Vêm aí mais uma série de provas de aferição em formato digital. À semelhança do que sucedeu em anteriores ocasiões, é provável que muitos pais e encarregados de educação deixem os seus filhos em casa, pois opõe-se às provas realizadas nesses moldes.
Fazem bem, pois que assim as suas crias podem aproveitar o dia para jogarem no computador ou no tablet e para pesquisarem as últimas novidades nos seus perfis das redes sociais. Serão certamente momentos bem passados para todas essas crianças e jovens.
Mudemos de assunto. Dantes, não sabemos se agora também, as mães nacionais diziam aos filhos que iam para a escola, e isto independentemente da idade deles e mesmo que já fossem maduros, agasalha-te bem que vais apanhar frio e ainda te constipas. Diziam-no durante a invernia, mas igualmente noutras estações do ano bastantes mais quentes.
Hoje em dia, para além das friagens, a maior aflição são as distopias. Há por cá o medo generalizado de que uma criança ou jovem vá à escola e venha de lá contaminado. Atualmente é preciso ter muito cuidado não só com as correntes de ar, mas estar-se igualmente atento ao risco dos petizes apanharem uma distopia.
É uma maçada para os pais portugueses se uma criança ou jovem fica distópico, pois tal aparenta ser uma maleita dificílima de se curar. Mas na verdade não o é, dizemos nós, pois descansando, tomando uns chás e uns caldos de galinha, qualquer criança ou jovem fica logo bem e recupera plenamente de uma trivial e banal virose distópica contraída na escola.
Nós cá por Portugal, é que ainda não estamos bem cientes da situação, mas lá por fora, já ninguém liga ao vírus da distopia, nem na escola, nem em lado nenhum. A rapaziada estrangeira anda toda distópica e contente da vida, seguindo em frente sem mais nem porquê.
Por exemplo, nos países anglo-saxónicos e não só, são montes as livrarias e editoras que recomendam aos seus mais novos leitores distopias. Há listas delas para crianças, para adolescentes e para jovens quase adultos. Há de tudo e para todos os gostos, é só mandar vir.
A realidade é que as distopias estão por todo lado, nas séries de TV, nos filmes, nas BD’s, nos livros de ficção científica, nos graffiti’s, nos jogos de computador e até nas histórias infantis.
Quem se recorda de em jovem ou criança ler inocentes coleções de livros como “Os Cinco”, “A Anita”, “Uma aventura…” ou mesmo o “Harry Potter”, não pode deixar de se admirar ao saber que presentemente em muitos países, uma das coleções infanto-juvenis de maior sucesso se intitula “The Last Kids on Earth”.
A história relata-nos a vida de Jack Sullivan, um rapaz de treze anos que se encontra sozinho num cenário distópico, num sítio pós-apocalíptico. Alimenta-se de “junk food”, passa o tempo em “vídeogames” e conjuntamente com uma rapaziada da mesma idade, formou um “gang” para combater zombies e monstros surgidos não se sabe bem donde.
Refira-se que toda esta história já foi adaptada para uma série de desenhos animados e também para jogos de computador, tendo essas adaptações tanto sucesso como os livros. Enfim, é capaz de ser uma coisa gira.
É fácil compreender o atual sucesso editorial das distopias entre crianças e jovens, e a despreocupação dos adultos relativamente a isso. Há duas causas para tal, a primeira é que está mais ou menos assente e assumido por toda a gente, que num futuro não muito longínquo, haverá frequentes secas extremas, rios descontrolados, furiosas tempestades, mares a subir, calores a potes e frios de rachar, e que por consequência disso, vai ser o caos.
Mas dito isto, o que na verdade faz o sucesso editorial das distopias, é a esperança de que se calhar não irá ser assim tão mau. É bem capaz de uma distopia de origem climática ser o equivalente de uma vulgar constipação. É uma coisa que incomoda, que chateia e maça, mas com uns chás quentes, com uns agasalhos e com uns caldos, a malta adapta-se.
A segunda causa para o sucesso desses livros, e é nessa que doravante nos vamos centrar, é o cada vez mais veloz avanço das tecnologias digitais. Há a vaga sensação, que certas tecnologias, como por exemplo a Inteligência Artificial, estão a ir demasiado longe nos seus progressos e a percorrer caminhos cujos resultados são imprevisíveis. Razões pelas quais, se teme que sejam uma séria ameaça para a humanidade, podendo inclusive arrastá-la em direção a uma futura distopia global.
Em qualquer dos casos, sente-se que não há nada a fazer, ou seja, que vai ser assim e pronto. Mas dito isto, a verdade é que cada vez há mais sites, mais redes sociais, realidades virtuais e plataformas digitais e, assim sendo, se o futuro porventura for distópico, pelo menos entretimento não há de faltar.
