Não é muito difícil encontrarmos milhares de artigos jornalísticos e de estudos académicos, que nos falem acerca da importância da inteligência emocional. Há mesmo muito quem defenda, que a gestão das emoções deveria ser parte integrante dos currículos escolares, e que a sua aprendizagem é tão importante para o futuro de crianças e jovens como aprender português ou matemática. A título de exemplo, aqui fica um breve artigo do jornal Público:
https://www.publico.pt/2023/08/21/p3/cronica/apostar-inteligencia-emocional-materia-escolar-2057321
Com efeito,
por todo o lado se fala agora de gestão emocional. Seja na vida pessoal,
profissional ou escolar, a questão da gestão das emoções parece estar na ordem
do dia. A preocupação com o estado emocional do pessoal é transversal a todas
as idades, indo desde os mais pequenitos até aos velhos.
Como é
evidente, quando usamos o termo “velhos”, estamos imediatamente a dar mostras
da nossa pouca inteligência emocional, pois a palavra que deveríamos ter usado
deveria ter sido ou seniores ou idosos, e jamais velhos.
Velhos é uma
palavra que pode magoar ou ofender os seniores ou idosos e que, por
consequência, nunca é usada por quem sabe gerir a suas emoções e as dos outros,
o mesmo é dizer, por quem é emocionalmente inteligente.
Nós nada temos contra que se faça a gestão das emoções, tanto na vida pessoal, como na escolar ou profissional, no entanto, já temos alguma coisa contra quando a esse propósito, começam a aparecer muitas prescrições proibitivas sobre o que devemos ser e o que se pode ou não dizer.
Aqui ficam dois exemplos de prescrições colhidos ao
acaso na internet. O primeiro, do site "Mundo Carreira" diz-nos que se queremos
ser emocionalmente inteligentes, há oito expressões que não podemos usar, entre
elas “Você parece cansada” e “boa sorte”. Mas há mais, é só ir ver:
Um segundo
exemplo consta no site "Empresas&Negócios" e indica-nos também algumas
frases, no caso sete, que nunca se devem dizer. Curiosamente nenhuma delas é
idêntica às das do site "Mundo Carreira", o que significa que só neste bocadinho
já temos quinze frases ou expressões para não se usar, ou seja, se as quisermos dizer, o melhor é estarmos calados, caso queiramos ser
emocionalmente inteligentes:
Quem abriu
os sites, há de ter verificado que estes, para além de nos indicarem frases e
expressões a não usar, indicam-nos também as respetivas alternativas, ou seja,
as corretas.
Todas essas
alternativas, no fundo são frases ou expressões neutras, com as quais, em
princípio, ninguém ficará ofendido, magoado ou melindrado se porventura as
ouvir.
O que isto
nos diz, é que para sermos emocionalmente inteligentes, o melhor é dizermos
sempre coisas neutras e nunca algo de particularmente relevante, pois o certo é
que se o dissermos, vai haver alguém que de nós discordará e que eventualmente,
se poderá sentir ofendido ou melindrado.
Não é
possível dizer qualquer coisa de relevante, se porventura estivermos a cada
segundo atentos ao que dizemos e se todas as expressões ou frases que usamos
tiverem de ser neutras. Ser agressivo ou ofensivo não fica bem a ninguém, mas
daí a ter que se ter mil e um cuidados na escolha de cada palavra, vai uma
grande distância.
Se de cada vez que abrirmos a boca tivermos de pensar muito bem no que vamos dizer, e fazer uma gestão emocional de todas as nossas palavras, falar em tais circunstâncias implicará estarmos sempre sob grande pressão, como que aflitos diante de um juiz.
A propósito
de inteligência e gestão emocional, uma coisa que talvez nem todos saibam, é
que a palavra emoção e a palavra motor são aparentadas,
etimologicamente ambas descendem do latim “motus”, que designava a condição de
se ser movido por algo. Nesse contexto, percebe-se que um motor é algo que nos
move, tal e qual como uma emoção também nos move.
