Haverá talvez não mais que uma a duas centenas de
professores do 1° ciclo, reformados ou no ativo, que ainda se recordarão de ter
trabalhado nas antigas escolas primárias da zona histórica de Lisboa. As
antigas escolas situadas em locais que hoje são o epicentro do “Boom”
turístico: no Bairro Alto, em Alfama, na Bica e claro, também na Baixa.
Em finais dos anos 90 do passado século XX, muitas
delas ainda tinham alunos e funcionavam. Depois, uma após a outra, a pouco e
pouco, praticamente todas acabaram por encerrar as suas portas.
Em boa verdade, eram escolas que tinham poucas, ou
mesmo nenhumas, condições para o serem. Eram escolas que funcionavam em
edifícios que não tinham sido originalmente construídos para esse efeito. Quem
muitos anos antes mandou erguer tais edifícios, jamais imaginaria que algum dia
estes viessem a ser escolas e muito espantado ficaria se porventura o tivesse
descoberto.
Umas funcionavam nos segundos ou terceiros andares de
velhos prédios, outras em antigas casas senhoriais vagamente abandonadas,
construídas no século XIX, XVIII ou mesmo XVII.
Nessas velhas casas senhoriais, os professores que
nelas trabalhavam, viviam como se autênticos fidalgos fossem. Trabalhavam
debaixo de tetos com requintados frisos, onde se adivinhavam figuras
mitológicas: Neptuno, Zeus, Apolo, Diana, Vénus e muitas mais.
Adivinhavam-se, porque com o passar dos séculos, os
estuques já estavam um tanto ou quanto desgastados e do seu desenho inicial já
nem tudo restava. Mas que importava isso? Pouco ou nada, na verdade. É certo
que o ambiente era levemente decadente, mas todo ele estava envolto numa aura
de poesia e fidalguia.
Eram escolas que no átrio de entrada apresentavam umas digníssimas e sólidas escadas de mármore, pelas quais se subia com nobreza até ao primeiro piso e cujos corrimãos se iniciavam e terminavam em elegantes espirais.
Chegados ao andar seguinte, as escadarias passavam a
ser de madeira e toda a sua estrutura apresentava um aspeto claramente
instável. Os degraus estreitos e os corrimãos inexistentes ou nada úteis, pouco
ajudavam. Contas feitas, não era só a descer que todos os santos tinham de
ajudar, mas também a subir.
As paredes dos corredores estavam revestidas com
extensos painéis de azulejos. Painéis com cenas religiosas ou pastoris, onde ao
conjunto faltavam três, quatro, dez ou vinte peças. Ainda assim, mesmo com
essas lacunas, eram belos.
Com muita frequência, nas salas de aula havia
vestígios da pintura de frescos nas paredes, onde se vislumbravam retratos do
que talvez fossem príncipes e princesas, ou pelos menos, duques e duquesas, ou no mínimo condes ou condessas.
Apesar dessas escolas terem poucas, ou mesmo nenhumas,
condições para o serem, serviram diversas gerações de lisboetas. Era uma Lisboa
diferente, essa de então que, para o bem e para o mal, já não existe.
Ou melhor, existe mas só nas nossas memórias e nalguns filmes. Ainda há uns poucos dias, passou na RTP 2 o filme “Lisbon Story”. É uma obra de Wim Wenders e foi filmado em 1994. A personagem principal de “Lisbon Story”, é um engenheiro de som alemão, que viaja para Lisboa em serviço para efetuar uma recolha de sons. Todavia, “perde-se” com a cidade e com as suas estranhas sonoridades. Fascina-o sobretudo a misteriosa melodia das gaitas dos amoladores. Melodia que continuamente ouve por entre becos e vielas, mas cuja origem desconhece e jamais consegue descobrir.
“Lisbon Story” continua disponível no site da RTP Play
ou através da Box, deixamos-vos um excerto:
Nessa Lisboa de então, ao domingo de manhã ia-se à Baixa e não se via literalmente vivalma. Era uma Lisboa um tanto abandonada e um tanto arruinada, mas da qual emanava uma certa poesia e um certo odor a maresia.
As ruas eram todas nossas. Íamos do Rosso ao Terreiro
do Paço, atravessávamos a Rua Augusta e chegávamos ao Cais das Colunas, junto
ao Tejo, como uns autênticos fidalgos, sem que ninguém nos incomodasse pelo
caminho. Hoje nada disso existe.
Atualmente tais mordomias desapareceram, passear pela
Baixa a um domingo pela manhã, implica ser incomodado a cada poucos passos para
recusar mil convites para viajar de TuK-Tuk e desviar do caminho outras tantas
ementas de restaurantes especializados em “Typical Portuguese Food".
Nesse tempo passado, talvez há umas duas décadas, os
professores estavam autorizados a frequentar ações de formação em tempo letivo,
mais outra fidalguia que também já não existe. Nessa época para sempre(?)
perdida, existiam ações de formação promovidas pela CML de apenas um só dia, em
que se passeava pela história de Lisboa. Imaginamos que provavelmente noutras
cidades do país também as haveria, mas na realidade não o sabemos.
Conceituados olisipógrafos acompanhavam diligentemente
cerca de uma dúzia de docentes de várias áreas disciplinares e de diferentes
ciclos de ensino pelos becos, praças, ruas e avenidas da cidade. Eram cicerones
totalmente devotados ao serviço dos docentes, a quem durante aquele dia
serviam, como se estes fidalgos fossem.
Paravam diante de secretos recantos, contavam histórias rocambolescas de um determinado lugar e entravam em casas habitualmente inacessíveis ao público. Respondiam a todas as dúvidas e questões, e em certos sítios recitavam poemas de Lisboa, como aquele de Cesário Verde:
“Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.”
Sejamos fidalgos ou da plebe, continua a valer muito a pena passear por Lisboa, razão pela qual, convidámos os nossos alunos a construir um guião para um passeio por Lisboa, em que fossem eles os cicerones. Aqui fica:
Guião de aprendizagem "Não sei quantas almas tenho"
https://drive.google.com/file/d/1sFNVuJRqX-vt6koIv6wf0vvOlDTZh12M/view?usp=sharing
Guião imprimível "Um passeio pela arte moderna, pela Lisboa de Pessoa e não só…"
https://drive.google.com/file/d/1HLgGju2aNOJGn2MFBG9mmSIGi7IHUQra/view?usp=sharing
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