Caros leitores, nesta temporada estival da saison de verão 2023, continuamos a fazer férias “à la maison”. Acreditem que tem sido bom. Neste décimo primeiro episódio de “Como fazer turismo sem sair de casa”, vamos até Paris.
Mas antes disso, um rapidíssimo “tour pour la France”, que também merece um pouco da nossa atenção. Haverão poucos países no globo terrestre onde a arte do “savoir-vivre” seja tão cultivada como entre os gauleses.
Como em nenhum outro lugar do mundo, a vida é vivida até à última gota e aproveitando o que de melhor há em cada “área disciplinar”. Por todo o lado há bons vinhos, livros e queijos, assim como belas canções, doces, licores e amores. Ou ainda, palácios de sonho e perfumes com requintados odores. Há também artistas e estilistas, bem como tremendas revoluções e perdidas ilusões.
Tudo isso há por “tout” Paris, claro que sim, mas também o há pelos seis cantos de França, nas cidades de Bordéus, Nantes ou Nancy, assim como na Côte d’Azur, na região de Champagne ou da Bourgogne, em La Loire e em castelos como o de Chantilly.
Como um dia cantou Maurice Chevalier, “Quand on a roulé sur la terre entière”, sabe-se perfeitamente que “Ça sent si bon la France!”:
Tal como anualmente sucede a cada edição do Tour de France, depois de muito se pedalar por todo o hexágono, termina-se a volta à França chegando-se à meta, a Paris, e mais concretamente aos Champs Élysées.
E é diretamente para lá que vamos. Fazem-nos companhia o compositor e cantor Serge Gainsbourg e a actriz e cantora Jane Birkin.
No vídeo da canção “L’anamour”, os dois passeiam-se num Renault descapotável pelos Campos Elíseos, desde baixo até ao alto. Sentem-se breves ventos e algumas brisas, num dia provavelmente primaveril.
O trânsito é intenso, mas isso não lhes faz diferença, pois afinal de contas, estão juntos e por isso brincam, riem, beijam-se e não têm pressa de chegar a lugar algum. Estando ambos em Paris, sendo talvez primavera, época em que tudo se renova e transforma, já estão no lugar onde querem estar, o resto do mundo não lhes interessa.
A canção que os embala pelos Campos Elíseos acima, fala-nos de “anamours transitoires”, o que significa algo como “desamores transitórios”. O que quererá isso dizer, é difícil de se saber.
Serge Gainsbourg era o típico parisiense elevado ao cubo, ou seja, nunca conseguia estar quieto. Adorava misturar, transformar e inovar, e para tal nunca recuava diante do bizarro e jamais se continha perante uma boa provocação. Inventava e reinventava sons, mas também frases e palavras, punha-as a saltar, a dançar e a rodopiar.
Para grande escândalo dos puristas da sacro-santa ”chanson française”, introduziu nas suas letras expressões anglo-saxónicas e nomes de marcas comerciais, o que nas década de 70 provocou enormes arrelias a muita gente, pouco dada a inovações nas canções.
Por exemplo, na canção “L’anamour”, que mais abaixo vos deixamos, é usada a palavra “exit”, ao invés da francesa “sortie”. Referem-se também rolos de fotografia da marca 200 Asa da Kodak, e ainda a companhia de aviões Boeing.
Muitos atiraram-se ao ar com tais heresias e gritaram sacrilégio a plenos pulmões. A ele nada disso lhe importou, e a ela também não.
O vídeo com a canção “L’anamour”, tem legendas em espanhol, o que dá um certo toque bizarro e translinguístico à coisa, situação da qual Gainsbourg certamente não desdenharia.
Contudo, o que mais nos chama a atenção é a extrema elegância e atualidade dos arranjos musicais e da própria composição, assim como a modernidade e inventividade dos sons e das palavras:
Em setembro de 2023, mais de três décadas após a sua morte, abrirá finalmente ao público a Maison Gainsbourg. Se o local fosse dedicado a um outro qualquer, diríamos que Paris passaria a contar com um novo espaço museológico, sendo dedicado a quem é, o melhor é esperarmos para vermos, talvez seja um espaço mais a atirar para o transdisciplinar: “Voilá, c’est chez moi. Je ne sais pas ce que c’est: un sitting-room, une sale de musique, un bordel, un musée…” (Serge Gainsbourg, 5 de abril 1979).
“Paris nunca se acaba” é o título de um romance do grande escritor catalão Enrique Vila-Matas. Independentemente do enredo, o título resume a essência de Paris, ou seja, nunca parar, estar sempre a mudar, a transformar-se e a inovar.