Claro que o
movimento produzido por um motor é diferente do provocado por uma emoção. Por
exemplo, o motor de um avião faz-nos voar e mover no espaço, já uma emoção tem
como consequência fazer-nos mover interiormente. São movimentos distintos, está
claro, mas são sem dúvida movimentos.
Abaixo uma pintura de 1913 de Giacomo Balla, artista que se dedicou a investigar o movimento. É autor de numerosas pinturas que examinam o dinamismo do movimento nas suas diferentes formas.
Descartes na
sua obra de 1649 “As Paixões da Alma” enumerou seis “paixões primitivas”, ou
seja, aquelas que o autor considerava como sendo as principais emoções: a
admiração, o amor, o ódio, o desejo, a alegria e a tristeza. Descartes disse
também que as restantes emoções, mais não seriam do que uma combinação de
algumas destas com outras emoções acessórias.
Ao longo dos
séculos, muitos outros autores estudaram as emoções, sendo que a cólera, o
medo, a alegria, o prazer, a surpresa, a tristeza, a inveja ou o ciúme foram
consecutivamente promovidas e despromovidas a emoções principais ou
secundárias, conforme quem as estudava.
Mais
recentemente o leque de emoções fundamentais alargou-se para incluir também o
divertimento, o desprezo, o contentamento, o constrangimento, a excitação, a
culpa, a vergonha e o prazer, entre outras.
Em síntese,
há muitas discussões académicas acerca de quais serão as principais emoções e
quais não o serão, mas esse é um debate no qual não queremos entrar, primeiro
porque não temos competência técnica para tal, e segundo porque também não
temos paciência.
Não sabemos
se ter muita, pouca ou nenhuma paciência, também são estados de ânimo que podem
ser considerados emoções, sejam estas principais ou secundárias. O que na
verdade sabemos, é que talvez já não haja assim tantas emoções para gerir.
É certo que
agora como nunca, há depressões, perturbações e demais problemas de saúde
mental, mas isso não são de todo em todo emoções, muito embora possam ser estas,
uma das suas causas. Todavia, não há porque fazer confusão entre esse tipo de
problemas e as emoções. Poderão estar associados, mas são coisas distintas.
Recuperemos o sentido latino do termo “motus” e o parentesco entre as palavras motor e emoção. Nesse contexto, uma emoção é algo que nos move, sendo portanto quase o oposto de uma depressão ou perturbação, pois estas últimas, na maior parte dos casos, provocam-nos sim apatia, abatimento, isolamento e pouca vontade de nos movermos.
Mas por que razão afirmámos nós, que talvez já não haja assim tantas emoções? Precisamente porque uma emoção é algo que nos leva, nos transporta e nos move, no fundo, uma espécie de motor. Se bem que a podemos de algum modo conduzir, a verdade é que numa emoção há sempre algo que é absolutamente ingerível e que escapa à inteligência, seja esta do tipo emocional ou cognitivo.
Uma emoção
só é gerível e inteligível até um determinado ponto, para lá disso, no seu
fundo, há sempre qualquer coisa de indomável e selvagem, um monstro. A mais
importante lição que há para aprender relativamente às emoções, é exatamente
essa, a de que há algo nelas que nos move, um motor, independentemente da nossa vontade,
capacidade de gestão ou inteligência.
Por muito
que queiramos gerir e organizar as emoções, em última instância, acabamos
sempre por nos depararmos com uma inescapável contradição, ou seja, a de que há
um limite para além do qual não é possível ir.
Significa
isto, que a inteligência emocional e a consequente gestão das emoções, só podem
funcionar até um determinado ponto, a partir daí, a única forma de as gerir é
eliminando-as.
Até num
famoso livro infantil, “O Monstro das Cores”, isso pode ser visto. A história
que o livro nos conta é muito simples, existe um monstro que está confuso
porque sente simultaneamente em si diversas emoções distintas, a raiva,
representada pela cor vermelha, a tristeza, que é azul, o medo que é negro, a
calma que é verde e a alegria que é amarela.
