Uma das coisas boas de se estar de férias sem se sair de casa, é poder-se ficar simplesmente a ver o tempo passar. Há quem desconsidere tal atividade e a ela se refira depreciativamente usando expressões de cariz popular, como por exemplo, “ficar a olhar para o dia ontem” ou “estar a pensar na morte da bezerra”.
Nós não somos assim, antes pelo contrário, apreciamos bastante passar horas sem fim a olhar para o ar ou para as paredes, e ficar a matutar sobre o que já lá vai e o que ainda há de vir.
Não é que nesses momentos tenhamos pensamentos muito profundos sobre a vida e o mundo, por vezes basta-nos olhar para uma vulgar estante e já é o suficiente para nos entretemos durante largos instantes. Outras vezes nem sequer isso é preciso, chega que olhemos para dentro, para o nosso fundo e pensemos num qualquer assunto. Em tal pensamento estancamos, assim vamos ficando e segundo a segundo as horas vão passando.
No entanto, o melhor é quando estando parados num qualquer lugar do lar a deixar o tempo passar devagar, e simultaneamente nos pomos a viajar. É o que frequentemente temos feito neste verão, sendo essa a razão pela qual já vamos para o décimo nono episódio da série “Como fazer turismo sem sair de casa”.
Viajar pela imaginação é muito bom. A primeira vantagem é não precisarmos de nos preocuparmos com a ladroagem, nem em trancar bem a porta de casa e deixar ao abandono a modesta habitação da qual somos donos. A segunda é que vamos pelo mundo inteiro sem gastarmos dinheiro. A terceira e última vantagem, é também um excelente argumento, não contribuímos para o aumento da taxa de carbono. Assim sendo, nem os ecologistas nem ninguém anda mal-disposto e vamos caminhando a pouco e pouco em direção ao fim do mês de agosto.
Hoje o nosso destino é Amsterdão e vamos tentar explicar-vos a razão porque não é bom lá irem. Se forem sozinhos, ainda vá que não vá, agora em família, isso é que não.
Um dos principais cartões de visita de Amsterdão são os seus costumes muito liberais. Há certas coisas que noutras cidades mais conservadoras e tradicionais são imorais, só que, o que é imoral, passando-se em Amsterdão, parece que já não faz mal.
Essa é a razão pela qual aconselhamos vivamente as famílias de bem a absterem-se de lá irem e permanecerem resguardas no lar. Quem não sabe fica a saber, que em Amsterdão há senhoras, que se por cá trabalhariam na rua e em esquinas obscuras e becos mal-afamados, por lá, oferecem os seus serviços a todos os passantes, exibindo-se em amplas e escancaradas janelas envidraçadas.
Ainda por cima, fazem-no em trajes menores e com tanta pouca-vergonha e despudor, que tudo está à vista de qualquer um. Vai uma pessoa descansada pela rua a passear, a apreciar a harmonia estética que se estabelece entre os canais e o edificado e zás, de repente, olha-se para o lado, olha-se para cima, olha-se para trás, e lá estão elas todas às janelas para nos desconcentrar e aliciar.
Nem se pode estar descansadamente a observar a estrutura arquitectónica, os pormenores ornamentais dos edifícios e a sua relação com os canais, que logo pensam estarmos nós interessados nos seus ofícios. Os nossos leitores hão de convir que é coisa que perturba e cai mal e que portanto, Amsterdão é um lugar a não ir.
Para além do mais, nessa cidade, essas mesmas senhoras nem sequer são tidas por imorais, mas sim por empresárias individuais. Como um qualquer outro cidadão em circunstância tais, são também obrigadas a passar factura, a fazer os seus descontos e a cumprir com todas as suas demais obrigações fiscais.
Alertamo-vos também para que não pensem, que estas escandalosas práticas decorrem em sítios afastados, nada disso. Tudo sucede no chamado Red Light District, por entre uma multidão de turistas e em pleno centro histórico de Amsterdão.
No fundo, o bairro é uma espécie de “cluster”. Palavra que em termos macro-económicos, designa uma série de empresas que comunicam entre si, possuem características afins e coabitam num mesmo local.
Uma família portuguesa de respeito, que vá de férias a Amsterdão, naturalmente que estará pouco habituada a tais andanças e há de estranhar tantas liberdades. Se entre os nossos leitores houver quem não siga o nosso exemplo, não opte pelo turismo doméstico, e efetivamente arrisque ir com a família de visita a essa tão liberal cidade, o conselho que lhe deixamos só pode ser um: preparem-se.
Aqui ficam as nossas recomendações para quem insistir em viajar e não somente em imaginar. Uma vez lá chegados, em vez de se escandalizarem ou de se incomodarem com o que está à vista, talvez o mais apropriado seja olharem para o lado e disfarçarem, fazendo de conta que nada vêem.
Se porventura levarem crianças convosco e à noite, ao deitar, elas vos começarem a fazer demasiadas perguntas, o melhor é inventarem uma história qualquer de príncipes e princesas e acompanharem-na com uma inocente canção para as embalar, como por exemplo, esta: “Menina estás à janela com o teu cabelo à lua, não me vou daqui embora sem levar uma prenda tua".
