Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não.
Os “rankings” são um
jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à
partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos
bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde
há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.
Na época em que a
Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram
ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol, ao
que ele respondeu: “O futebol é um jogo para 22 homens, 11 de cada lado, e no
final ganha a Alemanha”. Outro tanto se podia dizer dos “rankings”: “…e no
final ganham os colégios privados”.
Deixemos os “rankings”
e vamos antes falar da Suécia. Segundo os dados oficiais, os professores suecos
do ensino básico e secundário, e ao que se sabe as professoras também, em média
ganham anualmente 39.097€. Segundo os mesmos dados, os oficiais portanto, os professores
portugueses dos mesmos graus de ensino, e ao que sabe as professoras também,
auferem de um rendimento médio anual de 22.374 €. Contas feitas, assim por
alto, os docentes suecos recebem por ano em média cerca de 17.000€ a mais que
os docentes portugueses.
Sendo este o enunciado
e os dados do problema, os nossos leitores com maiores competências
matemáticas, porventura aqueles que como alunos frequentaram o ensino privado e
possuem uma sólida formação nessa área, já terão certamente concluído que não
só os docentes suecos ganham mais 17.000€ por ano do que os portugueses, mas
terão também concluído que os docentes portugueses recebem anualmente menos
17.000€ de que os seus colegas escandinavos.
Em termos
macro-económicos, que os professores suecos ganhem mais 17.000€ por ano, não
nos parece especialmente preocupante, que os professores portugueses ganhem
menos 17.000€, já isso, parece-nos particularmente aborrecido. Isto em termos
macro-económicos, claro está.
Talvez aqueles que nos
leiam e tenham tido o privilégio de ter tido um ensino de grande qualidade num
qualquer estabelecimento privado, estejam neste momento a pensar de si para
consigo que, os docentes suecos ganharem mais 17.000€ ou os docentes
portugueses ganharem menos 17.000€, para o caso, vai dar exatamente ao mesmo.
Têm toda a razão, é muito bem pensado, vê-se que o investimento educativo num
ensino sem facilitismos valeu a pena.
Mas e então? Qual é o
problema de ir dar ao mesmo? Apeteceu-nos ser parvos. Nós frequentámos a escola
pública e portanto não somos exigentes, nem rigorosos, nem sérios, por vezes
aparvalhamos.
Não queremos ser
populistas, e por isso compete-nos esclarecer, que nem os docentes suecos são
os mais bem pagos da Europa, nem os portugueses são os mais mal pagos. O que na
verdade sucede, é que os suecos estão entre os mais bem pagos e os portugueses
estão entre os mais mal pagos, não é bem a mesma coisa.
Viram? Não fomos
populistas!
Mas deixemos o resto
da Europa, concentremos-nos na Suécia. Porquê a Suécia? Perguntarão os nossos
leitores. A razão é simples, o sistema educativo sueco tem andado nas notícias
nos últimos dias, em virtude do governo desse país ter decidido travar a fundo
o programa de digitalização das escolas e voltar aos livros em papel.
Estranhamente, ao
pesquisarmos na internet, não encontrámos um único órgão de comunicação social
português que tivesse dado essa notícia. Pesquisámos no Google a frase “Suécia
trava digitalização nas escolas, volta aos livros em papel” e a única coisa que
nos apareceu foi uns quantos blogs e o site da Associação Portuguesa das
Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel.
É compreensível que a
comunicação social portuguesa tenha ignorado esta notícia, pois em matéria
educativa, o tema do momento são os “rankings” e como colégios privados são tão
magníficos, tão maravilhosos, tão esplendorosos e tão…tão…tão…
Faltam-nas as
palavras, os nossos encarregados de educação não investiram na nossa educação e, como já
dissemos, tivemos de cumprir a nossa escolaridade no ensino público. Caso
tivéssemos frequentado o ensino privado, saberíamos certamente recitar toda
aquela imensa constelação de palavras com que os senhores jornalistas e os
senhores comentadores tecem os mais brilhantes elogios ao ensino privado, assim
não.
Seja como for, aqui
ficam os sites de dois órgãos de comunicação social que noticiaram o abandono
dos livros digitais na Suécia:
Mas não era apenas por
isso, que vos queríamos falar da Suécia, há mais. Chegou-se recentemente à
conclusão, que a reforma educativa iniciada na Suécia há uma boa vintena e tal
de anos, falhou rotundamente. Poucas reformas educativas terão sido tão
debatidas, tão preparadas e pensadas como a sueca, ainda assim, falhou.
A reforma educativa
sueca assentou em três pilares: a descentralização, que transpôs do Estado
central para os municípios muitas das competências, a liberalização das regras
de abertura de escolas privadas (financiadas pelo Estado) e a introdução de um
sistema de escolha livre da escola que se quer frequentar, acabando com a estreita
relação entre as escolas e a área residencial circundante.
