O mês passado, um professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto recebeu cinquenta trabalhos escritos. No conjunto de todos os cinquenta, não havia um único erro ortográfico, uma qualquer vírgula colocada fora do sítio ou sequer uma gralha em nenhum dos trabalhos.
O professor
sentiu-se ludibriado, tendo concluído, e bem, que todos os cinquenta trabalhos
tinham sido “escritos” pela chamada Inteligência Artificial. Ao confrontar os
alunos com a sua conclusão, a larguíssima maioria deles admitiu que
efetivamente tinha recorrido ao programa ChatGPT.
Aqui fica a notícia, tal e qual como foi contada pelo Correio da Manhã:
Esta
história é ilustrativa da triste época em que vivemos. A lamentável lição que
dela podemos retirar, é a de que há alunos, e universitários ainda para mais,
que nem copiar como deve de ser sabem. Como terão chegado à universidade? Terá
sido só a estudar? Às tantas foi…que desconsolo de mundo este, o que nos calhou
em sorte!
Como é
evidente, não usamos aqui a palavra copiar no sentido de meramente se conseguir
transcrever algo. Aquilo a que antigamente na escola primária se chamava fazer
uma cópia, pouco terá a ver com o modo como idealizamos o que é copiar.
Para nós,
copiar tem um sentido muito mais elevado, vasto e poético. Copiar é a nobre
arte de se conseguir ludibriar com elegância e distinção quem nos avalia, que
na maior parte dos casos é provável que seja um professor.
Ludibria-se
um professor com educação e finura, quando ao realizar-se um trabalho cujo tema
não se domina, ou perante questões de um teste ou exame para as quais não se
sabe a resposta, ainda assim, se arranja uma forma airosa de copiar, e de por
conseguinte, se ficar bem na fotografia.
Como se vê,
copiar no sentido em que aqui utilizamos a palavra, vai muito para além de
transcrever. Quem copia com primor e requinte, é como se fosse dono de um
autêntico dom. Quem copia à balda e se deixa agarrar, é porque não tem saber
nem arte.
Esses que se
põem a copiar sem possuírem qualquer expertise ou maestria, e posteriormente se
deixam apanhar, são até uma vergonha para os verdadeiros artistas do copianço.
No fundo, mais não são do que gente sem talento, o mesmo é dizer, uns meros
transcritores.
O verdadeiro
mestre do copianço, sabe que tem de discretamente acrescentar um certo
“personal touch” ao trabalho ou à resposta que copia. Quem se limita a
transcrever o que escreveu o colega do lado ou o que leu num qualquer livro ou
“site”, na verdade não sabe copiar. E é precisamente por não o saber, que
existe uma forte probabilidade de vir a ser desmascarado, como, para enxovalho
dos genuínos artífices do copianço, sucedeu com os toscos alunos da
Universidade do Porto.
O “personal
touch” pode ser algo tão simples como trocar umas quantas palavras de lugar
dando-lhes um novo arranjo, à semelhança do que se faz com uma jarra de flores.
Pode também consistir em substituir palavras por sinónimos mais gentis ou
delicados. Ou ainda, por alterar a ordem das frases de um texto, de forma a dar-lhe
toda uma outra harmonia e graciosidade.
Claro está,
que os mais refinados artistas do copianço, não se limitam a estes simples
procedimentos e tendem também a acrescentar algo de íntimo e sofisticado às
suas obras.
Imaginemos
que num teste de História de Portugal, numa questão de desenvolvimento, é
pedido aos alunos para falarem acerca do período dos descobrimentos. Um dos
alunos, chamemos-lhe António José, pouco ou nada sabe sobre o assunto, mas para
sua felicidade, o colega que está sentado a seu lado, chamemos-lhe Tó Zé, sabe
bastante.
O Tó Zé é um
aluno sério, estudioso, rigoroso e muito metido consigo mesmo. Já o António
José, de estudar gosta pouco e de rigoroso e sério nada tem. O melhor que dele
se pode dizer, é que conversa não lhe falta, sabe-a toda.
Assim sendo,
durante o teste, o estouvado António José só tem que ir deitando um discreto
olhinho ao que estudioso Tó Zé vai escrevendo. Partindo dessa base de trabalho,
reinventará de seguida tudo o que leu pelo canto do olho, de modo a compor uma
resposta sua, que tenha aquele “je ne sais quoi”, que é só dele, do António
José.
Por exemplo,
o rigoroso Tó Zé inicia o seu texto assim: “O período dos descobrimentos
ocorreu no final do século XIV e início do século XV. Tendo sido uma época da
história da Península Ibérica em que se deu a descoberta de novos territórios e
rotas marítimas.”
