Temos passado as férias de verão em casa, a viajar pelo mundo inteiro sem sairmos do nosso lar. Ainda que tenhamos andado extremamente atarefados com tantas idas e vindas, conseguimos também acompanhar atentamente na televisão, as longas horas de emissão dedicadas às Jornadas Mundiais da Juventude.
Estendidos no sofá, lográmos organizarmo-nos e dar conta de ambas essas tarefas na perfeição. Somos “multitasking”, essa é que é essa, como diria Camilo Castelo Branco.
Um aparte. Não sabemos se apanharam a piada acima, que consistia em gracejar com o nome de Eça de Queiroz e com a sua rivalidade literária com Camilo. Apanharam? Sim. A sério? Ainda bem!
Nas quatro horas iniciais do primeiro dia de transmissão das jornadas, para não perdermos pitada de tudo o que se passava, termos vários pontos de vista e uma visão tão ampla quanto o possível, íamos mudando de canal a um ritmo certo, ou seja, de hora a hora. Primeiro a RTP durante uma hora, depois a SIC, para na hora seguinte seguirmos para a TVI e terminarmos com a CMTV.
Nas quatro horas subsequentes, ainda do primeiro dia, fizemos ao contrário. Nessa segunda rodada, começámos na primeira hora pela CMTV, depois na segunda vimos a TVI, a seguir a SIC e por último a RTP.
Quando chegámos ao fim das duas rodadas, ou seja, oito horas depois, permitimo-nos relaxar. Nas horas seguintes de emissão fomos mudando de canal ao calhas, sem tempo marcado, nem ritmo certo, tipo zapping.
Foi bom, foi um dia muito bem passado.
Ao segundo dia, preparávamos para fazer exatamente o mesmo, mas eis que nos ocorreu uma feliz ideia, a saber: calcular o número total de combinações de sequências possíveis com estes quatro canais, e a cada quatro horas do dia ou da noite, colocar em prática uma delas.
Para que o número de combinações fosse maior e tudo fosse ainda mais excitante, adoptámos como regra, que se podia repetir o mesmo canal em qualquer uma das sequência de quatro horas.
E assim foi. Das 9h às 13h vimos os canais de televisão pela seguinte sequência: RTP- SIC - RTP- TVI. Viram, nesta sequência repetimos a RTP. Já na sequência das 13h às 17h, não houve repetições: CMTV - RTP - TVI- SIC. A sequência das 0h às 4h foi RTP-RTP-RTP-RTP, e da das 4h da madrugada até às 8h da manhã, foi RTP-RTP-RTP- CMTV.
Como já terão percebido, estas duas últimas sequências estão interligadas, pois o que sucedeu, foi termos adormecido por volta da meia-noite, quando a televisão estava sintonizada na RTP, e acordado às 7h em ponto, momento em que imediatamente mudámos de canal e sintonizámos o aparelho na CMTV.
Foi uma noite bem passada, dormimos como benditos.
Para melhor nos orientarmos, fizemos uma tabela com todas as combinações possíveis. Fomos pondo-as em prática uma a uma, a ver se as conseguíamos esgotar todas. A cada sequência cumprida, púnhamos um visto no respetivo quadradinho da tabela.
Para além disso, acrescentámos à tabela uma entrada com as palavras “emoção /emocionante/ emocionado(a)/emocional”, para verificarmos quantas vezes eram repetidas essas palavras a cada a hora que passava.
O recorde foi da TVI com cinquenta e três vezes numa só hora. Ainda assim, foi pouca a diferença relativamente aos outros canais, esteve ali mesmo taco a taco, revés-Campo de Ourique. Em síntese, feitas as contas, divertimo-nos a valer, foi super-emocionante.
Mas para além da diversão, também refletimos. Nessa nossa reflexão, chegámos à conclusão que, vividas as jornadas, é agora o momento adequado de viajarmos para a Terra Santa. Consequentemente, neste décimo terceiro episódio de “Como fazer turismo sem sair de casa” vamos até Israel.
Ir a Israel, é não só, mas sobretudo, ir a Jerusalém. Porém, ultimamente a cidade tem andado um bocado agitada. Dantes era um sítio pacato, quase deserto, mas para aí de há uns dois mil e tal anos para cá, deram-se por lá uns tantos acontecimentos e nunca mais houve paz e sossego.
Por uma daquelas coincidências inexplicáveis, calhou a Jerusalém ser três vezes santa, ou seja, é simultaneamente uma cidade sagrada para os judeus, para os muçulmanos e para os cristãos.
Aqueles dos nossos leitores que já participaram em reuniões de condomínio nas quais se tomam decisões relativamente aos espaços comuns, percebem bem a tremenda dimensão dos problemas que há com Jerusalém. É de tal maneira, que nem os “vizinhos lá de cima”, os que reinam no céu, os conseguem solucionar.
Não é que, para esta nossa viagem, esses problemas nos afetem, pois a bem dizer nem vamos sair de casa. Mas, mesmo assim sendo, nas férias o que queremos é paz e sossego e não estar envolvidos em conflitos, por consequência, vamos a Israel, à Terra Santa, mas não à milenar Jerusalém, e sim à moderna e cosmopolita Tel Aviv.
