Andar com a mochila às costas: uma reflexão territorial, urbanística, lexical, emocional e até internacional
Já ninguém
quer andar com a mochila às costas. Atualmente, todos querem é estar ao pé de
casa. Casa essa, que normalmente é um apartamento de mais ou menos cento e dez
metros quadrados, mais coisa, menos coisa, num prédio com elevador e placa. Apartamento
adquirido com recurso a um crédito bancário, a pagar em suaves (ou já não assim
tão suaves) prestações mensais durante várias décadas.
Noutros
tempos dizia-se que Portugal era um país pequeno na Europa, mas grande no
mundo. Um país onde o sol nunca se punha e que se estendia do Minho a Timor. Os
portugueses iam e vinham pelos setes mares, aventuravam-se e percorriam mundos.
Hoje em dia, o território nacional resume-se a Portugal Continental e aos
arquipélagos dos Açores e da Madeira, mas mesmo assim, parece que ainda é um
espaço demasiado extenso. Se calhar conseguíamos arranjar-nos com uma coisinha
mais pequena, mais modesta, mais em conta. Se calhar não precisamos de um país
tão grande.
Não nos
interpretem mal, não estamos a ter nenhum ataque de saudosismo pelo império
perdido, nem a querer desfazermo-nos de uma parte de Portugal, não é disso que
se trata. O que se passa, é que olhamos para o interior do país e vermos que
este se vai progressivamente desertificando. Cada vez há por lá menos gente.
Nem médicos,
nem enfermeiros, nem funcionários, nem professores, nem serviços públicos, nem
nada. Poucos querem para lá ir viver ou trabalhar, e muitos dos que lá estão,
querem é de lá vir-se embora.
Consequentemente,
há que concluir que não precisamos de todo esse extenso território para nada. Quando
muito, caso se tenha posses ou se tenha recebido uma casa como herança de uma
avó, todo esse espaço quase só nos serve para ter uma casita de campo, onde passarmos
uns fins-de-semana de vez em quando.
É tão puro e
fresco o ar do campo, pode-se plantar rabanetes e couves e ter uns vasinhos com
rosas e alfazema. Uma casita de campo é uma coisa que dá jeito e combina mesmo
bem com o jipe adquirido em sistema de “leasing”. Combina também com aquela
samarra comprada na feira de artesanato, que é tão quentinha e agasalha tanto.
É tão giro o campo, tão típico. E o sossego que lá há! Vale bem a pena.
Aparte os
devaneios campestres de fim-de-semana, a população nacional tende a
concentrar-se numa estreita faixa junto ao litoral e muito concretamente nas
áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que, entre ambas, albergam
praticamente metade da população total do país.
População
que paga mensalmente ao banco as tais já referidas suaves prestações (ou já não
assim tão suaves) para viver em espaçosos apartamentos de três ou quatro
assoalhadas, marquise incluída, a que ternamente chamam casa ou lar doce lar.
Sendo este o
panorama geral, compreende-se perfeitamente que ninguém queira andar de mochila
às costas, para longe do lar doce lar. Até porque, as pessoas constituem família,
compram as suas coisinhas e os seus bibelots, afeiçoam-se aos tarecos, e é
difícil largar tudo isso e ir para um outro lugar. É compreensível.
Dado o
contexto, o que compete aos nossos governantes, sejam os atuais, sejam outros
futuros, é diligenciar para que ninguém mais ande de mochila às costas: nem
médicos, nem enfermeiros, nem funcionários e nem professores.
Se a coisa
for bem-feita, cá nos havemos de arranjar e cabemos todos nesta estreita faixa
litoral que vai de norte a sul do país. Claro que vai ter de se arrumar a maior
parte do pessoal à volta de Lisboa e do Porto, mas com jeitinho consegue-se e
ficamos todos ao pé de casa. Até podemos vir à janela dizer adeus uns aos
outros.
Uma vez
estando todos ao pé de casa, até a vida corre melhor. E se não correr e
ficarmos todos ainda mais atafulhados uns em cima dos outros, com constantes
engarrafamentos, transportes públicos a abarrotar e urgências hospitalares
sobrelotadas, também não faz mal. Onde cabem dez mil, cabem vinte mil, o que é
preciso é que haja boa vontade. O resto logo se vê.