Uma
rapariguita ajuda então o monstro a organizar-se e a arrumar cada cor/emoção no seu lugar. Tudo
corre pelo melhor, e cada uma é guardada num frasco diferente, conforme se vê
na imagem abaixo.
Como é evidente, a intenção pedagógica da autora, Anna Llenas, é a de que através da história as crianças aprendam a organizar as suas emoções, contudo, sendo essa a intenção explícita, a verdade é que, do que estamos a falar é de um monstro, ou seja, de um ser que só é gerível e dominável até um certo ponto.
O que o livro infantil “O Monstro das Cores” nos ensina, ainda que implicitamente, é que as emoções, mesmo as mais doces, têm em si qualquer coisa de monstruoso.
Negar a parte monstruosa de qualquer emoção, e tentar geri-la, só é possível anulando-a. Com isto voltamos à nossa questão, mas por qual razão afirmámos, que talvez já não haja assim tantas emoções?
Dissemo-lo
porque estamos em crer que muito daquilo a que se chama inteligência emocional
e gestão das emoções, pretende precisamente prescrever proibições: não se pode
dizer isto ou aquilo, não se pode sentir isto ou aquilo. E com isto, aniquilamos o monstro, e de caminho a emoção.
Com isto não
estamos a dizer, que em muitos casos a inteligência emocional e a gestão das
emoções não seja útil e benéfica, estamos sim a dizer que quando isso se faz
com prescrições e proibições, talvez já não o seja assim tanto.
Vamos
repetir-nos: a mais importante lição que há para aprender relativamente às
emoções, é a de que há algo nelas que nos move independentemente da nossa
vontade, capacidade de gestão ou inteligência. A esse algo podemos chamar um motor ou um monstro.
Se voltarmos novamente ao livro infantil “O Monstro das Cores” descobrimos que para além das emoções que antes já referirmos, na obra fala-se de uma outra, do amor.
Provavelmente,
o amor há de ser uma das emoções, em que é mais visível o facto de haver algo
que nos move independentemente da nossa vontade, capacidade de gestão ou
inteligência emocional ou cognitiva: um motor ou um monstro.
Se pensarmos na história de Romeu e Julieta, percebemos imediatamente que na situação em que ambos se encontravam, o arrumo racional das emoções haveria de ser muito difícil de se concretizar, na verdade, impossível.
Em
determinado momento da peça de Shakespeare diz-se assim: “Ensina-me a esquecer
de pensar”. Noutra passagem, diz-se também o seguinte: “Se o amor é cego,
melhor: está de acordo com a noite".
Ambas as passagens da peça, como muitas outras, demonstram-nos claramente que nem o mais competente cientista em inteligência emocional, mesmo que acompanhado pelo melhor “coaching” na sua gestão, conseguiriam chamar à razão Romeu e Julieta.
Imaginemos que nos tempos de Romeu e Julieta lhes aparecia alguém que lhes ensinava a gerir as suas emoções. Nisto, ambos aprendiam, e ia cada um à sua vida para não haver mais chatices, arrelias e problemas.
No fundo, o que Romeu e Julieta teriam aprendido era como anular as suas emoções. Talvez mais velhos olhassem para os seus devaneios de juventude com certo ar de troça e ironia.
A vantagem das gentes de hoje em dia, é que todos já parecem estar equipados com uma certa dose de ironia e de inteligência emocional que lhes permite gerir as emoções.
Imaginemos agora não os tempos de Romeu e Julieta, mas os atuais em que o galã diz à sua amada “You don't really love me", mas, ao invés de chorar amargamente, acrescenta "and I don't really mind". Como se fosse pouco, ainda chega a uma síntese da situação, "cause I don't love anybody, that stuff is just a waste of time”.
Bem diferente de Romeu e Julieta, não? São assim as gentes emocionalmente inteligentes.
Terminamos com a canção da qual foram retiradas estas palavras cuja ação se passa na cidade do amor: Paris e, como em qualquer história de encantar, tem sapos, príncipes e princesas.
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