O Museu do Louvre foi inaugurado a 10 de agosto de 1793, completou precisamente ontem 230 anos. Desde a sua abertura, que de todos os lados do mundo continuamente chegam a Paris artistas, curiosos, artistas e amantes das artes para o visitar.
A coleção de pintura do Louvre contém obras-primas de todos os grandes mestres: Vermeer, Rembrandt, Caravaggio, Rafael, Tintoretto, da Vinci e muito mais. No Louvre há riquíssimas coleções de escultura da antiguidade clássica, há imensas múmias e estátuas de faraós e há também peças com milhares de anos vindas da Babilónia, da Assíria e da Mesopotâmia.
Em síntese, no Louvre há de tudo, não era preciso nada fazer para que milhares e milhares o desejassem visitar. Dito isto, em Paris, em meados da década de 80, decidiram fazer uma revolução e transformar completamente o Louvre. Para tal, mandaram erguer umas enormes pirâmides de vidro e renovaram praticamente toda a sua disposição interior.
Ao início foram muitas as vozes conservadoras que se levantaram contra tais inovações, depois calaram-se, pois se Paris nunca se acaba, o Louvre também não. Atualmente, o novo Louvre é a coqueluche da capital gaulesa.
Mas foi antes, na década de 70, que se deu uma das maiores transformações de Paris. Até essa data, Les Halles, bem no centro da cidade, era um bairro histórico que girava em redor de um grande mercado com o mesmo nome. Subitamente, toma-se a decisão de arrasar grande parte do bairro, encerrar o mercado e construir o enorme Centre Pompidou.
Foi um ver se te avias, que não podia ser, que era um atentado ao património, à tradição, à história e por aí adiante. Tais protestos de nada valeram, pois o Centre Pompidou ergueu-se do chão e tornou-se quase imediatamente num dos mais bem sucedidos museus de arte moderna e contemporânea do mundo, atraindo diariamente milhares de visitantes desde então.
Mas mais do que isso, o seu carácter transdisciplinar tornou-o no principal ponto de encontro de Paris. É um local para se ver arte, para ouvir música, para se ir à biblioteca, ler, ver um filme, para as crianças andarem a brincar, conversar ou simplesmente para passear, subir ao seu topo, lanchar e as vistas contemplar.
A sua arrojada e inquieta arquitetura, é hoje completamente inseparável da identidade da cidade.
O apetite de Paris por inovações é insaciável, vejamos uma outra história. Havia uma bela gare ferroviária erguida em 1900. Por volta dessa data, uns anos antes, um conjunto de pintores “saíram dos carris” e mudaram o rumo da arte.
Chamaram-nos impressionistas, embora alguns não o fossem. Desse conjunto de artistas fazia parte gente como Cézanne, Renoir, Manet, Monet ou Van Gogh. Consequentemente, pensaram os parisienses, porque não mudar o rumo da gare e transformá-la num museu que albergasse as suas obras de arte?
E assim foi, a Gare d’Orsay passou a Museu d’Orsay e é aí que podemos ver as melhores obras de arte de gente, como por exemplo, Vincent Van Gogh.
Paris não é a cidade eterna, hoje como sempre, continua a reinventar-se e a mudar, mas nós agora vamos ter de a deixar e terminar a nossa viagem. É com tristeza que o fazemos, mas antes do adeus, uma canção de Jaques Brel, “Les Prénoms de Paris”.
A canção também nos relata uma viagem a Paris e um encontro. Ao longo da canção, Paris muda constantemente de nome. No início tem nomes prometedores, como por exemplo, “Paris bonjour, Ta main dans ma main qui me dit déjà oui, C'est Paris l'amour” (Paris bom dia, a tua mão na minha mão que me diz sim, Paris amor). Ou também, “le premier baiser reçu sous un portail, C'est Paris romance” (o primeiro beijo dado sob um portal, Paris romance).
Mais para o meio, há nomes plenos de felicidade como “savoir que demain sera comme aujourd'hui, C'est Paris merveilleux” (saber que amanhã vai ser como hoje, Paris maravilhoso). Mas quando se aproxima o final da viagem, os nomes tornam-se melancólicos, “Paris la pluie” (chuva), "Paris chagrin” (desgosto) ou “Paris c’est fini” (fim).
Mas depois, há “une lettre de toi, une lettre qui dit oui” (uma carta tua, uma carta que diz sim) e “tout qui recommence, Et c'est Paris, je reviens” (e tudo recomeça, e é Paris, o regresso).
Como Brel despedimo-nos por ora, mas já a pensar em voltar.
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