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Os amores de um polvo


Há muito quem se queixe e lamente da sua vida amorosa, ou então, a respeito da falta dela. 
Com efeito, hoje em dia serão bastantes os que estarão em tal triste condição, isto a avaliar pela imensa quantidade de gente que atualmente escreve livros, tem programas de rádio e televisão ou sites na internet, cuja única função é fornecer conselhos à população em geral, acerca do modo como ficar melhor de amores.

Não é por nada, mas nós, ou seja, quem por aqui vos escreve, andamos cá desconfiados que todos esses conselhos não são lá grande coisa. Pior do que isso, estamos mesmo em crer, que são bem capazes até de serem nocivos. Mas já lá vamos a isso.

De um modo perfeitamente aleatório, fizemos uma pesquisa na internet relativa a livros de auto-ajuda sobre o amor, abrimos o primeiro site que nos surgiu pela frente, o qual sugeria as sete melhores obras sobre esse assunto.
Vejamos os títulos e autores escolhidos pelo dito site: “Manual do Amor Próprio” de Mica Rocha / “Amor Próprio” de Marinalva Callegario / “Seja o amor da sua vida” de Guilherme Pinto / “Não se humilha, não” de Isabela Freitas / “Autoestima blindada” de William Sanches / “Você é insubstituível” de Augusto Cury / “O Milagre do Amanhã, o segredo para transformar a sua vida antes das 8 horas” de Hal Elrod.


O que imediatamente nos despertou a atenção nos diversos títulos dos livros, é que praticamente todos eles aconselham os seus leitores a amarem-se mais a si próprios.
Lendo as breves resenhas de cada um dos livros, descobrimos que os conselhos para se ficar melhor de amores, no fundo, resumem-se todos muito rapidamente da seguinte forma: “Estás mal de amores pois ninguém gosta de ti. Tens conversas interessantes, fazes umas piadas e sabes das últimas novidades, mas nem assim. Esforças-te, tomas banho, vestes uma roupinha lavada, penteias-te e tudo, mas nem dessa forma te ligam pívía. A solução é simples e está na tua mão, ama-te tu mais a ti mesmo e vais ver que ficas com a autoestima em cima, lá bem no alto, todo contente e feliz para o resto da vida.”

Nós não queremos desiludir ninguém, mas desde já vos dizemos, que tais conselhos e demais deste tipo, não vão resultar. O fiasco é garantido. Provavelmente, é precisamente pelo facto de já vos preocupardes demasiado convosco mesmo, é que ninguém gosta de vós. Nesse contexto, se seguirem esses conselhos de auto-ajuda e ainda começarem a centrar-se mais em vós próprios, os vossos problemas amorosos não só não desaparecerão, como até terão tendência para se agravarem.

Mas nada temeis nem desespereis, pois que nós estamos aqui para vos dar bons conselhos, ou seja, daqueles sérios, práticos e eficazes. É justamente por essa razão, que vos vimos hoje falar dos amores de um polvo.


Quem porventura pense que as suas vivências românticas e problemas daí resultantes são coisas difíceis e complexas, que faça a comparação com as de um polvo, e fica logo a perceber que se atormenta à toa. A vida amorosa de um polvo, essa sim, é que não é mesmo nada fácil.

Só para começo de conversa, ficam já a saber que uma relação sexual entre polvos dura vários dias, isto sem que haja qualquer pausa para descanso ou intervalo para se ir petiscar, preparar um lanche ou fumar um cigarro. Em resumo, é tudo de seguida, noite e dia sem folga ou alívio.

Mas as complicações não se ficam por aqui, pois após acasalarem, tanto os machos como as fêmeas, entram num jejum total, que inevitavelmente os conduz à sua própria morte. Mais do que isso, os polvos automutilam-se, danificam a sua pele esfregando-se em pedras ou no fundo do mar e utilizam as ventosas para criar lesões em si mesmos, chegando até a comerem as extremidades dos seus tentáculos.

Aqui chegados, já todos os que sofrem imensamente com a sua vida amorosa, terão dado graças a Deus por, sejam quais forem as suas mágoas e tormentos, não serem certamente equivalentes às do pobre molusco de oito braços. Assim sendo, o nosso conselho é o de que, independentemente das peculiaridades das vossas angústias sentimentais, o melhor que têm a fazer é contraporem-nas às do polvo, para desse modo as relativizarem e perceberem que, feitas as contas, ao fim ao cabo não são particularmente relevantes.