Para além disso, foram
também introduzidos testes obrigatórios no 3° e 5° ano de escolaridade, foi
criado um novo e mais rigoroso sistema de avaliação dos professores já
integrados na carreira e reforçada a avaliação inicial dos professores que nela
pretendessem ingressar. Foi também criada um novo organismo encarregue de fazer
a inspeção geral das escolas.
Em síntese, na Suécia
falharam rotundamente todas aquelas medidas que muitos políticos, especialistas
e comentadores defendem acerrimamente deverem ser implementadas em Portugal.
Porque será que só poucos ainda repararam que essas medidas já foram testadas e
não funcionaram? Não só não funcionaram, como provocaram um autêntico descalabro
num sistema que antes era tido como um dos melhores do mundo.
Dada as
circunstâncias, é certo e sabido, que tarde ou cedo, essas medidas serão
implementadas em Portugal, todos sabemos que há coisas que não funcionam
noutros países, mas que cá funcionam na perfeição. Agora assim de repente, não
nos estamos a lembrar de nenhum exemplo, mas talvez os nossos leitores com uma
formação mais sólida e exigente que a nossa se lembrem.
Claro que tudo isto é bastante mais complexo, do que o modo como aqui o resumimos, assim sendo, se alguém quiser perceber mais detalhadamente as razões desse rotundo falhanço sueco, poderá fazê-lo lendo o seguinte artigo:
https://observador.pt/especiais/suecia-ascensao-e-queda-de-uma-reforma-educativa/
No Teatro Nacional de São João no Porto, estreou há pouco uma peça de Pedro Mexia cujo título é “Suécia”:
https://www.tnsj.pt/pt/espetaculos/6640/suecia
Há umas décadas, vista
de Portugal, a Suécia era uma espécie de paraíso. Ao que se dizia, os costumes
eram muito liberais e as gentes muito dadas. Não sabíamos se sim, se não, no
entanto, ali pelos anos 70 e 80, quando por casualidade passávamos perto de
cinemas que exibiam filmes para adultos e olhávamos para os cartazes, era com
alguma frequência que os títulos das películas faziam a alusão à Suécia, Suecas
Malandras, Suecas Húmidas e coisas desse género, consequentemente, crescemos
com uma certa ideia da Suécia.
A bem dizer, essa
nossa ideia da Suécia já vinha da mais tenra idade, pois logo desde pequeninos
que assistíamos à série televisiva sueca “A Pipi das Meias Altas”. Talvez isso
não nos tenha feito bem, pois a Pipi era uma menina muito mal comportada e
andava sempre metida em sarilhos, era um péssimo exemplo para as crianças. Foi
mais uma clamorosa falha na nossa educação: escola pública e Pipi. Termos
crescido e chegado até aqui foi um milagre.
Claro que quem teve
uma escolaridade mais exigente e rigorosa que a nossa, cresceu com uma ideia
diferente da Suécia: quantos quilómetros quadrados tem o seu território, qual a
sua população, quais as suas principais atividades económicas e coisas desse
género, que essas sim, são importantes de se saber.
Mais não seja, fica
sempre bem num qualquer convívio social partilhar com os restantes convivas que
a Suécia é constituída por um terreno plano ou ondulado a sul e a norte
apresenta uma planície costeira seguida de um interior acidentado que culmina
em alta montanha.
Fica ou não fica bem?
Não é muito mais educativo do que falar de Suecas Húmidas e de Pipis?
Mas a nossa ideia da
Suécia não se esgotava nos cartazes, longe disso. O Björn Borg reinava nos
courts de ténis, o Sven-Goran Erickson treinava o Benfica e ainda havia o
cozinheiro sueco dos Marretas.
Mas se por um lado
imaginávamos que a Suécia era muito liberal e divertida, por outro, também a
imaginávamos muito depressiva. Essa sensação vinha-nos do Ingmar Bergman.
Os filmes de Bergman
eram sombrios, tal e qual como o clima e a pouca luz solar que esse país
nórdico teria. Num dos seus filmes, “A Luz de Inverno”, contava-se a história
de um sacerdote duma pequena igreja rural, afetado por uma crise existencial e
com angustiantes dúvidas relativamente ao seu cristianismo.
Nós vimos o filme, mas
tivemos de o ver várias vezes até o compreender. Não frequentámos nem a
catequese, nem a disciplina de Religião e Moral, razão pela qual não estávamos
preparados para entender todas as subtilezas relacionadas com o cristianismo.
Foi mais uma falha na nossa educação, que podia ter sido evitada caso a escola
pública tornasse a disciplina de Religião e Moral obrigatória, como acontece em
muitos colégios privados.
Terminamos voltando ao
início, lembram-se dos ABBA? O curioso nos ABBA era que encarnavam as duas
ideias que tínhamos da Suécia, por um lado as suas melodias eram ligeiras,
despreocupadas e muito exuberantes, mas por outro, eram também sombrias e
depressivas.
É com uma dessas, das
tristes, que vos vamos deixar. Uma que vem muito a propósito de tudo o que aqui
escrevemos, “The winner takes it all”:
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