu de órbita e pôs-se a vaguear pelo espaço
infinito.
Na Lua havia uma base
habitada por humanos, por cientistas mais em concreto, que acabaram por ser
arrastados nessa viagem pelo universo. O enredo da série, consistia
precisamente no relato das suas aventuras por galáxias distantes e nos
estranhos encontros que tinham com os seres que por lá viviam. Na série havia
também naves espaciais ultra-sofisticadas e plenamente equipadas para realizar
constantes viagens interplanetárias.
Em miúdos, imaginávamos
que no futuro, e o futuro era o ano 2000, tudo iria ser espectacular. Com
naves, viagens pelo espaço e cenas super fantásticas. Passado o ano 2000,
verificamos que não há bases lunares habitadas por humanos, nem naves espaciais
capazes de fazer constantes viagens interplanetárias, nem praticamente nada do
modo como em miúdos imaginávamos que seria o futuro. A única coisa que há é
mais canais de televisão (e internet).
Sendo agora adultos e
já com uma certa idade, temos direito a estar desiludidos com o atual presente.
Comparado com o futuro de ficção científica que imaginávamos, isto está tudo
muito atrasado.
Se recordarmos uma outra série de ficção científica da
época, a versão original de “Star Trek”, verificamos igualmente que o futuro
imaginado, acabou por não acontecer. É com muita pena, que constatamos em 2022,
que os teletransportadores da série “Star Trek”, dispositivos que nos
permitiram ir de qualquer lado do universo para um outro em poucos segundos,
nunca chegaram a ser inventados.
Caso o tivessem sido, estariam resolvidos todos os atuais problemas de mobilidade. Os nossos leitores hão de concordar, que para quem em miúdo imaginava que no futuro ano 2000 se iria deslocar por teletransporte, e que em segundos poderia ir de Lisboa a Bangkok, este presente que temos é uma espécie de anti-climax.
Que no século XXI, que tanto prometia, as autarquias
nos proponham como uma solução para a mobilidade urbana, não os imaginados
teletransportadores, mas sim trotinetes, só pode ser uma piada.
Mas desilusões não se ficam por aqui. Nesse tempo
havia uma BD de ficção científica muito popular, a Barbarella, que mais tarde
foi adaptada para o cinema. A Barbarella fazia-nos imaginar que as mulheres do
futuro iriam ser todas audazes e destemidas como ela. Ao olharmos para a
Barbarella, a temperatura subia e ansiávamos pela chegada do aquecimento
global.
Contudo, chegados agora ao futuro de então, ou seja, a
este nosso presente, é com uma certa melancolia que constatamos que também
neste caso, a ficção muito prometeu e a realidade pouco cumpriu.
É verdade que a temperatura subiu, que já não chove tanto como antigamente e nem sequer faz tanto frio, apesar disso, as mulheres pós-ano 2000, não seguiram o exemplo da Barbarella e não se passaram a vestir com roupas mais frescas e leves como ela. É pena.
Ao lermos uma BD da Barbarella, ficamos encantados com
a forma como aí se desenhava o futuro, mas se logo em seguida formos passear
pelas ruas e avenidas das nossas cidades, imediatamente verificaremos o abismo
existente entre a realidade e a ficção. Perante tal evidência, somos
inevitavelmente obrigados a concluir que o presente problema da seca, não
atinge só rios e albufeiras, mas também as indumentárias femininas, pois que
são, muitas vezes, absolutamente secantes.
É certo que nessas
distantes décadas, já pairavam algumas nuvens negras sobre o futuro.
Precisamente por isso, o grande Marvin Gaye, gravou aquele que é provavelmente
o melhor LP de sempre: “What’s going on”. Uma das canções desse álbum, “Mercy
mercy me (The ecology)”, diz-nos assim: Ah, things ain't what they used to be.
Where did all the blue skies go?
Sendo o álbum um conjunto de canções de denúncia e de protesto, não deixa por isso de ser simultaneamente Cool. Marvin Gaye protesta, denuncia e alerta-nos para o tipo de futuro que estaríamos a construir, mas mantém também o estilo de um homem descontraído, cujo destino é andar por aí, “fooling around”. Nada a ver com os atuais ativistas, que se levam demasiado a sério e se julgam os salvadores do mundo, mas cujas ações são pura e simplesmente de mau gosto e imbecis.
Por muito justas que
sejam as reivindicações climáticas, deitar uma lata de sopa tomate sobre um
quadro do Van Gogh ou trancar-se no telhado de uma escola, em nada as ajuda,
revela apenas a pouca inteligência e a inconsequência de quem as pratica.
Há décadas atrás, os
protestos eram muito mais inteligentes e, por consequência, mais eficazes.
Também nesse aspecto, este futuro a que chegámos, desilude. Recordemos Marvin
Gaye que cai sempre bem:
Na década de 70, o
imenso e genial Stanley Kubrick realizou alguns filmes nos quais imaginava o
futuro, entre eles, os muito conhecidos “A Laranja Mecânica” e “2001, Odisseia
no Espaço”. Não são utopias, mas sim distopias.
Numa das mais famosas cenas do filme “A Laranja Mecânica”, um grupo de jovens entra num bar: The Korova Milk Bar. O que prende a nossa atenção quando vemos essa cena, é o peculiar mobiliário desse estabelecimento de restauração. A concepção desse ousadíssimo mobiliário foi do artista britânico Allen Jones.
Quando jovens, imaginávamos que no futuro as nossas casas, cafés, restaurantes, escritórios e até repartições públicas, seriam equipadas com móveis com a mesma ousadia daqueles que víamos no The Korova Milk Bar, todavia, nada disso sucedeu. A maior parte das coisas, está antes equipada com uns móveis de estilo escandinavo, muito pífio e desengraçado.
Os móveis de Allen Jones não saíram da ficção e hoje, ao invés de equiparem as nossas casas e locais de trabalho, são peças de museu. Nós não nos atrevemos a publicar uma imagem das peças de mobiliário de Allen Jones. Também nesse contexto, o futuro se revelou uma grande desilusão, pois os tempos de hoje são muito mais pudicos e castos do que alguma vez poderíamos ter imaginado há décadas atrás.
Quem eventualmente tiver curiosidade e quiser ir espreitar como era uma cadeira do futuro desenhada por Allen Jones, pode clicar no link abaixo e ir directo para a Tate Gallery em Londres:
https://www.tate.org.uk/art/artworks/jones-chair-t03244
Em resumo, mediante tudo o que escrevemos, só há uma conclusão a retirar, à nossa geração não lhe foi dada a viver, o futuro que em criança e jovem a ficção científica lhe fazia imaginar. Tirando haver muitos mais canais de TV (e a internet), o resto é tudo mais ou menos igual. Veio-se a concluir que tínhamos expectativas demasiado fantasiosas, nem os carros voam, nem vamos passar férias a uma galáxia distante e nem sequer existem Barbarellas a passear pelas ruas. Afinal o futuro não é lá essas coisas
Mesmo para finalizar,
deixamo-vos uma canção de JP Simões intitulada “A minha geração”, faz parte do
álbum “1970 (retrato)” e foi gravada em 2006. Poderia ser o hino de todos
aqueles que cresceram entre as décadas de 70 e 80.
Comentários
Enviar um comentário