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Bernstein: The Lonely Cowboy

Estreou recentemente nos cinemas o filme “Maestro”, que nos conta a história de Leonard Bernstein. A narrativa da película centra-se na relação dele com a sua mulher. Uma vez que Hollywood já tratou dessa secção da sua vida, nós vamos tratar de uma outra parte da sua existência, a de pedagogo.


Como pedagogo, Leonard Bernstein não exercia funções numa típica sala de aula, mas sim na grande sala de concertos do Carnegie Hall em Nova Iorque. Tinha a acompanha-lo todos os elementos da orquestra da New York Philarmonic.

 

O primeiro dia de “aulas” foi em 18 de janeiro de 1958, o último a 26 de março de 1972. Praticamente todas as “aulas” foram transmitidas em direto pela televisão, primeiro só para os Estados Unidos, depois para um grande conjunto de países, cujo número chegou a atingir os quarenta.

 

No total são 53 lições que ficaram para a história sob o nome de “Young People’s Concerts”. A integralidade desse espólio está disponível online ou em DVD, para quem o quiser ver.


Como o próprio nome indica, os “Young People’s Concerts” eram dirigidos aos mais novos. Todavia, a rapaziada não ia simplesmente ouvir música, era muito mais do que isso. Bernstein comunicava diretamente com o jovem público, de modo a que este pudesse compreender o que escutava.

Mas compreender de uma forma que ia muito para além de saber quem seria o compositor de determinada obra, qual era o seu estilo, a que época pertencia ou pormenores técnicos relativos ao ritmo ou à melodia. Compreender para Bernstein significava fundamentalmente saber sentir.

 

Há muito quem creia que basta levar crianças ou jovens a um concerto de música erudita, que por si só, isso já será suficiente para que desenvolvam a sua sensibilidade musical e fiquem mais cultos. Bernstein sabia que não. Sabia que o imprescindível era saber sentir o que se escutava.

 

Numa dessas sessões, cujo tema era “O que significa a música?”, Bernstein explicou aos jovens presentes e a todos os que o acompanhavam pela TV, que não era necessário saber-se ler pautas ou distinguir notas, para se perceber a música, pois aquilo de que ela nos fala, move qualquer coisa dentro de cada um de nós e faz-nos sentir algo que até então não sentíamos.

 

Quando ouvimos música, o que sentimos nada tem que ver com factos, com histórias ou acontecimentos, temos sentimentos de uma ordem completamente diferente. Alguns deles são tão especiais e profundos, que as palavras não servem para os descrever.

 

Nem sempre os sentimentos podem ser ditos por palavras, por vezes são tão imensos ou intensos, que tão-somente a música o consegue fazer. No fundo, é esse o significado da música para a humanidade e foi isso o que Leonard Bernstein quis que todos compreendessem e soubessem, a começar pelas crianças e jovens.

Vejamos um excerto do concerto em que tudo isto foi dito, “What Does Music Mean?”:



O estilo pedagógico de Leonard Bernstein era tudo menos o de um especialista, nomeadamente o de um musicólogo. Não era que não lhe importassem os factos, as razões e as considerações que se podem fazer acerca de uma música, mas o fundamental não era nada disso.

Conhecer a História e as histórias relacionadas com uma composição musical terá certamente o seu valor e interesse. Em boa verdade, tais conhecimentos podem servir-nos para que apreciemos uma música mais aprofundadamente. No entanto, o ponto essencial não é esse, a efetiva condição sine qua non para ouvir música, é saber sentir o que se escuta.

Abaixo uma imagem de Leonard Bernstein durante um ensaio de orquestra.


Curiosamente, as ideias pedagógicas de Bernstein não se limitavam à música, tinha-as também relativamente aos jovens problemáticos.  Vejamos o que talvez pensasse sobre esse assunto.

 

Imaginemos um grupo de jovens adolescentes do Upper West Side de Nova Iorque, bairro que há umas décadas era um sítio sobretudo habitado pelas classes operárias e por diversas comunidades de emigrantes.

Nessa época, a zona não era propriamente um local pacífico e os conflitos eram diários. Gangs rivais combatiam-se frequentemente nas ruas e, como já se adivinha, entravam pelas escolas adentro todos estes problemas.

 

Entravam e saíam, pois que o abandono escolar era imenso e grande parte da juventude passava a vida a vadiar e a fazer tropelias. Contudo, as autoridades estavam em cima do acontecimento. Desde a polícia, passando pelos psicólogos, os sociólogos, os assistentes sociais e os juízes, não havia quem não interviesse para tentar educar a juventude do Upper West Side e assim a salvar da delinquência. Especialistas não faltavam.

 

Cada instituição ou grupo profissional tinha as suas teorias, e foram todas essas que Leonard Bernstein expôs numa canção intitulada “Gee Officier Krupke”.

 

Krupe é um polícia que apanha um grupo de adolescentes a fazer asneiras e leva-os para esquadra. Já na esquadra os jovens apresentam as suas razões para andarem na vadiagem, aparentemente a causa dos problemas está na família, pois as mães são toxicodependentes e os pais alcoólicos. Krupke não se deixa convencer e faz com que os jovens sejam presentes a um juiz.

O Juiz tem um entendimento mais vasto da situação e compreende imediatamente de que aquilo que os jovens precisam é de acompanhamento psicológico. Uma vez tendo beneficiado desse acompanhamento, o psicólogo de serviço entende que o problema é mais sociológico do que propriamente psicológico, e vai daí envia-os para um assistente social que conclui que do que estes jovens precisam é de um emprego em que possam ser úteis à sociedade.

Aqui fica a canção “Gee Officier Krupke”, com a opinião dos diferentes especialistas.



O que a América tem de bom, acima de tudo, é que não é uma terra de especialistas, pois todos o são e ninguém o é. The American Dream seja apenas um sonho ou seja uma realidade, em qualquer dos casos existe. Na América, para o bem e para o mal, na Constituição o que se diz é isto:
"We hold these truths to be sacred and undeniable; that all men are created equal and independent, that from that equal creation they derive rights inherent and inalienable, among which are the preservation of life, and liberty, and the pursuit of happiness."

Como talvez os nossos leitores saibam, não existe nem nunca existiu nenhuma outra constituição que tivesse inscrita em si, como um direito inalienável, "The Pursuit of Happiness". 
Por consequência, a felicidade pode ser procurada por qualquer um, sem necessidade de especialistas musicais ou pedagógicos. Tal como os cowboys que cavalgavam solitários, ao entardecer, pelas verdejantes pradarias do velho oeste, sabiam por onde ir, também dentro de cada um de nós se move qualquer coisa que nos faz sentir algo que até então não sentíamos. 
é esse o significado da música...
Para fechar, um clássico norte-americano, Aaron Copland (1900-1990), Rodeo, interpretado pelo New York Philharmonic Orchestra conduzida pelo maestro Leonard Bernstein:

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