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Ai os homens...


Em Portugal, como no restante mundo ocidental, o fosso entre os resultados escolares de rapazes e raparigas tem vindo consecutivamente a aumentar ano após ano. A cada ano que passa, em termos médios, melhoram os resultados das raparigas e pioram os dos rapazes. Há quem explique esta situação afirmando que as raparigas são mais inteligentes e estudiosas que os rapazes, porém, a nosso ver, essa “explicação” não explica nada, a causa será certamente mais funda.

 

Nos últimos anos houve imensos estudos que se debruçaram sobre o que significa ser mulher no século XXI, contudo, foram muito poucos os que se debruçaram sobre qual é o lugar do homem na atualidade. Que problemas os afetam, por que têm três vezes mais probabilidade estatísticas de se suicidarem, o que os leva a cometer mais crimes violentos, por que têm mais acidentes, por que têm mais doenças e mais problemas do foro psiquiátrico e, claro está, interligado com tudo isto, por que razão são os resultados escolares dos rapazes cada vez mais fracos.

 

Nas últimas décadas, houve uma particular atenção aos direitos das mulheres. Independentemente dos muitos problemas de discriminação que subsistam, há um facto inegável, atualmente as mulheres têm uma liberdade para serem o que quiserem ser muito maior de que durante séculos tiveram. E assim é que está bem, quanto mais liberdade tiverem as mulheres para serem o que querem ser, melhor. Acerca disso, cremos que podemos estar todos de acordo.

 

Dito isto, há evidentes sintomas que em simultaneidade com esta crescente liberdade das mulheres, há homens que têm novos problemas, que se fazem sentir logo desde tenra idade, quando ainda são rapazes. Não são propriamente problemas de discriminação, mas sim de um outro tipo, ou seja, de identidade.

 

Uma vez esgotado o seu tradicional papel de protetores do sexo fraco, de chefes de família e de tudo o mais que a isso vinha associado, muitos homens parecem estar sem saber bem quem são, ou seja, que novo papel poderão assumir. No fundo, como que se sentem órfãos da sua ancestral identidade.

 

Há homens que reagem a essa espécie de orfandade, assumindo o papel de grunho, ou seja, comportando-se como se ser-se homem fosse o equivalente a ser-se uma besta e a agir-se como um alarve. Há também muito quem não estude e não leia, crendo que assim está a agir como um homem.

Há na internet “influencers” com enorme sucesso à escala global, que defendem posições e “teorias” tão retrógradas e abstrusas relativamente ao que é ser-se homem, que até os hominídeos teriam vergonha de abrir a boca para dizer tais barbaridades. A esse tipo de tendências dá-se o sofisticado nome de ultra-masculinidade.

 

Por muito grunhos que sejam tais gentes, também isso é um sintoma. Um sintoma de que muitos homens não sabem quem são e de que lidam mal com as atuais complexidades resultantes da liberdade das mulheres. Em consequência disso, há homens que escolhem “pensar” e agir de forma básica, de modo a que não se lhes compliquem as ideias, não se lhes vão os fusíveis mentais rebentar e ficarem avariados de vez da cabeça, algo que efetivamente acontece a muitos.

 

Não conseguindo muitos desses homens ultra-masculinos articular mentalmente duas ou mais ideias complexas, refugiam-se numa ideia simples e básica, no que imaginam ter sido a essência da identidade masculina de antigamente. Ou seja, refugiam-se numa ideia que não exige que se pense muito, e que se resume da seguinte forma: o macho manda e a fêmea obedece.

 

Como é evidente, a atual realidade desmente-os a cada instante, na rua, em casa e no trabalho, mas isso pouco lhes importa, pois sentem-se aconchegados e reconfortados com a inebriante melodia que se desprende dessa ideia simples e básica: Macho, macho man, I gotta be a macho man…



Todavia, há um outro lado para esta questão. No ponto diametralmente oposto ao dos grunhos da ultra-masculinidade, há também quem tenha decidido qual o novo papel que o homem deve assumir na atualidade, e por força, o queira encaixar nele.

