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On the road (9): a América é feliz em Paris



Há uma Estátua da Liberdade em Paris, situa-se na L’Île aux Cygnes junto à Pont de Grenelle. Nesta nossa nona viagem pela América vamos passear a França, e mais especificamente a Paris.

Se há algo que é uma constante na cultura americana, esse algo é Paris. Desde há muito que os mais cultos e inteligentes americanos viram na capital gaulesa a sua Meca, ou seja, o lugar onde seriam acarinhados e compreendidos por todos e ao qual sentiam estar destinados.


A melhor maneira de iniciarmos este passeio é mesmo com o filme “Um Americano em Paris”. A realização é de Vicent Minelli, a música é de George Gershwin e a dança é de Gene Kelly. Dificilmente se conseguiria reunir três tão grandes e diferentes talentos numa só película, mas o facto é que se o fez, e assim sendo, aqui fica um dos mais divertidos momentos das grandes comédias musicais norte-americanas:


A quantidade de artistas, escritores e músicos americanos que em algum momento das suas vidas decidiram rumar a Paris e deixar o seu país é verdadeiramente assombroso. Entre eles, um dos mais famosos, é Ernest Hemingway, que no seu romance “Paris é uma festa”, descreveu amplamente toda a existência boémia e plena de alegria que por esses dias idos, os americanos levavam pelo Quartier Latin e pelos bairros de Montmarte e Montparnasse.

As primeiras linhas do romance de Hemingway rezam assim: “If you are lucky enough to have lived in Paris as a young man, then wherever you go for the rest of your life, it stays with you, for Paris is a moveable feast.”

Nessa mesma época, vivia em Paris a norte-americana cançonetista Joséphine Baker, sendo que por todo o lado se cantarolava o maior sucessos desses tempos, “J'ai deux amours, Mon pays et Paris”.


Quem também por lá andava era o escritor F. Scott Fitzgerald, que escreveu um conto que uns bons anos mais tarde inspiraria o filme “A Última vez que vi Paris”. Após o final da Segunda Guerra Mundial, um escritor americano, Charles, vive um escaldante romance com uma rica americana em Paris, Helen. Anos depois ele regressa à cidade e relembra os momentos marcantes dessa antiga paixão.

Charles recorda que trabalhava como jornalista e que, tendo-se apaixonado por Helen, pouco tempo depois estavam casados. Ele recebia um pequeno salário e dedicava as suas noites a escrever um romance, que foi rejeitado por várias editoras. Quando ele já tinha perdido todo o ânimo, surge uma surpreendente noticia, o seu sogro tinha-lhe deixado em herança uns quantos poços de petróleo no Texas.

A súbita riqueza fez com que Charles perdesse as suas ambições literárias e também o amor e devoção pela sua esposa, Helen. A partir daí ele e ela vão de festa em festa e sem destino certo. Pelo meio há uma loura e surge também um jogador de ténis. No fim, “It all end in tears”.
Ao reviver os seus tempos de Paris, Charles bem que podia dizer “Éramos felizes e não o sabíamos”. Aqui fica o trailer:


Quem também só foi feliz em Paris, foi Humphrey Bogart em “Casablanca”. Bogart interpreta Rick, que encontra Ilsa, interpretada por Ingrid Bergman. Vivem felizes percorrendo os boulevards e comendo em pequenos cafés. Até que um dia surge a ameaça nazi, e Rick tem que fugir e deixar Paris.

Combinam partir na manhã seguinte, porém, Ilsa não aparece à hora combinada. No cais Rick hesita, vai ou fica? Sabe que se ficar, o mais certo é ser preso e deportado, acaba por partir, só. Tempos mais tarde, por um acaso, reencontram-se em Casablanca, em Marrocos. Rick é dono de um night-club, Ilsa é casada com importante militante e combatente anti-nazi.

Entre o dever e o amor ambos oscilam, acabando a escolha por recair no dever. Serve-lhes de consolo, o que repetem um ao outro: “We'll Always Have Paris".


Um outro americano que veio para Paris e aí foi feliz, foi o fotógrafo, artista e surrealista Man Ray, que nasceu em 1890 em Filadélfia, numa família de imigrantes russos de ascendência judaica.

Depois de fazer vida em Nova Iorque, no início da década de vinte já estava em Paris, cidade onde o surrealismo foi oficialmente fundado em 1924. Man Ray fez parte do restrito grupo inicial, que incluía gente tão importante como André Breton, Hans Arp, Salvador Dali ou Max Ernst.

Man Ray foi o primeiro fotógrafo surrealista, e em Paris inventou algumas das suas mais belas fotografias, como esta abaixo, cujo título é “Noire et Blanche”, e que foi publicada pela primeira vez na revista Vogue.

A modelo da fotografia acima é Kiki de Montparnasse, que durante uns tempos foi a rainha das noites de Paris e amante de Man Ray.

Em 14 de maio de 2022, uma impressão original de uma outra famosa foto de Man Ray com Kiki, foi arrematada num leilão por 12,4 milhões de dólares, tornando-se assim a mais cara fotografia da história.

“Le Violon d’Ingres” é uma fotografia do tempo em que Man Ray e Kiki andavam felizes e contentes por Paris, muitos anos antes do artista surrealista ter de sair para sempre da capital francesa e voltar para a América.


Por estes dias em Lisboa há duas exposições de dois grandes fotógrafos norte-americanos. Uma delas é de William Klein (Nova Iorque, 1926 – Paris, 2022), um dos maiores clássicos de sempre. Está no MAAT.

Como outros antes deles, também William Klein foi um americano feliz em Paris. Abaixo uma imagem de Klein intitulada “Simone + Marines, Pont Alexandre III, Paris” de 1960.


A segunda exposição de fotografia norte-americana atualmente em Lisboa é de Nam Goldin, que nasceu em Washigton DC em 1953, e cuja obra, The Ballad of Sexual Dependency, a tornou conhecida por todo mundo. A exposição está no CCB.

Nan Goldin nasceu e cresceu numa família judia e a partir de meados dos anos 80, à época em que surgiu a SIDA, começou a fotografar a sub-cultura nova-iorquina e os seus membros, amores e excessos. Mais tarde, andou por Paris, onde fez o mesmo. Aqui ficam algumas imagens desses tempos.
E com isto terminamos, com um poeta contemporâneo da América, Don George:

You are going to America
to a land you called home.
You are leaving Paris behind
— the old streets you wandered
as the sun washed the oranges and peaches
and the onions, and the lettuce spilled over the street
where the villagers bellied and prattled and squalled;
the cheap café on Rue de Rivoli!…

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