Há alunos a rir, miúdas a passear juntas pelos
jardins, rapazes a jogar à bola e até pares de namorados na esplanada do bar.
Situada na freguesia de Lourosa e frequentada por 630 alunos, a EB 2/3 local
desde há sete anos que vive sem telemóveis no recreio, sendo que toda a gente
se sente satisfeita por assim ser.
Talvez de todos os temores que a chamada Inteligência
Artificial desperta, um dos mais temíveis seja que num futuro não muito
longínquo, ninguém converse com ninguém. Os sinais de que isso possa
eventualmente suceder estão por todo o lado.
Se antes já havia muito quem “conversasse” mais com o
gato, com o cão ou até com uma planta num vaso, do que com outras pessoas,
agora quase todos “conversam” muito mais com os seus dispositivos electrónicos
do que com os seres humanos presentes diante de si em carne e osso.
Há quem já prefira “conversar” com seres virtuais, mas,
mesmo que do outro lado do dispositivo electrónico esteja efetivamente alguém
real, ainda assim, isso não é de todo em todo o mesmo que conversar ao vivo e a
cores. Cremos que as diferenças são óbvias para todos, todavia, se por acaso
não o forem, é porque o fim das conversas já está muito mais próximo do que
julgávamos.
Quantas horas das nossas vidas passámos nós à mesa de
um qualquer café ou restaurante a conversar? Muitas certamente. Quantas outras
horas mais passámos também a conversar enquanto passeávamos calmamente por um
jardim ou pelas ruas escondidas de uma grande cidade? Bastantes. Quantas tantas
outras horas conversámos num museu diante de um quadro, ou depois de ler um livro,
ver um filme ou também sentados numa antiga igreja medieval completamente
vazia? Imensas.
Que tanto tínhamos nós para conversar? De que coisas
conversávamos nós? A bem dizer, nem sabemos. Conversávamos das mesmas exatas
coisas de que ainda hoje conversamos, ou seja, de tudo e de nada, de coisas
importantíssimas e de coisas sem importância nenhuma. Conversávamos sobre as
nossas vidas e as vidas dos outros, sobre o que queríamos fazer e o que
deixámos por fazer, sobre se chovia ou se fazia sol e sobre quem éramos e o que
queríamos ser.
Vem tudo isto a propósito, de atualmente haver quem
lance urgentes alertas sobre o facto de a conversação ser uma atividade em
permanente declínio. Não só cada vez se conversa menos, como também se conversa
pior.
É inegável que o aparecimento dos smartphones, alterou
profundamente as conversas. Alterou-as tão profundamente, que nalguns casos
eliminou-as totalmente. Basta frequentarmos um qualquer espaço público para o
verificarmos. Seja em que sítio for, é certo e sabido que vão ser mais as
pessoas que estarão a olhar para os ecrãs, do que aquelas que estarão a
conversar. Tanto faz ser de dia ou de noite, estar na praia ou no campo, estar
sozinho ou acompanhado, que a situação é praticamente idêntica em qualquer dos
casos.
Em termos quantitativos, não há forma de não vermos
que assim é, ou seja, que há menos conversa do que havia. Mas também em termos
qualitativos houve uma profunda alteração. Há quem se tenha dedicado a estudar
cientificamente estas coisas, sendo que, uma das conclusões mais curiosas a que
chegou, foi a de que a expressão “Não tenho palavras” passou a ser uma das que
mais se usa nos dias de hoje.
Por vezes, a expressão “Não tenho palavras” é apenas
um cliché, o equivalente a dizer-se que se está espantado ou surpreendido com
algo, contudo, na maioria das vezes, significa precisamente isso, ou seja, que se
carece de recursos linguísticos para expressar oralmente o que se sente e o que
está a acontecer.
Não se ter palavras é um facto recente, dantes, até
quem era analfabeto tinha em si palavras, por modestas e simples que fossem,
para falar e conversar com os demais. Não foi assim há tanto tempo, apenas há
umas poucas décadas, no tempo dos nossos avós, que Portugal tinha taxas de
analfabetismo gigantescas, no entanto, as gentes dessa antiga geração sabiam falar connosco, contar-nos histórias e dizer-nos de onde vínhamos e quem
éramos. Podia faltar-lhes quase tudo, palavras para conversar não lhes
faltavam.
Não ter palavras é não se saber dizer aos outros a
felicidade, o contentamento, a tristeza, a raiva ou a decepção que se sente.
Quando se vive um sentimento intenso, que não se consegue descrever com
palavras, isso significa que não se o consegue partilhar plenamente com os
demais.
O abismo entre as palavras que não se têm e o que se
sente, condena-nos a que as alegrias nunca sejam tão imensas quanto o poderiam
ser, e condena-nos também a sofrer sozinhos, sem que consigamos verdadeiramente
expressar e partilhar as nossas agruras com outros.
É um tanto ou quanto caricatural, mas quem quiser ver
um exemplo extremo do que é não se ter palavras, é assistir a este pequeno vídeo
com o testemunho de um adepto à saída de um estádio de futebol:
Rebecca Rolland é uma prestigiada professora na
Universidade de Harvard. Lançou muito recentemente um livro intitulado “The Art
of Talking with Children”. Já está editado em várias línguas, mas ainda não em
português. É uma obra destinada a qualquer público, não deixando por isso de se
basear em pesquisas e em factos científicos.
Genericamente, o que se demonstra neste livro, é que
as conversas, seja em casa, na escola ou em qualquer outro lugar, são um dos
mais determinantes fatores no desenvolvimento mental e emocional de uma criança
ou de um jovem. Não se trata apenas de falar, pois que conversar, seja a sério,
seja a brincar ou algures entre uma coisa e outra, é muito mais do que
simplesmente falar.
A palavra falar vem do latim fabulare e originalmente relaciona-se com o que se conta, com rumores ou com o diz-que-diz. A palavra conversar vem do latim conversare, que originalmente significava conviver com alguém, estar na companhia de outra pessoa, ter intimidade e desfrutar de convívio. Fica a sugestão de leitura.
Nós compreendemos perfeitamente as intenções
pedagógicas da Professora Rebecca Rolland. Não só as compreendemos, como as
subscrevemos. Mas, dito isto, temos saudades dos tempos em que se conversava
por conversar, ou seja, em que as conversas surgiam espontaneamente, assim porque
sim, e não como parte de uma estratégia educativa.
Gostávamos muito que os nossos alunos não deixassem nunca de conversar. Por isso propusemos-lhes conversar uma manhã inteira.
Guião "A conversar é que a gente se entende"
https://drive.google.com/file/d/1NZPtnaMYG97rj-mk0MR59QidKZ6pGsDB/view?usp=sharing
Ficha de exploração "A conversar é que a gente se entende"
https://drive.google.com/file/d/1-0ep83wx_JZK3W1CTCmYfXBDyjaVqYe4/view?usp=sharing
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