Não imaginam o que significa “Delulu is the solulu”? Pois nós estamos aqui para apresentar a Portugal algo que lá por fora já está a bombar. Mas antes disso, vamos falar-vos de redes sociais, de bloqueios, de Kafka e do Natal. Se são como crianças mimadas e não aguentam esperar, podem passar já para o final do texto, que lá encontrarão a solução para a intrigante questão, o que significa “Delulu is the solulu”.
Para que servem as redes sociais? Será para aumentar a ignorância, o rancor e a divisão entre as pessoas, ou será antes para encontrar amigos e fomentar o debate de opiniões, partilhar conhecimentos e assim aproximar as gentes? Tanto quanto vemos, até ao presente momento têm servido para ambas as coisas.
Há quem tente responsabilizar as redes sociais pelo conteúdos que publicam, mas dados os crescentes problemas legais daí decorrentes, quer nos cá parecer que a estratégia destas está a pouco e pouco a mudar.
Com efeito, algumas redes sociais começaram a favorecer grandemente a partilha de coisas absolutamente inócuas, acerca das quais nada haja para as responsabilizar, pois que ninguém está contra nem a favor das ditas.
Um gato aos saltos que parte uma jarra, um jantar em que se entorna um copo, um passeio à neve em que alguém tropeça e cai, uma careta feia e coisas desse género, a ninguém incomoda ou ofende, consequentemente, parece ser esse o rumo mais seguro para dar ao negócio: promover comunidades digitais em que a unanimidade e a inocuidade andem de mãos dadas.
Os textos que publicamos neste blog e divulgamos nas redes sociais, são por estas frequentemente bloqueados em razão de, e passamos a citar, “desrespeitarem as regras da nossa comunidade”.
Por mais que investiguemos, e já investigámos bastante, nunca conseguimos saber quais terão sido as regras que porventura desrespeitámos. É uma missão impossível.
As regras que estão publicamente anunciadas não foram de certeza absoluta, portanto hão de ter sido outras, ou seja, umas “regras secretas” que não se encontram anunciadas em lado nenhum.
Nada adianta pedir informações sobre quais terão sido as regras desrespeitadas, pois fica-se exatamente na mesma, ou não há resposta, ou é tão vaga que não esclarece absolutamente nada.
A situação é semelhante à de certas histórias de Franz Kafka, nas quais os personagens são acusados, mas nunca chegam a saber de quê e porquê. Por exemplo, em “O Processo” narra-se a história de um homem, Joseph K., que luta para descobrir o suposto crime que terá cometido, e pelo qual está a ser julgado por um tribunal que lhe é praticamente inacessível.
Apesar dos seus imensos esforços, Josef K. nunca consegue ser informado por que motivos está a ser sujeito a um processo judicial. Acaba condenado, tendo-se declarado inocente até ao fim. A pergunta que então lhe é feita pelos seus algozes é a seguinte: "mas inocente de quê?"
No universo kafkiano pressupõe-se que há sempre uma culpa. A história de Josef K. mostra-nos que existem instituições que não hesitam em atribuir essa culpa a alguém, independentemente do que esse alguém tenha ou não feito.
A lógica é simples e imbatível, se há uma culpa alguém a tem, consequentemente, condene-se. Quando “O Processo” foi escrito era uma mera ficção, no entanto, ao longo do século XX houve vários regimes totalitários que não hesitaram em efetivamente a tornar real.
O que se passa com este blog não é nada de tão grave, sucede tão-somente que é periodicamente acusado de ser culpado de “desrespeitar as regras da comunidade”. Porquê? Isso não se sabe.
Parte-se do princípio que teremos uma qualquer culpa pela qual somos continuamente condenados a bloqueios. Umas vezes por umas horas, outras por um dia inteiro, e de quando em quando, por uma longa semana. Segundo qual critério? É um mistério.
A retorcida lógica dos administradores das redes sociais, parece-nos ser tal e qual a das instituições kafkianas: alguém tem culpa, alguém vai ser condenado e pouco importa quem.
O que nós efetivamente sabemos, é que as redes sociais são acusadas de serem plataformas que favorecem a divulgação das maiores barbaridades e falsidades, sejam estas políticas, sociais, culturais ou científicas. Acerca disso há poucas dúvidas, sendo por essa razão que muitos as tentam responsabilizar legalmente e regulamentar o seu uso, pois as consequências de certas publicações afetam negativamente muita gente, quer a nível coletivo, quer individual.
