Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”.
Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam sim de mais tempo livre.
A antiga palavra grega “skholḗ”, da qual deriva a palavra escola, significava literalmente “tempo de lazer”. Significava também o que se fazia com esse tempo. Ora, o que os antigos gregos faziam com esse tempo era conversar, ler, ouvir, passear e ver. As conversas, as leituras e os passeios acabaram por dar origem às escolas…
Na Grécia clássica, de um professor esperava-se que conversasse, lesse, ouvisse, visse e passeasse. Esperava-se também que o conhecimento que adquiria nessas atividades fosse partilhado com outros, ou seja, com alunos. Em síntese, o tempo de lazer (skholḗ) é um pilar fundador do que significa ser professor.
A palavra ócio deriva do latim "otium". A civilização latina sabia que era do "otium" que nasciam as artes, as letras e as ciências. Um tempo livre mas não desocupado, para criar, aprender e produzir conhecimento. O lugar do "otium" era o "studium".
O "otium" era então esse tempo sem obrigações práticas que possibilitava o estudo e as especulações teóricas, atividades das quais dependia e depende a evolução do espírito humano.
Pelo que até aqui se viu, é fácil de compreender que ser professor é algo que está profundamente enraizado na "skholḗ" e no "otium". No sentido mais nobre da palavra, ser professor pressupõe ter-se tempo para ver, ouvir, conversar, ler e passear, o mesmo é dizer, ter-se tempo para conhecer e aprender. Só quem conhece e aprende pode ensinar outros a conhecer e a aprender. Sem tempo ( skholḗ / otium), um professor arrisca-se a penar uma vida inteira e a ser tão-somente uma peça de uma maquinaria educativa cuja função é “ocupar os alunos cumprindo o programa e dando a matéria”.
Se seguirmos por esse caminho, arriscamo-nos a futuramente termos professores cansados e uma sociedade passiva onde os dons da criatividade, originalidade e inventividade se extinguiram e em que apenas se sabe replicar mecanicamente o conhecimento adquirido “by the book”.
Propomos-vos um outro caminho e um outro livro: “O Livro do Desassossego” e um caminho pela Lisboa de Pessoa. Uma proposta de lazer, portanto.
Iniciamos o caminho no Largo de São Carlos, n° 4, mesmo em frente ao teatro de ópera com o mesmo nome. Foi nesse prédio que nasceu Pessoa.
A pouco minutos de distância fica o Largo do Carmo, n.° 18, local onde viveu durante anos. Isto após ter passados alguns anos na África do Sul e ter regressado definitivamente a Lisboa.
Fernando Pessoa era cliente habitual do café A Brasileira ao Chiado. Na esplanada encontra-se a famosa estátua em sua homenagem. Não fica longe do Largo do Carmo.
Descemos de seguida em direção ao Tejo para outro café frequentado por Pessoa, o Martinho da Arcada, o mais antigo de Lisboa. Era a sua segunda casa, onde Pessoa passava os fins de tarde a escrever. Fica na na Praça do Comércio, nº 3.
Saindo do Martinho da Arcada, Fernando Pessoa costumava também andar cerca de dez minutos para passar no bar A Licorista (Rua dos Sapateiros, nº 218, na Baixa Pombalina) para tomar mais um copo. Foi aí que tirou uma foto, que enviou para a sua amada Ophélia com a dedicatória “Flagrante delitro”.
O eléctrico 28 era o transporte favorito do poeta para ir e vir da sua casa em Campo de Ourique. A paragem do 28 não é longe. Podemos seguir o seu exemplo e ir até ao bairro de Campo de Ourique (Rua Coelho da Rocha, n° 16) onde se encontra a Casa Fernando Pessoa. Foi lá que o poeta viveu os últimos 15 anos da sua vida. Hoje é um museu. Na Casa Fernando Pessoa pode ser vista a reconstrução do seu quarto e muitos dos seus objetos pessoais.
É no fim que fazemos a mais longa viagem. O túmulo de Fernando Pessoa encontra-se no Mosteiro dos Jerónimos.
Ai que prazer
Não cumprir um dever…
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