Vem este título a propósito de o Museu de Arqueologia da Catalunha convidar, quem o queira visitar, a vir nu, ainda que aconselhe a que venha calçado. Mas também a propósito de o Museu Van Gogh de Amsterdão ter convidado o Pokémon para as suas salas de exposição, e por fim, pelo muito prestigiado Rijksmuseum da mesma cidade holandesa, ter realizado igual convite ao Rato Mickey.
São três convites de diferente cariz, contudo, nenhum deles nos convence. Mais adiante logo diremos porquê. Por ora, falaremos antes sobre por que pensamos valer a pena ir a um museu, sem que para tal tenhamos de ir nus, andar à caça de Pokémon’s ou encontrar o Rato Mickey.
Como quem habitualmente nos lê saberá, nós gostamos de
visitar museus, sobretudo, os dedicados à arte. Gostamos também de levar alunos
a visitá-los. O objetivo não é o de aumentarmos a cultura geral, nem a nossa,
nem a deles. Tal só muito lateralmente nos interessa. O principal intuito é um
outro, melhor e mais vasto, julgamos nós.
O que verdadeiramente nos importa, é que a arte nos
leve a viajar pelos reinos do real e do imaginado. Só através da arte podemos
descobrir numa só e mesma viagem tudo o que existiu, existe ou existirá, e
também tudo o que nunca existiu, não existe e jamais existirá. No fundo, a arte
são muitas viagens numa apenas.
Como nenhuma outra atividade humana, a arte tem o
poder imenso de nos despertar a curiosidade, desenvolvendo simultaneamente a
criatividade. A curiosidade e a criatividade são absolutamente indispensáveis
para aprendermos, o mesmo é dizer, para que saibamos inventar perguntas e
imaginar respostas.
Há quem só se atreva a fazer perguntas previsíveis a
fim de obter respostas óbvias. Na economia, na política, na educação, na
comunicação social, na ciência e em muitas outras áreas, um dos principais
sintomas de estagnação é quando todas as perguntas feitas são previsíveis e as
respostas obtidas mais não são do que óbvias.
Nos países e sectores em que existe dinamismo e
inovação, há sempre quem se atreva a inventar novas perguntas e a imaginar
respostas criativas, sejam elas possíveis ou prováveis ou impossíveis ou
improváveis.
É da curiosidade e das perguntas que dela nascem, que
surge a criatividade para imaginarmos todo o tipo de respostas de que
necessitaremos ao longo da vida. Na infância precisamos de respostas que são
histórias de encantar, na juventude de respostas que são projetos e promessas e
por vezes há também respostas que são despedidas ou pontos finais.
Há ainda tantas outras respostas de que
necessitaremos, as matemáticas, as médicas, as arquitetónicas, as educativas,
as financeiras, as políticas, as científicas e muitas, muitas mais.
Ir a um museu ver arte com olhos de ver, ensina-nos a
ser curiosos e a procurar perceber o que vemos, por consequência, habitua-nos a
criar perguntas e a testar e avaliar as respostas que encontramos e imaginamos.
Sendo a arte muitas viagens numa só, aprendemos ao
nela viajarmos a testar, avaliar e distinguir caminhos distintos, ou seja, o
que é efetivamente real, o que ainda não é real mas pode chegar a sê-lo, o que
é simplesmente irreal e o que ainda sendo só imaginado, é tão concreto e real
como a mais concreta realidade.
Ter a capacidade para saber distinguir todos esses diferentes caminhos é decisivo para a nossa vida enquanto indivíduos, para vivermos em sociedade e para o avanço do conhecimento.
A capacidade de distinguir caminhos entre o real e o
imaginado, o que é e não é, o que pode vir a ser e o que nunca será, é decisiva
para a nossa vida enquanto indivíduos, por exemplo, para sabermos avaliar quais
são os nossos projetos, anseios, sonhos e desejos que vale pena perseguirmos, e
quais são meras ilusões ou fugazes caprichos.
Saber o que perseguir e o que esquecer, certamente que
nos evitará muitas perdas de tempo e outros tantos equívocos e desapontamentos,
permitir-nos-á também concentramo-nos no que realmente (nos) importa.
Basta olhar em volta, para vermos a enorme quantidade
de jovens que, iludidos por inconsequentes sonhos de fama e de celebridade, se
põem a percorrer caminhos que inevitavelmente os conduzirão a grandes
desilusões e a becos sem saída.
Mas vemos igualmente muitos já não tão jovens,
insistindo em perseguir desejos fúteis e irreais, enquanto vão gastando o que
têm e que não têm numa raspadinha ou num crédito ao consumo a juros absurdos.
