Apostamos que ninguém nunca teve a ideia de ir passar umas férias a Manchester, no noroeste de Inglaterra. Não há lá belas praias, nem altas montanhas, nem frondosos bosques. Também lá não há lindos monumentos, nem bonitas avenidas. O que antes lá havia, era fábricas e mais fábricas.
Apesar desse seu carácter pouco atrativo, a cidade de Manchester teve quem a pintasse e a imortalizasse em obras de arte, a saber, Laurence Stephen Lowry.
L.S. Lowry pintou
inúmeras cenas da Manchester industrial da primeira metade do século XX. A
Manchester que L.S. Lowry retratou nas suas obras, é uma cidade pouco
harmoniosa, buliçosa e escura. As chaminés das fábricas dominam a paisagem, e é
ao ritmo constante dos fumos que estas expelem, que as suas gentes nascem, crescem
e vivem.

Foi nas regiões industriais de Inglaterra, que se inventaram as escolas que funcionam a um ritmo fabril. Tal e qual como nas fábricas, nessas escolas havia campainhas que marcavam as horas de entrada, de saída e de descanso. Tal e qual como nas fábricas, os alunos eram sentados em filas rectas como se estivessem numa linha de montagem. E, tal e qual como nas fábricas, havia tarefas que todos tinham de repetir e cumprir mecanicamente dia após dia.
Deixamos-vos uma obra
de L.S. Lowry, na qual é retratado um recreio escolar dessa Manchester
industrial de inícios do século XX, uma cidade onde os dias eram sempre iguais.
Não muito longe de
Manchester, fica Liverpool. É lendária a rivalidade entre estas duas urbes. Nos
dias de hoje, expressa-se sempre que os clubes de futebol Liverpool F.C. e
Manchester United se encontram para disputar uma partida.
Nas cidades industriais de Inglaterra, pouco mais havia com que sonhar para além do futebol. O dia a dia era pautado pelo incessante labor das fábricas e toda a vida decorria a esse ritmo.
Era apenas aos sábados, que as gentes se autorizavam a ansiar por algo mais, do que ser meras peças de maquinaria. Era no estádio que esse desejo se expressava, era no estádio que por uma tarde se reinventavam. Ainda hoje, o estádio do Manchester United é conhecido como “The field of dreams”.
Apesar da rivalidade, tanto Manchester como Liverpool são ambas antigas cidades industriais e com características muito semelhantes. Contudo, Liverpool é mundialmente famosa e não apenas por causa do futebol, pois não há quem não saiba, que Liverpool é a cidade natal dos Beatles.
Os Beatles são quem melhor representa aquilo que os britânicos designam como “Working Class Heroes”, ou seja, alguém que nado e criado no seio da classe operária, se reinventa e triunfa na vida representando os seus melhores sonhos e aspirações.
São conhecidas as dificuldades que vários elementos dos Beatles, enquanto crianças e jovens, sentiram para se adaptar à escola. Não admira, pois as escolas que frequentaram, como era tradição dessas regiões fabris, funcionavam a um ritmo industrial. Ritmo que estava muito pouco em harmonia com os seus espíritos livres e inventivos.
O sucesso dos Beatles foi muito rápido e em pouco tempo, tornaram-se ídolos da juventude a uma escala global. Passaram os anos seguintes a compor sucessos atrás de sucessos, numa cadência nunca antes vista. Tanto assim foi, que se estafaram, e em determinado momento, sentiram que apenas compunham para alimentar os crescentes lucros da indústria discográfica e já não para transpor para uma melodia os seus sonhos e aspirações.
Os Beatles ansiavam por um novo rumo, por dar asas à sua criatividade e experimentar outros sons e harmonias. Não pretendiam continuar a ser “apenas” uma espécie de fábrica, destinada a ritmicamente produzir consecutivos êxitos, todos mais menos repetidos uns dos outros. Consequentemente, reinventaram—se.
Por assim ser, viraram-se para o diferente, para o Oriente, mais concretamente, para a Índia. Em fevereiro de 1968, chegaram a Rishikesh, perto dos Himalaias, onde permaneceram alguns meses. Iam em busca de outras harmonias espirituais, que não o repetitivo ritmo industrial ocidental. Procuravam harmonias orientais que lhes pudessem servir de fonte de inspiração para composições com outros sons.
Uma das canções na
qual mais claramente se nota a influência indiana, é a célebre “Norwegian
Wood”. Basta ouvirmos os primeiros acordes, para imediatamente escutarmos as
harmonias sonoras do oriente, que compassadamente se desprendem de uma cítara:
Os anos que se
seguiram, foram os mais criativos e originais dos Beatles e as harmonias que
então inventaram, influenciaram a música até aos dias de hoje.
A sua história é um exemplo maior de que ninguém está condenado a repetir os mesmos gestos mecânicos dia após dia. O tédio, o aborrecimento e o desinteresse são superáveis pela originalidade, pela inovação e pela constante busca do novo. Mesmo no auge do sucesso, quando já ocupavam os primeiros lugares de todos os tops e rankings, não se deram por satisfeitos e souberam orientar-se e reinventarem-se. Para além da música, esse constante desejo de reinvenção é dos seus maiores legados.
Regressemos a Manchester, estamos agora no século XXI. As fábricas fecharam e toda a economia e modos de vida que delas viviam, terminou. Contudo, Manchester não se acabou, reinventou-se. Reinventou-se como uma cidade dedicada às artes e letras. Entre os muitos projetos que nesse âmbito foram implementados, conta-se um espetacular centro cultural, "The Lowry", baptizado com o nome daquele que imortalizou os seus anos de escuridão, Laurence Stephen Lowry.
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