Mas sendo essa a situação, a solução nunca poderá ser bloquear todo e qualquer conteúdo que eventualmente possa ser considerado controverso. Uma coisa é bloquear algo que seja incorreto, maldoso ou pernicioso, outra completamente distinta é bloquear tudo o que possa ser discutível, contestado ou debatido.
Nas redes sociais há abundantes publicações dos autodesignados “terraplanistas”, ou seja, de gente que acredita piamente que a Terra é plana. Isso é obviamente incorreto, não é uma questão de opinião, é uma verdade científica incontestável. Nesse contexto, não ficaria mal às redes sociais bloquearem a propagação de tais inanidades.
Outra coisa completamente diferente, é dizer que não se gosta do Natal, nem das prendas, nem dos presépios e nem sequer do bacalhau com couves à consoada. É certo que essa opinião vai contra a da larga maioria da comunidade, mas cá está, é só uma opinião e nada mais que isso, não há qualquer razão para a bloquear.
O que dirão as redes sociais e as gentes da terra da sugestiva figura do Pai Natal, com que uma autarquia local decidiu assinalar esta época festiva! Não cremos que seja unânime, ou será?
Como já dissemos, nós estamos cá desconfiados, que as redes sociais optaram por uma política em que favorecem cada vez mais as publicações completamente inócuas, que não possam ser sujeitas a qualquer contestação e que por tal razão, deem uma sensação de serem unânimes.
Por exemplo, se publicarmos um vídeo de um gato a brincar com um cão, de como num casamento alguém caiu em cima do bolo ou de como um outro alguém se espalhou ao comprido a andar de bicicleta, ninguém vai achar mal e até vai haver quem muito se ria, e portanto, tudo bem, não se “desrespeitaram as regras da nossa comunidade”.
Quando todas as publicações forem apenas de parvoíces, de brincadeiras, fotos de Natal, das férias, das festas, de gatos, de pandas e do que se comeu ontem ao jantar, tudo vai estar bem e feliz. Quando assim for, as redes sociais conseguem fazer uma tripla, comunidade = unanimidade = felicidade.
Que o futuro para esse mundo perfeito já se avista, disso não temos dúvidas. O mais recente sucesso digital entre os jovens é a filosofía ‘delulu’, termo que proveio da palavra inglesa “delusional” (delirante). Conta com seis mil milhões de visualizações e promete continuar a crescer.
Tudo consiste em acreditar que uma qualquer realidade é melhor do que efetivamente é. É uma versão hiperbólica e um tanto um quanto paranóica do que se designa por “pensamento positivo”.
Por exemplo, há quem acredite que namore com uma estrela Pop e comece a gerir a sua vida digital, quando não a real, a partir dessa crença. Há também quem acredite que tenha um emprego de sonho e aja nas redes sociais como se de facto o tivesse. Em resumo, poder-se-ia dizer que o pressuposto desta dita filosofia é a de que auto enganar-se é a solução, “Delulu is the solulu”.
Mas o nosso maior espanto, é que há muita gente adulta que leva a sério tal coisa. Segundo os especialistas, a filosofia “delulu” pode acrescentar grandes possibilidades tanto a nível sentimental como profissional. Incrivelmente, até um dos últimos redutos da seriedade e da sanidade mental, o New York Times, dedicou um artigo ao assunto:
No El Pais, o espanhol Carlos García, que é um conhecido coach (não confundir com coxo), diz-nos que a chave para este tipo de pensamento está na confiança em si próprio. Pelos vistos, a confiança segrega no cérebro dopamina e oxitocina e tudo começa a funcionar melhor sendo mais fácil obtermos o que desejamos e queremos.
Mas diz-nos mais, há estudos que relacionam este tipo de pensamento com a cura de algumas doenças. Aparentemente, pensando positivamente, será mais fácil para o nosso organismo defender-se de uma constipação (o exemplo é do coach).
Nós por acaso também estamos constipados, mesmo de verdade. Mas vamos já a correr publicar uma selfie nossa numa rede social, uma em que estamos plenos de confiança e em grande forma, essa de certeza absoluta que não nos bloqueiam e ficamos logo melhorzinhos.
Terminamos com um sábio conselho para todos os que nos leem:
“Make all your delulu come trululu"
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