Continuamos por casa, certo? Nada de ir passear. Ou então sim, mas da cama para o sofá, com uma ida à cozinha para beber um chá, de preferência um chá do Japão. Como já terão adivinhado, desta vez vamos para Oriente, para a terra do Sol Nascente.
Talvez não seja má ideia irmos de Tóquio até Kyoto. A distância é grande, cerca de 465 quilómetros, mas, assim como assim, como não vamos sair do mesmo lugar, ninguém se vai estafar.
Esse mesmo percurso era conhecido como Tokaido, ou seja O Caminho do mar do Oriente e era a principal via terrestre do Japão. Ligava a antiga capital imperial, Kyoto, à verdadeira capital, Edo (Tóquio). Ao longo da viagem havia cinquenta e três estações nas quais os viajantes podiam parar para descansar. Sim, porque estes estavam mesmo a viajar, não estavam estacionados em casa como vós!
O mais célebre dos viajantes que percorreu este caminho era um mestre da gravura. Chamava-se Utagawa Hiroshige e viveu entre 1797 e 1858. Em 1832, Hiroshige viajou entre Edo e Kyoto numa delegação oficial cuja missão era transportar cavalos para os oferecer ao Imperador. Nessa ocasião, pintou cinquenta e três gravuras que representam cada uma das estações do Caminho do Mar do Oriente.
Na quadragésima quinta estação, a delegação foi surpreendida por um súbito aguaceiro, no entanto continuaram firmemente em frente. Que sorte tendes vós de estar assim aconchegados e em viajar sem sair do vosso lar.
Na gravura abaixo, a quinquagésima quinta, vemos a chegada ao término da viagem, ou seja a Kyoto. Certamente que os nossos leitores mais atentos se recordarão, que anteriormente, tínhamos falado em cinquenta e três estações. Sim, têm razão. Só que as gravuras são cinquenta e cinco pois para além das estações, há também a da partida e a da chegada.
Vamos de seguida deixar Kyoto e Hiroshige, siga.
E siga para onde? Perguntais vós. Para trás. Voltamos a Tóquio.
O que temos aqui é o clássico dos clássicos do cinema japonês, o filme de Yasujiro Ozu, “Viagem a Tóquio” de 1953.
Um velho casal resolve ir a Tóquio visitar os filhos que aí vivem e trabalham. Nessa visita acaba por dar-se o confronto entre o “velho” e o “novo” Japão, ou seja entre a tradição e a modernidade.
A determinado momento da história, o velho casal acaba por ser “despachado” para um SPA de uma estância balnear. Os filhos gostam muito deles, mas já estavam um bocado fartos de os aturar. É assim a vida moderna...
Deixamos-vos aqui uma cena do filme, na qual o velho casal combina passeios à beira-mar. Apesar de entre os dois aparentarem um grande contentamento por estarem em tão idílico local, pressentimos que esse bem-estar é uma espécie de encenação, que preferiam antes estar em sua casa.
Vêem como é bom viajar sem sair de casa? Vêem como não é nada bom ir para SPAs em estâncias balneares? Aproveitem o bem que têm!
Mas valha-nos Deus, também já chega de caminhar do sofá para a cama e da cama para o sofá, acompanhados de uma xícara de chá! Está bem que passam as férias em casa, mas ainda assim podem ir apanhar ar de vez em quando. Por exemplo, que tal uma corridinha?
Vejamos o caso de um escritor japonês, Haruki Murakami, que, para além de escrever, se dedica a correr. Atentem no seu exemplo. Ou talvez não… se calhar o melhor é mesmo ficarem sossegados, não se vão pôr para aí com correrias que ainda se aleijam. Talvez seja preferível lerem o seu livro, que a ler não se magoam nem se estafam. O livro chama-se “Auto-retrato de um Escritor enquanto corredor de fundo”. Nele, o autor reflete profundamente sobre a experiência mística que é correr longos percursos enquanto se pensa sobre a vida. A corrida é uma atividade, que para além dos óbvios benefícios para a saúde, faz com que se desenvolva uma consciência mais alargada da realidade e favorece o auto-conhecimento.
Se querem saber, Haruki Murakami chega mesmo a correr maratonas com o único intuito de encontrar a sabedoria. Vede a vossa sorte. Mesmo sem sair do lugar podem ler o livro e encontrar a sabedoria deitados na cama ou no sofá. Há lá melhor?
Acreditem em nós. A melhor viagem que podem fazer ao Japão é sem saírem de casa. Não sabemos se conhecem, mas no Japão há templos com jardins de pedra nos quais muitos se detêm em contemplação. Olham longamente para as pedras e elevam-se a um estado zen.
Ora bem, para quê ir tão longe quando podem atingir o zen olhando demoradamente para as paredes de vossa casa?
Mas mais! No Japão há muitos hotéis em que os quartos não são quartos, são cápsulas para repousar. Então não estão mais confortáveis no sofá?
Não pensem que se fossem ao Japão e dormissem de acordo com a tradição, seria melhor. Se estão a pensar num Ryokan, desiludam-se. Num Ryokan dormiriam no duro chão sobre uma esteira. Que bem que isso vos iria fazer aos ossos. E a almofada é de madeira. Isso é que ia ser uma noite bem dormida!
Em conclusão: ir dormir ao Japão, façam-no no vosso colchão!
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