Depois de andarem desaparecidas por uns tempos, ressurgem novamente por aí, umas gentes que acreditam piamente ter o direito de escolher as escolas que os seus filhos devem frequentar, sejam estas públicas ou privadas.
Por simplesmente cumprirem as obrigações fiscais, tais gentes acreditam que têm não só o direito de escolher a escola, como também acreditam ter o direito de não gastar um tostão com tal escolha. São na verdade gente muito crente.
Advogam tais pessoas, que aquilo a que chamam a liberdade de escolha da escola, pode ser concretizado por medidas como por exemplo um voucher ou cheque-ensino. Para quem não sabe, o voucher ou cheque-ensino consiste num valor monetário atribuído a cada estudante, que o estado entregaria à escola escolhida por cada encarregado de educação, fosse essa escolha uma escola pública ou privada.
Nesse contexto, as escolas mais desejadas e populares teriam mais alunos e receberiam maiores quantias do estado. As escolas pouco queridas e um tanto ou quanto desengraçadas teriam menos alunos e, por consequência, menores verbas.
Em resultado de tal, as escolas que dispusessem de maiores verbas, poderiam posteriormente adquirir mais equipamentos e recursos didácticos, podendo também pagar melhor ao seu pessoal docente e não docente. Já as que tivessem menos verbas, nada disso poderiam fazer, ficariam empanadas pelo caminho e limitar-se-iam a tentar sobreviver. Tudo perfeito, como se percebe.
Contudo, com os vouchers ou cheques-ensino, também haveria esperança para as escolas com mais dificuldades. Segundo as crentes gentes que defende a liberdade de escolha da escola, a necessidade faz o engenho, por assim ser, as escolas mais desfavorecidas e com menores verbas, tudo iriam fazer para atrair mais alunos. Algo que faria com que procurassem soluções inovadoras para melhorar o seu desempenho.
Uma vez feito com sucesso esse trabalho, tornar-se-iam atrativas para miúdos e graúdos e haveria muito mais gente a ir lá depositar o voucher ou cheque-ensino, quiçá até multidões. Como se vê, é uma solução financeira para melhorar as escolas com problemas que é fácil, é barata e dá milhões.
Imaginemos a seguinte situação, está o casal Pinto e Sousa de Vasconcelos (nome ficcional) à mesa a degustar do seu repasto, quando o seu único rebento, o jovem Caetano Duarte Lourenço, de 12 anos de idade, diz assim:
- Senhor meu pai, tenho ouvido dizer que a escola do bairro social 1° de Maio (nome ficcional) tem atualmente um projeto educativo muito interessante e consistente. Diz que os docentes são muito esforçados e empenhados. Não quererá o papá considerar a hipótese de que eu a passe a frequentar no próximo ano letivo?
- Mas meu filho, queres então deixar o Colégio Santa Princesa Teresa (nome ficcional) que frequentas desde tenra idade e que por mim já foi frequentado, assim como pelos teus tios e primos, bem como por todos os nossos amigos e conhecidos?
- Quero sim papá. A tradição é importante, mas primeiro está a minha educação.
- Pois se assim o desejas, assim o será. Está decidido, não se fala mais nisso. Amanhã vou já passar o cheque-ensino em nome da escola básica do bairro social 1° de Maio.
- E a mamã não diz nada?
- Digo sim meu filho. Tu e o papá sabem o que é melhor para o teu futuro, a única coisa que quero saber, é se nessa escola vos ensinam a ser gente respeitadora e bem formada.
- Sim minha mãe, há a disciplina de opção EMR.
- EMR ? O que é isso, meu filho?
- Educação Moral e Religiosa.
- Se assim é, já vi que é boa gente. Ide então e sê feliz.
Como é bom de ver, nesta historieta não são só os nomes que são de ficção. Jamais tal situação sucederia no mundo real. Mas se assim é, porque nos querem fazer crer no contrário? Alguém acredita verdadeiramente que um sistema em que as escolas competem entre si para atrair alunos possa funcionar?
Nós temos a certeza que não, mas há quem nos queira fazer crer que tem a certeza que sim. Em certos locais dos Estados Unidos da América, a coisa já foi experimentada e abandonada, noutros continua mas sem grande sucesso. Abaixo um cartoon, que resume muito claramente o que sucedeu com os vouchers ou cheques-ensino.
Por vezes em Portugal estamos todos muito atentos ao que se passa no sistema educativo sueco, noutras vezes nada. Há uns meses, quando a Suécia anunciou que ia voltar aos manuais escolares em papel e abandonar os digitais, não houve órgão de comunicação social português que não desse a notícia e comentador que não a comentasse, todavia, a Suécia anunciou agora algo de muito mais vasto e decisivo, mas por cá passou praticamente despercebido.
Perguntará quem nos lê, mas que tão importante anúncio terá feito a Suécia? Anunciou que a friskolor foi um fracasso. Mas o que é a friskolor perguntarão os leitores. A friskolor é um sistema pelo qual as escolas privadas suecas funcionam com dinheiros públicos, ou seja, através de vouchers ou cheques-ensino.
Recentemente, a atual ministra da educação sueca, Lotta Edholm, admitiu que o estado financiar a liberdade de escolha das escolas, acabou por resultar num enorme desastre, prometendo uma mudança após mais de 30 anos com um sistema educativo baseado num modelo em que as empresas privadas acabaram por ficar encarregues de gerir a maior parte do ensino.
Há uns anos, em 2018, colocou-se a hipótese de implementar um sistema semelhante em França. Nessa ocasião, e após uma ampla investigação, o jornal francês Le Monde Diplomatique classificou a privatização do ensino sueco como um autêntico fiasco.
Constatou-se então, que a procura de lucros por parte das empresas privadas suecas que investiram na educação, se tinha largamente sobreposto ao sucesso dos alunos. Lucros em alta, resultados em baixa, foi a conclusão.
A credibilidade da investigação jornalística tornou claro para a opinião pública francesa e para a classe política, que a respeito de vouchers e cheques-ensino nada mais havia para discutir. O título da reportagem era “Au nom de la liberté de choix”.
A ministra sueca acusou igualmente as friskolor de inflacionarem as notas dos alunos de modo a apresentarem bons resultados, que de facto não existiam, e também de sistematicamente recorrerem à contratação de professores pouco qualificados, que por ganharem menos, lhes permitiam ter maiores lucros.
O falhanço sueco foi notícia em toda a comunicação social europeia, mas não em Portugal, porque será?
Curiosamente, em Portugal, o órgão de comunicação social que deu destaque ao fim anunciado das friskolor foi o Jornal Económico, publicação que tem como público preferencial os investidores, quadros de empresas e decisores empresariais.
Para além do Jornal Económico, o único outro órgão de comunicação social que deu algum eco do sucedido na Suécia foi a revista Visão. Não encontrámos nenhum vestígio que a notícia tenha sido dada pela RTP, pela SIC, pela TVI, pela TSF, pelo Expresso, pelo Diário de Notícias, pelo Público ou pelo Correio da Manhã. Nada. Zero.
O que isto inequivocamente nos diz, é que os vouchers e cheques-ensino não são um assunto que interesse à população em geral, mas sim a investidores, quadros de empresas e decisores empresariais. E com isto está tudo dito.
Terminamos deixando a notícia do Jornal Económico dedicando-a a todos os crentes na liberdade de escolhas das escolas, sejam estas públicas ou privadas:
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