Nós sabemos que grande parte dos portugueses passam as férias em casa, e só podemos apoiar e aplaudir essa tão corajosa decisão. Assim é que é, nada de contribuir para o aquecimento global com poluentes viagens de avião. Nada de contribuir para a descaracterização de típicas cidades e aldeias enchendo-as de multidões, nada disso. Força portugueses, em casa é que é.
É para todos esses
bravos e corajosos, que hoje iniciamos uma série de textos cujo título genérico
é “Como fazer turismo sem sair de casa”. Começamos pela Bella Itália. Encomendem uma pizza.
Dantes, a educação da
jovem aristocracia britânica só ficava completa após a realização do Grand
Tour.
Uma vez tendo
terminado os seus estudos em Oxford ou Cambridge, os jovens deveriam viajar
para sul, tendo como principal destino Itália. Foi um costume que nasceu no
século XVII e que atingiu o seu auge no século XIX com a invenção do comboio.
Com o passar dos anos,
a moda do Grand Tour estendeu-se da aristocracia até à média burguesia,
tendo também sido adotada por outros povos do norte da Europa, nomeadamente pelos alemães.
Foi com o Grand
Tour que se deu a invenção daquilo a que atualmente chamamos turismo. Os
jovens viajavam para Itália não por qualquer razão prática ou comercial, mas
sim por razões lúdicas e culturais, mais concretamente para apreciarem “in
loco” as maravilhas da antiguidade clássica e do Renascimento, que
anteriormente tinham visto nos livros e enciclopédias. Viajavam igualmente para
se gozarem dos prazeres do sul, antes de entrarem definitivamente na vida
adulta e assumirem os seus deveres e obrigações.
No fundo, o Grand Tour era uma espécie de “mix” entre uma visita de estudo e uma viagem de finalistas.
Os pontos altos do Grand
Tour eram Veneza, Florença e Roma, mas havia quem estendesse a viagem mais para sul, até Nápoles e à
Sicília. Em Veneza passeava-se de gôndola pelo Grand Canal, deambulava-se pela
Piazza San Marco, contemplavam-se as vibrantes cores de pintores como Bellini,
Ticiano ou Tintoretto. Para que possam apreciar Veneza, deixamos-vos um
Canaletto.
Seguia-se para
Florença para ver a magnífica cúpula da sua catedral de Santa Maria del Fiore,
o David de Michelangelo, a Ponte Vecchio e a Piazza della Signoria onde muitos
perdiam a cabeça perante a beleza de Perseu.
Por fim, viajava-se até Roma e parava-se no Coliseu e no Panteão, ia-se obrigatoriamente até ao Vaticano e visitavam-se algumas pequenas igrejas onde nos altares havia quadros do grande Caravaggio.
Eventualmente, chegava-se a Nápoles para ver o Vesúvio e
as ruínas da cidade de Pompeia onde, nas paredes das casas, se viam frescos com
sensuais cenas.
Como já terão
percebido, não vos vamos recomendar que vão mesmo até Itália, até porque nesta
altura do ano o calor é imenso, há multidões por todo o lado e, além disso, a
comida nos restaurantes é péssima e cara, é só coisas preparadas à pressa sem
cuidado nenhum, tipo “para quem é bacalhau basta”. Em casa é que estão bem.
Dito isto, vamos
recomendar-vos um Grand Tour a Itália, mas que possa ser realizado sem
saírem do vosso doce lar. Como é evidente, também não vos recomendaremos
“visitarem” aquilo que já toda a gente conhece. Para que quereis vós ver mais
uma imagem do Coliseu, do Vaticano ou dos canais de Veneza? Mesmo que nunca
tenham ido a nenhum desses sítios, tudo isso está mais do que visto. Esqueçam.
O que vos vamos
recomendar são coisas de Itália que estão meio esquecidas e merecem ser vistas
e revistas. Comecemos por um filme, que não por acaso se passa num escaldante
dia de verão. O seu título é “Il Sorpasso”, em português “A ultrapassagem”, e
foi realizado em 1962 por Dino Risi.
Bruno, um homem já
maduro e com família mas que se comporta como um bon-vivant, convida o jovem e
tímido estudante Roberto, para fazerem uma viagem de automóvel pelos arredores
de Roma à procura de lugares onde se pudessem divertir: praias, restaurantes e
night-clubs.
Para Roberto, é uma
espécie de viagem iniciática através da qual ele descobre uma outra vida que
desconhecia. É como se subitamente se abrisse perante si uma realidade muito
diferente daquela que conhecia dos livros nos quais estudava. Em certa medida, “A ultrapassagem” retrata um ritual de
iniciação à vida adulta, tal e qual como num Grand Tour. Infelizmente essa passagem foi demasiado rápida e a
ultrapassagem correu mal.
Na cena que vos mostramos, passada
numa praia de Roma, Roberto ganha coragem para telefonar à Signorina Valeria. O
telefonema não lhe correu bem, mas ainda assim, o certo é que tentou. Isso para
o jovem e tímido Roberto já foi um grande passo em frente.
Continuando o nosso Grand
Tour, desta vez viajamos para a exuberante Nápoles. O filme que vos
sugerimos é de 1954 e foi realizado por Roberto Rossellini. Intitula-se “Viagem
em Itália”.
A história é simples.
Um casal inglês, meio aborrecido com a vida, ao invés de ficar em casa
sossegado, decide ir de férias para Nápoles. Como é bom de ver, a coisa não
corre bem. Ambos descobrem a intensidade e a exuberância do sul.
Na cena que vos deixamos, ela, uma séria senhora
britânica, austera e recolhida, visita o Museu Arqueológico de Nápoles. Um guia
dá-lhe a ver corpos de pedra, ou seja, esculturas de faunos, de tremendos
imperadores romanos, de divinas musas, de
musculosos deuses...
No seu rosto
entrevemos vagas perturbações e obscuros desejos. É o sul que a invade.
Voltemos a Roma. Novamente num quente dia de verão. Desta vez o filme é de 1993 e chama-se “Caro Diario”. Foi realizado por Nanni Moretti.
A história não existe. Praticamente
tudo o que vemos no filme é Nanni Moretti a passear de vespa por alguns bairros
de Roma. Não por nenhum turístico, cá está. Enquanto passeia por ruas e
avenidas desertas vai fazendo considerações filosóficas e jocosas sobre a vida
em geral.
A determinado momento do filme, Nanni
Moretti viaja para as Ilhas Eólias no Mar Tirreno onde tem uma conversa sobre o
grande filósofo alemão contemporâneo Hans Magnus Enzensberger. Numa esplanada, conversa
longamente sobre o destino da civilização ocidental e sobre um filme antigo
que, por acaso, estava a dar na televisão. É a cena que se segue:
Para terminar este primeiro episódio de “Como fazer turismo sem sair de casa”, aconselhamos-vos o livro de Ilja Leonard Pfeijffer, “Grand Hotel Europa”. É certo que foi escrito por um holandês, ou como deselegantemente se diz hoje em dia, um cidadão dos Países Baixos.
Todavia, a larguíssima parte da narrativa passa-se por terras transalpinas, mais especificamente por Génova e Veneza. Quem o ler certamente que se deliciará com reflexões sociológicas e epistemológicas sobre o turismo e a consequente decadência da civilização europeia, mas também terá a oportunidade de ler cenas bastante divertidas e outras de um profundo romantismo.
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