Talvez que a todos esses indivíduos iludidos pela fama e pelo consumo pudéssemos aconselhar um pouco de arte. Poderiam por exemplo pôr-se a pensar sobre o significado do quadro abaixo, uma obra de Richard Hamilton, ironicamente intitulada “Just What is It That Makes Today’s Homes So Different, so Appealing?”
A capacidade de distinguir caminhos entre o real e o imaginado, o que é e não é, o que pode vir a ser e o que nunca será, é não só decisiva para a nossa vida enquanto indivíduos, mas também para a nossa vida em sociedade.
É-o para se perceber que projetos políticos e sociais
são consistentes e sérios e quais outros são apenas enganos, fake-news ou meras
quimeras. Tal saber certamente evitaria que enquanto sociedade embarcássemos em
irrealizáveis utopias tecnológicas ou ambientais resultantes de imaginações
delirantes, e evitaria igualmente que acreditássemos em sebastianismos e em
putativos salvadores da pátria com respostas muito fáceis para problemas
altamente complexos.
Talvez que a todos esses grupos e movimentos políticos
e sociais, tanto aos que andam fascinados por grandiosas utopias futuras, como
aos que se deixam entusiasmar por quem promete restaurar os esplendores do
antigamente, pudéssemos aconselhar um pouco de arte. Por exemplo, uma obra do
artista alemão Anselm Kiefer, “Sursum corda”, expressão latina com que se
iniciavam as missas, que traduzida para português significa “corações ao alto”.
Entre outras coisas, esta obra fala-nos também de sonhos megalómanos, de ambições desmedidas, das muitas batalhas que foram travadas e do tanto que com esses devaneios de glória e triunfo se perdeu, foi destruído e se abandonou.
Por fim, a capacidade de distinguir caminhos entre o
real e o imaginado, o que é e não é, o que pode vir a ser e o que nunca será, é
não só decisiva para a nossa vida enquanto indivíduos e como sociedade, como
também o é para o avanço do conhecimento nas mais diversas áreas disciplinares.
Só quem sabe diferenciar uma hipótese de uma
conclusão, a realidade da fantasia, quando é válido usar a capacidade de
raciocinar ou a de imaginar e vice-versa, poderá alguma vez apresentar
resultados legítimos do seu trabalho e contribuir verdadeiramente para o
progresso do saber e do conhecimento, seja nas ciências, na economia ou nas
artes.
Tal saber certamente evitaria que fôssemos expostos a muitas
falsidades em todas essas diversas áreas, como por exemplo, as dos cientistas
negacionistas, a dos terraplanistas, as das empresas financeiras de duvidosa
existência, as da publicidade enganosa e as de projetos artísticos em que vale
tudo, “anything goes”.
Talvez que a todos esses que nos tentam enganar e
ludibriar, não fazendo com que o saber e o conhecimento avancem, mas sim
promovendo o retrocesso, o engano e o obscurantismo, pudéssemos aconselhar um
pouco de arte. Por exemplo, a obra do artista italiano Maurizio Cattelan que
consiste numa simples banana colada a uma parede com fita adesiva.
A dita obra de Cattelan foi vendida por 120 000
dólares, mas num momento em que se encontrava exposta numa galeria de Miami foi
surpreendentemente ingerida por um outro artista, o norte-americano David
Datuna.
Detido pelos seguranças da galeria, o artista
norte-americano alegou que a ingestão da banana era uma performance intitulada
“Artista com fome”. Enquanto mastigava, disse ainda que tinha gostado muito da
obra de Maurizio Cattelan, que estava deliciosa.
Maurizio Cattelan acabaria por rapidamente restaurar a obra vandalizada, indo comprar uma outra banana a um mercado local. Atualmente a dita obra está avaliada em 150 000 dólares.
Previsivelmente, indo este texto longo, de certeza
absoluta que os nossos leitores já se terão perguntado sobre afinal o que tem
tudo isto a ver com irmos nus visitar o Museu de Arqueologia da Catalunha,
irmos à caça de Pokémon’s no Museu Van Gogh ou encontrarmos o Rato Mickey no
Rijksmuseum. A resposta é óbvia, mas fica para amanhã, para a segunda parte de
“Gente nua, o Pokémon e o Rato Mickey entram num museu”.
Está a chegar a hora de almoço e já nos vai faltando a
criatividade para hoje continuarmos, mas os leitores que tiverem curiosidade,
cá nos encontrarão amanhã.
Terminamos deixando-vos os sites do Mickey no Rijksmuseum, do Pokémon no Museu Van Gogh e uma notícia do Expresso de gente nua num museu da Catalunha:
https://www.rijksmuseum.nl/en/whats-on/families-children/family-month
https://www.vangoghmuseum.nl/en/van-gogh-museum-x-pokemon
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