 

É só começarmos a ler sites e revistas dedicadas ao público feminino, desde as mais intelectuais até às mais populares, e as receitas estão todas lá, prontas para que as senhoras as apliquem. Como educar o seu filho rapaz, como dividir as tarefas domésticas com o seu homem, o que é um bom amante, como se relacionar profissionalmente com o sexo oposto e o mais que se quiser, receitas não faltam.

 

A avaliar por esses sites e revistas, o papel do homem atual implicaria que este possuísse uma tal quantidade de características, que estamos cá desconfiados, que serão poucos os que conseguiriam estar à altura das circunstâncias.

Para cumprir o papel que o querem fazer assumir, o homem atual teria de ser atento e seguro de si, inteligente e cuidadoso, disponível e charmoso, asseado e financeiramente instalado, divertido e romântico, fogoso e terno, aventureiro e confiável e, já agora, convinha também que soubesse mudar as fraldas a um bebé, passar a roupa a ferro, substituir um pneu do carro, consertar a instalação elétrica, confecionar pratos gastronómicos oriundos do sudoeste asiático e, para findar, que arrumasse e limpasse a cozinha.

 

Um homem olha para todo este extenso catálogo e sente-se abalado na sua identidade, começando então a perguntar-se se a si próprio quem é, donde veio e para onde vai. A outra pergunta que imediatamente também lhe ocorre é a seguinte: “E não queriam mais nada? Vejam lá, é só pedir, não façam cerimónia”.

 

O problema é que (tal como nós acabámos agora mesmo de fazer) mal um homem decide ironizar sobre algum dos itens do extenso catálogo que consta no papel que o querem fazer assumir, há logo quem trate de o fazer sentir-se culpado, de o chamar retrógrado, acusando-o de masculinidade tóxica.

 

Há quem não tenha pejo nenhum em qualificar imediatamente qualquer comportamento masculino mais descuidado (chamemos-lhe assim), como sendo tóxico. Por exemplo, um pobre desgraçado chega a casa estafado, cumprimenta a mulher, descalça os sapatos num qualquer lugar, despe-se, atira a roupa para o alto e lá vai disto, esponja-se no sofá. A mulher lá continua com os seus afazeres diários e passado um tempo, já mais recomposto, o homem lança inocentemente para o ar uma premente questão:

- O que é o jantar?

Zás, já está: masculinidade tóxica. O caldo está entornado e se o pobre desgraçado quiser comer qualquer coisinha, o mais certo é ter que encomendar e mandar vir de fora.

 

Há milhares de artigos na internet sobre como abordar a masculinidade tóxica na sala de aula, começando logo desde o ensino pré-escolar e indo até ao fim da escolaridade obrigatória e para além dela. Temos imensas dúvidas que daí resulte qualquer coisa de positivo para a redefinição do papel do homem no mundo atual, mas, a ver vamos.

 

Abaixo o anúncio de um novo perfume para homens, o “TOXIC MASCULINITY REMOVER”



Como já se percebeu, um homem atual vive num permanente equilíbrio, como se caminhasse num fio de arame. A identidade que tradicionalmente assumia já não faz sentido, não fazendo também sentido assumir uma espécie de identidade ultra-masculina, que mais não é do que a exacerbação de estereótipos associados à masculinidade. Por fim, também não faz sentido, que os homens andem por aí com pezinhos de lã, sempre com mil cuidados, não vão ser acusados de comportamentos e atitudes tóxicas. Posto isto, que solução?

 

Sabemos lá nós a solução... os homens de antigamente, os ditos tóxicos, é que tinham soluções para tudo. Nós somos gente do nosso tempo e, por consequência, fazemos nossas as palavras de Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.): “Só sei que nada sei”.

 


 

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