Se os nossos leitores forem apreciadores da pintura antiga e frequentadores das grandes pinacotecas internacionais, como por exemplo, o Louvre em Paris ou o Prado em Madrid, sabem perfeitamente que as suas coleções estão expostas e divididas pelas grandes escolas pictóricas nacionais: a italiana, a espanhola, a francesa, a germânica, a inglesa e a holandesa.
Não há muitas mais grandes escolas de pintura. Há um ou outro grande pintor dinamarquês, suíço, húngaro ou português, mas isso são casos pontuais, génios individuais, que não representam uma longa tradição de uma nação.
Que Itália, Espanha, França, Inglaterra ou a Alemanha tenham uma imensa tradição pictórica, não espanta, pois que são nações que ao longo da história quase sempre foram ricas, grandes e poderosas.
Têm iguais escolas e tradições em muitas outras áreas, como por exemplo na política, na ciência, na música, na literatura ou na escultura. Já a Holanda (hoje Países Baixos) é um pequeno país. Ainda que próspero, salvo num caso ou noutro, não se lhe conhecem muitas figuras de grande relevância histórica-cultural. Excepto na pintura, pois que Bosch, Rembrandt, Hals, Vermeer, Van Gogh ou Mondrian, já para não falar doutros mais, são nomes conhecidos à escala mundial.
Enquanto durante séculos e em todos os outros lugares, os pintores retratavam episódios bíblicos, a vida dos santos ou cenas edificantes da antiguidade clássica, os holandeses de entre os anos finais do século XVI e meados do XVIII, dedicaram-se a inventar todo um novo conjunto de géneros pictóricos: as paisagens, as naturezas-mortas e os auto-retratos.
Rembrandt, por exemplo, autoretratou-se a vida inteira: como um jovem, como o mais bem sucedido e rico artista do seu tempo e também como um velho pintor arruinado e por todos esquecido.
Mas os holandeses desse tempo, inventaram ainda um outro género de pintura, o qual consistia em retratar gente simples, não pertencente nem à realeza, nem à nobreza, e que não seria sequer importante.
Um dos mais célebres e belos retratos de sempre é de Vermeer. Não nos mostra uma deusa, nem uma santa, nem uma rainha, nem uma sereia, apenas alguém que talvez fosse uma criada.
Dentro dos géneros de pintura inventados pelos holandeses, há um cujo sucesso foi imenso e que nos demonstra que os costumes liberais de Amsterdão não vieram do nada, ou seja, assentam numa longa tradição.
Esse género chama-se “geselschapje” ou “vrolijk gezelsachap “. Devido ao excesso de consoantes que há na língua neerlandesa, esse tipo de pintura é conhecida por todo o mundo não pela sua designação original, mas sim pela sua correspondente em língua inglesa, “Merry company”.
A arriscarmos uma tradução para português, seria qualquer coisa como “Uma alegre companhia”. E só por aqui, já se percebe que essa “alegre companhia” não será certamente a de se ficar sossegado no lar com a família, seja com a santa mãe ou com a legítima esposa, mas sim a de se andar na galdeirice com uma outra qualquer mulher.
Exemplos dessas poucas-vergonhas, é coisa que não falta na pintura da escola holandesa. Veja-se por exemplo, este quadro de 1662 de Gerrit Van Hantharst.
Mas há mais. Vejam lá também o que se passa nesta outra pintura de Dirck van Baburen de 1622.
Ou ainda um último exemplo, este abaixo de um quadro de Ambrósios Benson, artista nascido em Itália que pintava imagens religiosas sem grande sucesso, mas que mudando-se para um país mais a norte, aprendeu logo que tipo de cenas pintar para ter melhor sorte.
Anteriormente falámos de grandes pinacotecas internacionais como o Louvre ou o Prado, podíamos também ter referido o Rijksmuseum de Amsterdão, que está igualmente entre as maiores. Contudo, com certeza que os nossos leitores já terão adivinhado a razão por que não o fizemos. Pois cá está, entre a sua extensa coleção de milhares de obras de arte, um grande número delas representam cenas com “alegres companhias”. Vai uma pessoa a um museu para se educar e cultivar e chega lá e só vê coisas tontas e sem-vergonhices.
A coisa é tão mais grave, que mesmo em quadros de um pintor mais sério, como por exemplo Vermeer, corremos o perigo de encontrar imoralidades. Atentem na imagem abaixo, uma pintura de Vermeer intitulada “Carta de amor”.
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Aparentemente trata-se de uma inocente cena, no entanto, se a olharmos com atenção veremos que a sua interpretação não é assim tão casta. Não somos nós que o dizemos, basta que leiam o que transcrevemos da Wikipédia.
Fica em inglês porque até temos pudor de traduzir para português: “The fact that it is a love letter that the woman has received is made clear by the fact that she is carrying a cittern, a form of lute used in the period as a symbol of love - often carnal love; luit was also a slang term for vagina. This idea is further reinforced by the slippers at the very bottom of the picture. The removed slipper was another symbol of sex. The floor bush would appear to represent domesticity, and its placement at the side of the painting may suggest that domestic concerns have been forgotten or pushed aside”.
E pronto, com isto, achamos que ficam bem explicitadas as razões pelas quais se os nossos leitores decidirem viajar, a Amsterdão é que não. Há sítios muitos mais adequados com um ambiente muito mais familiar, mais não seja o lar, doce lar.
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