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Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

 


Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante?


Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70.


Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e passou a ser vista. Para além do som, a imagem passou a ser uma parte essencial da estratégia artística e comercial de todos os cantores e bandas. A partir daí, não bastava apenas gravar um LP ou um single e passá-lo na rádio, era indispensável que existisse também um videoclipe.

 

O tema musical do videoclipe que inaugurou a MTV, tinha um título que se veio a revelar profético: “Vídeo Killed The Radio Star”. Com efeito, a partir dos anos 80, a rádio deixou de ser o veículo privilegiado para se ascender ao estrelato musical. Foi nesse contexto, que os Queen anunciaram ao mundo que a rádio estava gagá. Para quem quer que quisesse ser alguém no mundo música, só havia um caminho: a MTV.

 

As imagens começaram nessa época a dominar toda a comunicação, as palavras e as melodias foram remetidas para um plano secundário. Não foi tão-somente no campo da música que se deu essa revolução cultural, outro tanto aconteceu no mundo da política. Foi também nesses anos que surgiram políticos que antes eram atores em Hollywood e nos quais a sua imagem era absolutamente decisiva para serem eleitos, como por exemplo, o antigo presidente norte-americano Ronald Reagan ou o ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger.

 

Façamos uma pausa para recordarmos o tema “Vídeo Killed the Radio Star”. As imagens que vamos ver não são as do vídeo original, com o qual a MTV inaugurou uma nova era, as imagens são as de Hitler e Estaline e não por acaso, pois também eles revolucionaram a nossa relação com as imagens.

Décadas antes dos anos 80, foram estas as personagens históricas que inventaram métodos de difusão e de falsificação de imagens para efeitos de propaganda, cujo único objetivo era controlar e manipular vastas populações. Com as máquinas de propaganda que montaram, fizeram-no a uma escala nunca antes vista.

Vale pena ver o vídeo, tem a sua piada. Como Karl Marx uma vez nos ensinou, a história acontece primeiro como tragédia, repetindo-se depois como comédia:




A imagem com que iniciámos este texto é da exposição “Living Among What’s Left Behind” do fotógrafo Mário Cruz e está patente num antigo edifício industrial em Almada. 

As imagens que podemos ver na exposição retratam as condições degradantes em que vivem milhares de pessoas num bairro de lata em Manila, capital das Filipinas. São imagens de uma grande crueza, mas simultaneamente poéticas e delicadas. Em certo sentido, dir-se-ia que possuem algo que a larguíssima parte das imagens que constantemente vemos nas TV’s, telemóveis ou computadores não possui, ou seja, atenção à realidade e à humanidade.

 

Estar atento à realidade e à humanidade é algo ausente dos milhares de imagens com que diariamente nos deparamos. As selfies, por exemplo, são um exemplo paradigmático de imagens desatentas ao resto da humanidade. Toda a atenção é pura e simplesmente dirigida ao “eu”. Olha “eu” aqui tão jeitoso, “eu” a divertir-me tanto, “eu” a fazer uma cara muito engraçada, “eu” tão bem acompanhado, “eu” tão feliz, “eu” de férias nos trópicos, “eu” numa festa, “eu” com os amigos, “eu” com a família, olha lá “eu” me, myself and I.

Nas selfies, atenção à realidade também não existe, nem ao nível mais básico. Segundo as estatísticas oficiais, em média, a cada treze dias há no mundo alguém que acidentalmente morre por distração ou estupidez ao tentar tirar uma selfie. A morte por selfie, estás prestes a ser formalmente considerada pelas instâncias internacionais como uma epidemia provocada por causas não naturais, equivalente ao que sucede com as mortes laborais ou por acidente de viação.

 

Atualmente, muitas cidades agem tal e qual como os “eu”, manipulando as imagens de si mesmas de modo a digitalmente se alindarem. Basta fazermos uma pesquisa na internet sobre Manila e imediatamente encontraremos imagens de uma cidade moderna, próspera e cosmopolita.




Se continuarmos a nossa pesquisa, verificaremos que Manila é também apresentada através de imagens das praias tropicais, que se situam nas suas proximidades.




Só nos pode causar espanto, o modo como estas imagens de uma Manila de sonho contrastam brutalmente com as imagens de Manila captadas pela câmera de Mário Cruz. Umas apresentam Manila como uma espécie de paraíso, as outras apresentam-na como uma espécie de inferno. Não é difícil perceber quais delas são reais e humanas.

Levámos os nossos alunos a visitar a exposição “Living Among What’s Left Behind”. Talvez por perceberem que as imagens que ali viam eram diferentes das que habitualmente veem, e também por intuírem que nelas existe realidade e humanidade, talvez por isso, foi com extrema atenção que as observaram e ouviram o que o fotógrafo Mário Cruz lhes tinha para dizer. Talvez tenham aprendido algo que não vem nos livros e cresçam a saber ser humanos e a tomar atenção à realidade que os rodeia. Talvez.

Que imagem é esta e o que nos diz, perguntávamos nós no início. O que nos diz é que apesar de tudo, a realidade e a humanidade existem. Parafraseando um tema musical dos anos 80, “Digital have not killed reality nor humanity”.

Decidimos então, mostrar imagens reais aos nossos alunos...

Guião de aprendizagem de preparação da visita de estudo à exposição  "Living Among What´s Left Behind"

https://drive.google.com/file/d/1CWfBLJZxc6L7NfdLCFadxCK9ekbhmTIJ/view?usp=sharing

Ficha de exploração 

https://drive.google.com/file/d/10ZbQUKWQdBDrP_okKa5si8XgdkWe0POP/view?usp=sharing






 


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