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Brasília - como fazer turismo sem sair de casa


No início deste verão, havia quem nos dizia, que viajar sem sair de casa era uma utopia. Diziam-nos que passar as férias todas no lar era um sonho impossível de concretizar.
Aconselharam-nos a que assentássemos os pés na terra, que fôssemos realistas e fizéssemos como o demais: que apanhássemos um avião, nos metêssemos num comboio ou pegássemos no carro, marcássemos um hotel ou alugássemos um apartamento e fôssemos passear.
Todavia, dobrámos o meio de agosto e ainda aqui estamos, em casa. Sendo que, vamos já para o décimo quarto episódio de “Como fazer turismo sem sair de casa”.
O que esta nossa odisseia prova ao mundo, é que as utopias são possíveis de se concretizar e, assim sendo, é precisamente para uma utopia concretizada que vamos hoje viajar: Brasília.
Brasília é fruto de um gesto utópico, que consistiu no desejo de erguer uma capital a partir do nada e não no litoral, junto ao Atlântico, mas sim no interior do país, em pleno coração do Brasil. O desafio era para lá de gigantesco e a muitos pareceu desmedido e desproporcionado. Contudo, a cidade levantou-se do chão e existe.
Brasília foi um projeto político, todavia, não é disso que vos vamos falar, mas sim de como nasceu o desejo de a desenhar. Imaginemos uma criança que inocentemente desenha, só que, ao invés de como é habitual traçar as linhas que definem as paredes, a fronte e o telhado de uma casinha, ao lado colocar uma árvore, nuvens no céu e um sol a brilhar, esboça antes uma cidade inteira, uma capital.
Há crianças assim, utópicas, que pensam e desenham em grande. O arquiteto Le Corbusier (1887-1965) talvez tenha sido uma delas.


Le Corbusier é um pioneiro da arquitetura moderna, como que inventou uma nova linguagem, aquela que ainda hoje usamos. Basta percorrer uma qualquer cidade e olhar para os edifícios anteriores ao século XX e para os erguidos a partir dessa data, para percebermos imediatamente a diferença entre a linguagem arquitetónica do século XX e as anteriores.
Olhemos por exemplo para a imagem abaixo. Trata-se de uma capela desenhada por Le Corbusier em 1955, fica em Ronchamp, França. É um ícone absoluto da arquitetura moderna, razão pela qual está classificada como património mundial. Contudo, se vos pedíssemos para imaginarem uma capela numa pequena localidade, dificilmente vos ocorreria algo que se assemelhasse à de Ronchamp. Essa distância entre a capelinha que imaginariam e a desenhada por Le Corbusier, é a distância que vai da arquitetura moderna à anterior ao século XX.


Le Corbusier revolucionou a linguagem arquitetónica logo partir dos anos 20 do século XX. Aos trinta anos de idade já era uma estrela internacional, sendo frequentemente convidado para trabalhar em vários sítios do mundo. Foi nesse contexto que esteve várias vezes no Brasil, onde conheceu e trabalhou com Oscar Niemayer, o arquiteto que se tornaria seu discípulo e posteriormente desenharia todos os principais edifícios de Brasília.
Oscar Niemayer era outra criança que desenhava utopias. Se olharmos para os seus desenhos, é impossível não repararmos que há neles traços infantis. Traços que aparecem até em desenhos esboçados quando Niemayer já quase completava um século de existência. Era como se o que traçou em menino, o tivesse acompanhado por toda a sua longa vida.


Le Corbusier começou por mudar a forma como se concebia a habitação individual, queria desenhar casas modernas, simples, práticas e eficientes, próprias da nova era que se inaugurava com o século XX. Segundo o próprio, as suas casas seriam “machines à habiter”.

Uma das coisas que o século XX trouxe foi o automóvel. Razão pela que Le Corbusier inventou os pilotis. Ao contrário do que sucedeu durante milénios, Le Corbusier não desenhava casas assentes na terra, no chão sagrado. Desenhava-as como se planassem no ar, assentes sobre pilotis. Criou assim um espaço livre para que o automóvel pudesse ser estacionado à porta de casa, no seu piso inferior.


Mais tarde, passou de projetos de casas individuais para a habitação coletiva. A utopia que nessa época animava Le Corbusier, era a de que se pudesse fazer a vida inteira sem se sair de casa, ou pelo menos, sem se sair do prédio.
Um dos seus bem mais sucedidos projetos foi “La cité radieuse”, em Marselha. Um imenso prédio como se fosse uma autêntica cidade. No seu interior havia uma escola, supermercado, cabeleireiro, cinema, restaurante, bar, escritórios e uma galeria de arte. Havia tudo o que era necessário para se levar uma vida moderna, sem a chatice de ter de se andar sempre a sair de casa.
Hoje em dia continua a ser habitado por largas centenas de pessoas e agora até tem um hotel. Se alguma vez quiserem visitar “La cité radieuse”, aqui fica o site do Turismo de Marselha com toda a sua história e outras relevantes informações:
Oscar Niemayer, que era uns bons anos mais novo que Le Corbusier, como um bom discípulo, seguiu-lhe os passos, projetando modernas casas e conjuntos habitacionais em vários locais do Brasil.
Ora bem, chegados a este ponto, se ambos já tinham realizado grande parte das suas ambições profissionais desenhando casas individuais e mais tarde prédios, o passo seguinte só podia ser um, concretizar as suas utopias desenhando cidades inteiras de acima abaixo.
E assim foi, Le Corbusier foi contratado para desenhar a nova capital do Punjab, uma das mais importantes regiões da Índia. Desenhou-a e em 1953 foi inaugurada com o nome de Chandigarh.
Numa reportagem recente, a BBC lançava a seguinte questão a propósito de Chandigarh, Is this the perfect city?
Mas calharia a Oscar Niemayer a tarefa maior, ou seja, a de desenhar a capital de um país tão grande como o Brasil. Para concretizar tal utopia, e segundo o próprio, inspirou-se nas curvas das mulheres brasileiras. 



As curvas estão lá para quem as quiser apreciar. Estão  bem à vista...


Em conclusão, e voltando ao início deste texto, se Niemayer e Le Corbusier conseguiram concretizar as suas utopias e desenhar cidades inteiras, também nós o vamos conseguir e passar as férias inteiras a fazer turismo sem sair de casa, ‘tá dito, ‘tá dito.

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