Nesta foto de 1937, de um lado temos um menino de uma escola privada do Reino Unido. Do lado oposto, temos os moços de uma escola pública. A ocasião da foto, é a de um jogo de cricket, realizado em Londres, entre os colégios de Eton e Harrow.
Nós gostamos de Londres e esperamos que para sempre assim seja. Como um dia disse Samuel Johnson (1709-1784), quem está cansado de Londres, está cansado da vida, pois há em Londres tudo o que a vida nos pode proporcionar.
Em Portugal, todos parecem ter esquecido, ou fingir que esqueceram,que a pedagogia é um campo de batalha político. A escola não é neutra, nem se destina, nem nunca se destinou, a tão-somente ensinar. Ao longo da História, a escola sempre foi um dos principais palcos onde se digladiaram diferentes ideias políticas e classes sociais.
À escola, para
além de ensinar, sempre lhe foi pedido, por vezes explicitamente, outras vezes
de um modo encapotado, que representasse e transmitisse valores ideológicos,
nacionalistas e sociais.
A título de
exemplo, deixamos-vos este cartaz da década de 50 do século XX, intitulado
“Honra e glória ao professorado soviético”.
Para que não haja dúvidas,
deixamos-vos mais um cartaz, desta vez da Alemanha nazi:
Desde a Grécia antiga, que correntes ideológicas, sociais ou nacionalistas opostas usam a escola como um local de confronto. Não por acaso, uma das primeiras medidas que Vladmir Putin tomou nas zonas da Ucrânia recentemente anexadas pela Rússia, foi a alteração dos currículos e a substituição dos manuais escolares.
Em Portugal,
parece que a discussão sobre que métodos pedagógicos devem ser implementados
nas escolas, é apenas uma discussão técnica. É como se estivéssemos unicamente
a discutir se resulta melhor assim ou assado, e se vamos obter melhores
resultados académicos da forma X ou Y.
Porém, não é apenas disso que se trata. A discussão sobre quais são as melhores metodologias pedagógicas, é uma discussão de ideias, e não apenas de métodos e resultados, ou seja, é uma discussão sobre o tipo de sociedade a que aspiramos e quem queremos ser.
O que aqui nos
importa, é que tenhamos plena consciência disto: a escola não é um lugar
apolítico, é um lugar onde, mesmo que inconscientemente, se travam duras
batalhas políticas. A guerra entre o ensino tradicional e as pedagogias
modernas, não é uma luta neutra, nem apenas técnica. É uma luta entre
diferentes aspirações sociais e entre conservadores e progressistas. É uma luta
entre visões distintas, ou mesmo opostas, sobre o que deve ser a escola, a
sociedade e o mundo.
Em Portugal, até 1974, a escola pública foi um pilar essencial para a propagação do ideário do Estado Novo. Com a instauração da democracia, a escola pública adotou, quase sem pensar nisso, uma cultura pedagógica com raízes em ideologias situadas à esquerda do espectro político. Todavia, nunca houve um debate desapaixonado sobre esse facto e qual o seu significado. Passou-se de um extremo ao outro, sem que nada tivesse sido verdadeiramente pensado ou amadurecido.
Dir-se-ia que essa viragem resultou de uma espécie de automatismo, que ninguém na realidade interiorizou. A necessária massificação do ensino que se seguiu, e o também indispensável aumento dos anos de escolaridade obrigatória, vieram complexificar uma situação para a qual a escola pública não estaria preparada.
Como seria
expectável, essa viragem nunca foi plenamente digerida pelos sectores mais
conservadores e tradicionais da sociedade portuguesa. Por assim ser, algures
nos finais do século XX, foi lançada uma contra-ofensiva para tentar contrariar
esse estado de coisas e restabelecer “a ordem”.
Logo em 1997,
Maria Filomena Mónica publicou "Os Filhos de Rousseau", livro em que
fazia críticas muito contundentes às novas pedagogias implementadas nas escolas
públicas. Já em 2006, Nuno Crato escreve uma série de textos em que ataca
ferozmente o que designa por "eduquês" e aquilo a que chama a "pedagogia
romântica". Santana Castilho lança em 1999 o "Manifesto para a Educação
em Portugal" e, também nesse ano, David Justino publica "No
Silêncio somos todo iguais".
É também David
Justino a quem, como Ministro da Educação (2002-2004), se deve a publicitação
dos rankings dos estabelecimentos de ensino, que muitos
docentes consideraram “elitistas”, mas cuja comunicação social aplaudiu de um
modo absolutamente acrítico, condicionando desse modo a opinião pública e muito
particularmente os pais e encarregados de educação.
Sem qualquer
surpresa, os rankings indicavam o ensino privado como a via
mais segura de acesso ao ensino superior, o que nos anos seguintes criou uma
enorme afluência aos colégios, muitos deles religiosos. Em Lisboa, chegou-se
mesmo ao ridículo de se passar a noite ao relento para se garantir uma
matricula para os filhos.
Nasceram por todo lado colégios com “ensino de qualidade”, com (suposto) prestígio e tradição. Mesmo que esse prestígio e tradição tenham sido inventados do dia para a noite. Alguns colégios fundados no ano 2000 ou até depois disso, apresentam-se a si mesmos, nas suas páginas de internet, como detentores de ancestrais pergaminhos, apenas pelo facto das instalações que ocupam serem antigas casas ou quintas senhoriais. Quem quiser ir pesquisar, facilmente encontrará inúmeros exemplos, disto que aqui vos escrevemos.
Para a
encenação do dito “ensino de qualidade” dos colégios, contribuíram também o uso
de fardas, os brasões e as máximas grandiloquentes que lhes servem de mote,
muitas delas em latim. As palavras de ordem que mais vendem são “excelência”,
“autoridade aos professores”, “rigor” e “exigência”.
Entretanto, ao
longo desses mesmos anos, o país foi assistindo chocado a sucessivas notícias
de alunos que agrediram professores a exercer funções em escolas públicas.
Nesse contexto, situações destas, sejam ou não episódicas, causam inevitavelmente
um incremento de reacções neo-conservadoras e de desdém pela escola pública.
E é deste modo,
que a pouco e pouco, a escola pública vai sendo abandonada pelas classes
médias, depois já ter sido abandonada pelas classes mais favorecidas.
Foi algo
semelhante, o que há anos atrás sucedeu no Reino Unido, e muito particularmente
em Londres. Hoje, há já quem se questione sobre os devastadores efeitos que
esse abandono da escola pública a favor da escola privada teve sobre a
sociedade britânica. A esse propósito, aqui fica o inicio de um artigo do The
Guardian e os respetivo link:
“The existence in Britain of a flourishing private-school sector not only limits the life chances of those who attend state schools but also damages society at large, and it should be possible to have a sustained and fully inclusive national conversation about the subject”.
Nós gostamos de Londres. A Londres de que gostamos, não é da que se reúne no Palácio de Buckingham para as festas de suas majestades ou da que, aos fins de tarde, toma um cálice de xerez nos exclusivos clubes de gentlemen, aos quais, aliás, nem sequer temos acesso.
A Londres de que gostamos, é da que vai pelas ruas e onde na multidão se misturam e convivem gentes de todas as raças e de todas as classes sociais.
Entre as décadas de 70 e 90 do século XX, o bairro londrino de Kingston foi um autêntico caldeirão de culturas. Daí nasceu um estilo musical em que a sofisticação do electro-pop convivia alegremente com os sons mais primordiais da Jamaica. Resultou maravilhosamente.
A título de exemplo, ouça-se os The In-Crowd, com
“Baby my Love”:
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