Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.
De há uns anos
para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse
nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a
escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.
Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.
É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça com que um elevador suba e a todos leve para cima. Mais a mais, quando o elevador não tem espaço suficiente e está em constante manutenção.
No fundo, é isto
que se pede aos professores da escola pública, que esqueçam mais altos voos e
se concentrem em a todos fazer ascender num elevador exíguo e que funciona mal.
Para cúmulo, culpam-nos ainda, aos professores, claro está, do deficiente
funcionamento desse mesmo elevador e de nem todos lá caberem.
Uma vez estando
esse falacioso equívoco criado, foi-se consolidando a ideia de que a obrigação
da escola pública e dos seus professores, é fazer com que os meninos e as
meninas estudem muito, tenham boas notas, para assim poderem ingressar num
curso superior e posteriormente arranjarem um bom emprego.
Um emprego que
supostamente os elevaria acima da sua classe social de origem, e lhes
permitiria ganhar a vida com mais desafogo e prosperidade que os seus
progenitores.
Como é fácil de constatar, em termos genéricos, não é nada disso que sucede. Para já, muitos dos meninos e das meninas pouco ou nada estudam e estão-se relativamente nas tintas para a escola e para os elevadores. Mas, mesmo os que estudam e querem subir na vida, uma vez já crescidos, e se porventura decidirem permanecer em Portugal, não só não auferem de rendimentos mais elevados que os dos seus progenitores, como em muitas situações ou estão desempregados ou em empregos precários. Em ambos os casos, só se vão safando porque são sustentados/ajudados pelos respetivos pais.
Por assim
acontecer, é com alguma frequência que se ouve na comunicação social os mais
prestigiados comentadores acompanhados por políticos de grande categoria, a
acusar a escola pública de não estar a cumprir a sua função, ou seja, a de ser
um “elevador social”.
A falaciosa
teoria do “elevador social”, pressupõe que a escola pública seja um ascensor
igualmente eficaz para aqueles que se mudaram recentemente para a cave
esquerda, como para os que habitam modesta mas dignamente no 4° direito e ainda
para os que desde sempre vivem lá nas alturas, no último andar.
Pede-se à escola
pública que crie condições para que quem é originário das classes sociais
baixas e desfavorecidas estude e suba na vida, o mesmo para quem pertence às
classes médias, e outro tanto para quem já nasceu nas mais altas classes
sociais. E tudo isto, com um elevador exíguo e em permanente manutenção.
Apesar de tal
não ser possível, nem nunca ter sido, nem nunca poder vir a ser, nem aqui, nem
na China, nem na Finlândia, faz-se crer que é. Intoxica-se assim a opinião
pública, aproveitando para se “decretar” uma suposta falência da escola
pública. Como consequência, as classes sociais mais altas entrincheiram-se nos
colégios privados de “excelência” nos quais os elevadores funcionam
maravilhosamente, no que são seguidas por certas classes médias, que vão a correr
fazer o mesmo, não vão os seus rebentos ficar para trás, não passarem do rés de
chão e não chegarem a doutores.
Pelo que fica
dito, mesmo pessoas minimamente letradas e com capacidades cognitivas não muito
elevadas, percebem imediatamente que exigir à escola pública que funcione como
“um elevador social”, que continuamente suba e nessa infinita ascensão a todos
carregue consigo, é o que de forma mais erudita se designa como uma falácia,
mas o que de um modo mais popular se designa como uma estupidez.
Se porventura
nesta nossa amada pátria houvesse políticos, sindicalistas, comentadores e
demais gente responsável com algum senso, há muito que esta falácia tinha sido
desfeita, o mesmo é dizer, há muito que esta estupidez se tinha evaporado sem
deixar rasto.
A vocação da escola pública, bem como a dos seus professores, não é a de serem ascensoristas que a todos tenham de conseguir transportar para cima, a sua vocação é sim, a de a todos mostrar e a de a todos dar a ver.
Mostrar e dar a
ver letras, palavras, textos, livros, números, equações matemáticas, reações
químicas, pinturas, esculturas, planetas, rios, flores, montanhas, reis,
batalhas, descobertas, cambalhotas, jogos, músicas, outras línguas, terras,
países e muito mais. Mostrar e dar a ver tudo isso a todos e não só a alguns.
Quando no 1° ano de escolaridade uma criança começa a ler e a escrever, nenhum professor vê essa criança e pensa que saber ler e escrever lhe será útil no futuro para preencher impressos, requisições, formulários e, sobretudo, para elaborar o currículo de candidatura a um emprego que a faça subir na vida.
Se em adulto
essa criança subir na vida, tiver êxito profissional e um grande sucesso
económico-social, tanto melhor, mas isso depende de tantas e tantas variáveis…
Qualquer professor sabe que, o que de mais precioso essa criança adquiriu por saber ler escrever, não foi ter a possibilidade de ascender socialmente, foi sim os vastos mundos que de repente se lhe mostram e se dão a ver à sua frente.
Vastos mundos
que se mostram e se dão a ver ao ler e escrever, mas também ao contar, somar,
multiplicar, pintar, cantar, jogar, experimentar, criar, visitar, conhecer e,
porque não, voar. É isto o que a escola pode proporcionar.
O que os teóricos
da escola pública como “elevador social” pretendem, é que os professores sejam
meros ascensoristas, que ensinem aos meninos as coisas que são úteis para o seu
futuro, ou seja, que no 1° andar a todos ensinem isto, no 2° andar também a
todos ensinem aquilo, no 3° novamente a todos ensinem aqueloutro, e assim
sucessivamente até ao 12° andar e para lá dele.
Aos professores, esta exigência só lhes pode causar mal-estar. É impossível de cumprir porque muitos alunos ficam pelo caminho e só serve para alimentar frustrações e subsequentes depressões. Mas, sobretudo, é uma exigência falaciosa, um enorme equívoco, pois a vocação da escola pública é outra, mais nobre e elevada. Uma vocação que se poderia traduzir pelo seguinte mote:
Não há nada a ensinar embora
haja tudo a aprender.
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