Em boa verdade, provavelmente Tel Aviv nem sequer será oficialmente Terra Santa, uma vez que a cidade só foi fundada em 1909. Se porventura assim for, que os nossos leitores nos perdoem, mas uma vez que já lá estamos, agora ficamos.
Em qualquer dos casos, Tel Aviv está rodeada de locais sagrados por todos os lados, Belém não fica longe, a Nazaré também não, a Galileia é o mesmo, e não havendo bichas, chega-se a Jerusalém de auto-estrada numa hora, é um instantinho. Portanto, se Tel Aviv não é Terra Santa, faz pelo menos faz parte da área metropolitana.
E que podemos nós fazer em Tel Aviv? Podemos atravessar a estrada e ir à praia, assim, sem mais. Tel Aviv é tal e qual como o Rio de Janeiro ou Sydney, uma cidade que se espraia à beira-mar.
Podemos também voltar da praia e ir beber um copo nas centenas de esplanadas que há por todas as avenidas da cidade. Ou então, visitar um dos seus museus, talvez o mais famoso, o que é dedicado à arte moderna e contemporânea. Deixamo-vos uma imagem da atual exposição, só para vos abrir o apetite:
Tel Aviv foi fundada para ser inovadora, provocadora, culta e divertida. Os que a fundaram queriam-na livre e sem medos. E essa é uma das razões porque grande parte dos edifícios da cidade foram desenhados tendo como influência a Bauhaus.
A Bauhaus foi uma escola de artes, arquitetura e design criada na Alemanha dos anos 20 do século XX. A escola Bauhaus provocou uma revolução, pois que a sua abordagem era transdisciplinar.
A pintura, o teatro, a arquitetura e o design envolveram-se todos uns com os outros e daí resultaram obras absolutamente originais e cuja influência dura até aos dias de hoje. Abaixo uma imagem com objetos desenhados há cem anos na escola Bauhaus que ainda encontramos frequentemente por aí.
Em termos de arquitetura, o estilo da Bauhaus caracterizava-se pelas suas linhas simples e puras e pelos seus arrojados, modernos e sofisticados desenhos. Que edifícios com tais características fossem construídos em Berlim, Paris, Nova Iorque ou Londres, isso a ninguém espantava. Já que tivessem sido erguidos praticamente às portas de um deserto, no longínquo médio oriente e próximos de lugares santos, isso sim, a muitos espantou. Esse espanto chama-se Tel Aviv.
Devido às linhas puras, luminosas e minimalistas dos seus edifícios, Tel Avi ganhou o cognome de “A Cidade Branca” e acabaria por vir a ser classificada como património mundial pela Unesco, em virtude da exemplar modernidade da sua arquitetura.
A existência de Tel Aviv é um verdadeiro milagre. Numa região altamente conservadora e fortemente marcada pela religião, ou pelas religiões, melhor dizendo, ergueu-se do nada uma cidade culta, alegre e tolerante e muito dada a festas e celebrações, que não as religiosas.
Um dos maiores escritores israelitas, se não mesmo o maior, Amos Oz (1939-2018), cultivava também esse espírito de alegria e de liberdade, ou seja, sabia rir-se.
Um dia escreveu o seguinte: “O sentido de humor é uma traição porque te ris de coisas que os outros levam muito a sério. Porém, é uma traição redentora porque o humor é um antídoto contra o fanatismo.”
Ao contrário do que se possa pensar, os fanáticos não são os que estão longe e têm modos e costumes diferentes dos nossos. Os fanáticos estão bem perto de nós, nas TV’s, na rua e nos cafés e estão frequentemente a tentar converter-nos às suas crenças, sejam elas convicções religiosas, políticas ou sociais, sejam elas regras para levarmos uma vida saudável e não comermos nada que nos faça mal e praticarmos muito exercício físico, ou sejam elas conselhos relativos às nossas práticas sexuais, económicas ou morais.
Seja o que for, há sempre quem nos queira dizer como se deve fazer. Em boa verdade, tanto nos faz, podem pregar à vontade, porque nós quando o ouvimos já estamos sintonizados noutro canal.
A esse propósito, voltamos a citar Amos Oz: “O fanático é um grande altruísta. Está mais interessado nos demais que em si mesmo. Quer salvar a tua alma, redimir-te. Libertar-te do pecado, do erro, de fumar. Da tu fé ou da tua falta de fé.”
Como a nossa conversa já vai longa e não queremos que os nossos leitores nos abandonem de vez e passem a sintonizar um outro canal, terminamos por aqui com mais uma frase de Amos Oz. Desta vez uma consideração acerca de por qual razão é preferível viajar sem sair de casa, do que andar por aí numa azáfama de um lado para o outro:
“A literatura é a melhor agência de viagens Se comprarem um bilhete para uma viagem de quatro semanas à Colômbia, por exemplo, verão os seus monumentos, os seus museus e a paisagem. Mas se lerem García Márquez, visitarão para além disso, também as casas e inclusivamente entrarão por elas adentro, o que é muito melhor do que, o que qualquer tour organizado consegue fazer. A literatura introduz-nos na vida privada das coisas e nos seu segredos…”
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