Já agora, ficam também a saber que um polvo tem nove cérebros. Imaginem lá então, como se sentirá o animal, quando num momento íntimo lhe fazem aquela clássica pergunta: “Em que é que estás a pensar?”

Se tal questão já é de difícil resposta tendo-se só um cérebro, tendo-se nove, há de ser de se desesperar. Com tantos cérebros, o polvo tem de estar hiper-concentrado para perante a pergunta “Em que é que estás a pensar”, inadvertidamente não lhe sair pela boca fora, que numa das suas muitas mentes, fantasiava sonhadoramente com uma bela e elegante lula.

Como é evidente, um polvo diante da questão “Em que é que estás a pensar” não pode responder com a frase habitual para essas circunstâncias, a saber, “Não estava a pensar em nada”.
Se respondesse desse modo arranjava sarilhos, pois certamente que lhe retorquiriam o seguinte: “Como assim, não estavas a pensar em nada? Tens nove cérebros e não estavas a pensar em nada? Queres tanto cérebro para quê? Para não pensares em nada? Trafulha! Aldrabão!”

Os polvos experientes que já estão talhados neste tipo de situações, sabem evitar esse tipo de conflitos e, ao invés de responderem “Não estava a pensar em nada”, respondem antes que pensavam em como são fascinantes e harmoniosos os cavalos marinhos que atravessam os mares, e em como é bonito estarem ali tranquilos a vê-los passar.


Contamos que os nossos leitores tenham também retido a lição acima a propósito dos nove cérebros do polvo, ou seja, que mesmo tendo só um cérebro, devem sempre ocupá-lo com pensamentos de seres fascinantes e harmoniosos, tipo cavalos marinhos, e jamais com belas e elegantes lulas.

Aproveitem também este justo conselho, que é de certeza bastante mais útil, do que aqueles que lerão nos livros de auto-ajuda.

Mas a saga amorosa dos polvos não termina por aqui, então não é que os bichos têm três corações! Já se adivinham as contrariedades que isto traz. Se por acaso o polvo diz “O meu coração é só teu”, o mais certo é que lhe respondam “Pois sim. Pois sim. Mas então e os outros dois? Esses são de quem?”

Coitado do polvo, perante tantas complicações, problemas e atrapalhações, não seria de estranhar que o bicho fosse dado a problemas cardíacos. Dito isto, os nossos leitores que eventualmente se queixem e lamentem da sua vida amorosa, mais uma vez, façam o favor de se compararem com o polvo. Hão de certamente reconhecer, que diante da vida sentimental do molusco, afinal as vossas adversidades não serão assim tão complexas e complicadas, como eventualmente criam que eram.


O cartaz acima anuncia um filme de Jean Painlevé (1902-1989), intitulado “Les amours de la pieuvre”. O cineasta era um documentarista, mas não um como os outros, pois o seu mote era ciência é ficção.

Tal mote não significa que negasse o valor das verdades científicas, nada disso. Significa sim que as ficcionava, como ele próprio dizia, o seu objetivo era ““Instruire et plaire”, ou seja, instruir e divertir.

Acerca do seu filme “Les amours de la pieuvre” afirmou o que se segue: “O polvo que luta, copula, dança ou morre, quase como se reproduzisse metaforicamente o ciclo de vida de qualquer ser humano, permite ao espectador uma maior aderência e familiaridade ao assunto tratado, cuja tomada de consciência é favorecida pela imediata personificação do molusco e da Natureza à qual todos os seres devem submeter-se e sucumbir.”

Jean Painlevé dedicou a sua vida a filmar e a fotografar os amores e danças que se dão no fundo do mar. Não se limitou aos polvos, mas também filmou medusas, cavalos marinhos e muitos outros seres aquáticos. Tudo isso se pode agora ver numa exposição patente na Culturgest em Lisboa.

Terminamos aconselhando a todos que lá vão fazer uma visita, sobretudo aos que se lamentam e queixam da sua vida amorosa, ou quiçá da falta dela. Vão ver, que hão de perceber, que em todo o lado há estranhos encontros e que mesmo os mais diferentes seres podem conviver em conjunto, não havendo razão absolutamente nenhuma para andarem por aí a lerem livros de auto-ajuda e coisas desse género.

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