Neste caso,
o António José só tem que lhe aplicar o seu “personal touch” para que do rigor
nasça a poesia: “A aventura iniciou-se há longo tempo, entre o fim do século XIV
e princípio do século XV. Foi nesse instante da história que os reinos vizinhos
de Portugal e Espanha se fizeram ao mar. E ao fazerem-se, rasgaram caminhos
pelos grandes oceanos e chegaram a terras distantes, que de todos antes eram
desconhecidas.”
Se pensarmos
bem nisso, o parágrafo inicial do sério Tó Zé é tão-somente eficaz, mostra que
o rapaz sabe a matéria, já o do António José, que se iniciou com um copianço,
depois como que se ergueu ao alto, ao ponto de não só anunciar uma epopeia, mas
de ser ele próprio essa epopeia.
Mas
imaginemos agora que estamos num teste onde há uma equação matemática para
resolver. Como é evidente, o António José tem de copiar a solução pelo colega
do lado, o Tó Zé, pois a matemática também não é com ele.
Neste caso,
o fundamental é que o António José saiba transmitir a ideia de que não acertou
logo à primeira. Que foi preciso pensar muito, raciocinar bastante e tudo isso.
Saber fazê-lo, é saber como na matemática copiar.
Desse modo,
o melhor é mostrar-se claramente que num primeiro momento se resolveu a equação
incorrectamente. Ainda assim, convém que o resultado, apesar de errado, não
seja completamente despropositado. Com efeito, é absolutamente decisivo
demostrar-se que se raciocinou corretamente, e que só se falhou a resposta
certa por causa de um qualquer despiciendo pormenor.
Seguidamente,
risca-se ou apaga-se o resultado errado, mas de modo a que este não fique
totalmente invisível. O que importa é que as tentativas falhadas sejam notadas,
pois como se sabe, os professores de matemática valorizam muito o esforço de
quem tem dificuldades, mas que, por tentativa e erro, as consegue ultrapassar.
Uma vez
estando o espaço destinado ao exercício todo sujo, esborratado e rabiscado,
torna-se evidente para quem quer que o vá avaliar, que estamos perante o um
aluno esforçado. É também fundamental não esquecer passar para o papel a
resposta correta…
É igualmente
importante, que o traço com que desenha ou escreve a resposta correta, tenha o
seu quê de vagamente hesitante e inseguro, pois se o traço for demasiado firme
e assertivo, é bem capaz de levantar suspeitas.
Mais a mais,
quando o professor for corrigir e verificar que a resposta está correta, mas
que o traço é hesitante e inseguro, vai certamente pensar que as dificuldades
advêm de um problema de autoestima, ou seja, e para voltarmos ao nosso
personagem, que o António José sabe a matéria, mas que tem falta de confiança
em si próprio.
A falta de
confiança em si próprio de um aluno é sempre algo que desperta uma enorme
simpatia e carinho. Desperta inclusivamente, o lado maternal em qualquer
docente, quer seja homem ou mulher. Em síntese, quem sabe copiar não tem apenas
de ser um poeta e artista, tem também de saber ser como um filho para quem o
vai avaliar.
Para
inspirar futuros artistas do copianço, terminamos com o maior dos artistas
dessa nobre arte, de seu nome Elmyr de Hory (1906-1976).
Elmyr de
Hory foi o mais bem-sucedido falsificador de arte de toda a história, tendo por
isso deixado o seu nome na História da Arte. Calcula-se que ainda hoje haja
centenas de obras suas nos mais prestigiados museus e nas melhores coleções
privadas.
Foi capaz de
imitar perfeitamente o estilo dos maiores pintores de arte moderna como
Picasso, Dubuffet, Derain, Matisse ou Chagall. Elmyr de Hory não era um transcritor,
não copiava obras de outros, criava-as. Ludibriava os mais eméritos
avaliadores, tendo passado parte da sua vida a fugir do FBI e da Interpol, que
nunca o agarraram.
Em 1973, um
dos mais aclamados cineastas de sempre, Orson Welles, realizou um filme no qual
faz uma ode à arte de copiar, de enganar e de ludibriar, coisas com muita má
imprensa, mas que na verdade merecem o maior dos apreços.
Na cena que abaixo vos deixamos, e é assim que terminamos, vemos Elmyr de Hory a compor um Matisse. Compôs muitos outros, mas ao contrário da rapaziada da Universidade do Porto, conseguiu sempre safar-se.
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