A conclusão a retirar de tudo isto, é que lá por fora, no estrangeiro mais avançado, tirando uns quantos ativistas teimosos e outros tantos especialistas carrancudos, ninguém mais se preocupa com o futuro de crianças e jovens e com potenciais distopias resultantes do excesso de tecnologia digitais na escola ou fora dela. A Suécia parece ser a excepção e por isso fez títulos de notícias e passou nos telejornais.
Mas sendo esta situação por outros lados do mundo, como será por cá, pelo nosso Portugal. Dir-se-ia que tirando a literatura, pois por aqui a juventude não lê muito e ainda menos livros, a situação é igual.
Com efeito, a despreocupação com futuras distopias é total. Desde a mais tenra idade, toda a gente oferece alegremente smartphones, tablets e outros dispositivos eletrónicos à pequenada, não tendo em consideração quaisquer eventuais efeitos nefastos que daí possam advir para os próprios e para a comunidade.
Até há uns tempos, também nas escolas todos reclamavam por mais computadores, por utópicas salas de aulas do futuro e por tudo o mais que fosse digital. Não existia praticamente ninguém que pusesse em causa que a tecnologia digital era o único caminho em direção ao futuro.
Subitamente, em tempos bem recentes, as tecnologias digitais tornaram-se motivo para largas preocupações. Docentes e encarregados de educação têm neste momento muitas dúvidas sobre os benefícios educativos de tais tecnologias, sendo crescente o número de receios acerca dos riscos e perigos que estas representam para crianças e jovens e também para o futuro da humanidade.
O estranho é que em Portugal nunca ninguém se preocupou com o excesso de tecnologias nem com as distopias que disso pudessem resultar, mas de repente, nos últimos tempos, anda tudo alarmado.
Na Suécia o assunto foi objeto de estudo ao longo de vários anos e retiraram-se conclusões, por cá leram-se umas notícias, ouviu-se dizer nos telejornais e imediatamente se formaram convictas certezas.
Existe agora o nítido temor, de que prosseguindo a nação por esse caminho na área da educação, não estejamos a construir uma futura sociedade de gente feliz e saudável, mas sim o seu exato oposto, ou seja, que estejamos a contribuir para amargos amanhãs distópicos.
Em boa verdade, nós não temos nem competência nem saber para opinarmos com propriedade sobre o uso das tecnologias nas escolas, conseguimos vislumbrar riscos e benefícios, mas tão-somente isso, consequentemente, não temos opiniões definitivas sobre o assunto.
Não acreditamos em beatices tecnológicas, como os que veem no aparecimento do digital uma nova vinda do Messias à Terra, mas também não cremos que por causa da Inteligência Artificial estejamos à beira do apocalipse. Em síntese, estamos atentos mas não andamos angustiados com umas meras maquinetas, o nosso lema é “let’s take it nice and easy”.
Ainda assim, estranhamos tanta preocupação com o digital em território nacional. Ora bem, se toda a gente oferece alegremente smartphones à pequenada desde a mais tenra idade, que coerência há de em seguida se levantarem múltiplas vozes preocupadas com o uso excessivo dos telemóveis e outros dispositivos nas escolas?
Vamos lá ver uma coisa, crianças e jovens passam vastas horas nos seus lares diante de écrans eletrónicos, e depois diz-se que o excesso de uso de telemóveis na escola compromete o futuro da juventude? Então e o seu uso em casa, não compromete nada? É só na escola? Fica a interrogação.
Dantes, quando ainda não havia smartphones nem computadores e as mães diziam aos filhos agasalha-te bem que vais apanhar frio e te constipas, nesses tempos antigos, os poetas escreviam sobre coisas eternas, como por exemplo, a maternidade.
Escreviam-nas destacando momentos ternos, como quando ao adormecer as mães embalavam as suas crianças com canções. No presente, os poetas escrevem sobre os mesmos exatos temas do passado, só que de um modo distinto, talvez a adivinharem futuras distopias.
Posto isto, terminamos com poesia contemporânea, com dois excertos de poemas. O primeiro excerto é de Inês Lourenço e fala-nos de crianças:
Canção de embalar é talvez
demasiado melódico e além disso
um desuso. Já ninguém canta a adormecer
os filhos. Coisa imprópria para o crescimento
de criaturas autónomas
e hiper-activas que devem fugir
ao sedentarismo e à obesidade.
O Canal Panda faz isso muito melhor
ou qualquer brinquedo mecânico e perfeito.
O segundo também é de Inês Lourenço e fala-nos de jovens:
As raparigas da Foz há muito que deixaram
de enlaçar bilros sobre as almofadas.
Já não imitam nos meandros da renda o desenho
das ondas. Nem esperam, rodeadas de filhos pequenos
o regresso do seu modesto ulisses. Hoje
trabalham na pizzaria ou servem pregos e finos
na esplanada. Com um pouco de sorte fazem
um Curso de Gestão ou de outras ciências
ocultas para gáudio das famílias que as vai
ver desfilar no Cortejo da Queima e noutras
praxes saloias que a turba não dispensa.
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