E que
bonitos são os populosos parques habitacionais nos arrabaldes das grandes
cidades portuguesas. Lado a lado há condomínios de luxo, paredes meias com
prédios de habitação social. O habitante do condomínio de luxo beneficia de
segurança, de privacidade, de aspiração central, de maçanetas douradas nas
portas, de vidros duplos e de vários espaços para parquear a sua viatura. O
habitante do prédio de habitação social beneficia da proximidade de
florescentes mercados de estupefacientes, de uma escola pública degradada, de
todo o tempo do mundo para pisar calçada, de ar livre, de abundante convívio e
de saborosos produtos alimentares doados pelas instituições de solidariedade.
É tudo muito
bonito, estamos todos em sua casa, no lar doce lar, e há uma tal harmonia entre
a vizinhança, que dir-se-ia estarmos no pátio das cantigas.
Mas mesmo
assim sendo, se porventura nos sentirmos atafulhados com tanta gente em redor e
quisermos desanuviar as ideias, o melhor é aproveitar os fins-de-semana com “pontes”
e ir ao interior do país para experienciar a paz e o sossego do mundo rural.
Alivia bastante o “stress”, experienciar o mundo rural, lá isso alivia.
Talvez
alguns dos nossos leitores nunca tenham experienciado o mundo rural, mas olhem
que é uma coisa fácil e agradável de se fazer. Para se experienciar o mundo
rural, o fundamental é experimentar-se um poucochinho de tudo: experimentar um
prato regional confecionado com enchidos locais; experimentar um mel biológico,
experimentar um queijo artesanal; experimentar um vinho caseiro e experimentar
outras coisas mais. Em síntese, o segredo para se experienciar o mundo rural é
só um: experimentar muitas coisas daquelas que são mesmo do campo, ou seja, que
não se vendem nos hipermercados.
Terminamos
para já, esta longa reflexão sobre ordenamento do território e urbanismo, mas
continuamos com o tema “andar com a mochila às costas”. Vamos agora então reflectir
sobre a própria expressão em si mesma.
Surpreendentemente,
pelo menos para nós, descobrimos que em Espanha “a mochila” tem conotações
muito distintas daquelas que tem em Portugal. Se em Portugal, nos tempos que
correm, “a mochila” está muito associada aos concursos de professores e às respetivas
colocações, em Espanha, “a mochila” está associada aos divórcios.
A carga que
“nuestros hermanos” carregam quando se divorciam, aparenta até ser superior ao
carrego dos professores portugueses. Com efeito, quando se divorciam, os
espanhóis carregam não com uma, mas sim com duas “mochilas”.
Uma “mochila” mais a atirar para o literal, constituída pelos pertences que um dos cônjuges leva consigo ao abandonar o doce lar, e uma segunda “mochila” assim mais para o metafórico, que é comummente conhecida em Espanha como “a mochila emocional”.
Para nossa
surpresa, “a mochila emocional” é um acessório comummente conhecido não só em
Espanha, mas também no Brasil. Desconhecemos a existência deste artigo em
território português, mas pode muito bem ser ignorância nossa, talvez alguns
dos nossos leitores o conheçam.
Em qualquer
dos casos, vamos partir do princípio que é um acessório desconhecido em
Portugal. Assim sendo, vamos explicar-vos o que é “uma mochila emocional”. O
carrego desta mochila é feito de recordações de bons momentos e de alegrias,
mas também de zangas, de arrelias, de desentendimentos e de desapontamentos.
Dizem os “nuestros hermanos” que são mochilas pesadíssimas.
Em Espanha,
aquando de um divórcio, custa os olhos da cara livrar-se do peso da “mochila
emocional”. Segundo os especialistas, a melhor forma de se o fazer é arranjar
rapidamente um outro alguém, isto caso não se tenha ninguém. Se eventualmente
já se tiver um outro alguém, mais um ou mais uma também podem dar uma ajuda.
Uma coisa é certa, mal não faz.
Dado que a
quase totalidade dos divórcios em Espanha sucede entre os quarenta e os
cinquenta e tal anos de idade, a maior parte das pessoas está destreinada e não
consegue arranjar alguém e livrar-se do peso da “mochila emocional”. Felizmente
que existem agências exclusivamente destinadas a esse efeito. Aconselham a
clientela e fornecem serviços que ajudam as pessoas a arranjar alguém e a
libertarem-se do peso da “mochila emocional”. Os preços vão desde os 7.000
euros até aos 15.000 euros. Abaixo fica o link de um artigo de jornal para quem
quiser saber mais sobre o assunto:
E pronto,
dito isto, cremos ter cumprido o que anunciávamos no título deste texto, ou
seja, uma reflexão territorial, urbanística, lexical, emocional e internacional
sobre o tema “andar com a mochila às costas”. Na nossa perspetiva, foi muito
ampla e transversal. Foi ou não foi?
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