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A matemática é uma religião e uma arte!



Há quem diga que é de matemática e de ciências, com isso querendo dizer, que não é de artes e letras. Todavia, a separação existente entre as chamadas humanidades e as ciências ditas exactas, não é uma coisa de sempre. Em boa verdade, é tão-somente um artifício útil e prático para dividir os currículos escolares e universitários, pois que todas as formas de conhecimento têm a mesma origem, ou seja, o prazer de aprender e o amor ao saber.

 

O termo “Matemática” tem origem na palavra grega “máthema”, que significava aprendizagem, dela derivou o adjectivo “mathematikós”, que designava quem dedicava o seu tempo a aprender e nisso tinha gosto e prazer.

 

Pitágoras nasceu por volta de 569 a.C. em Samos, uma ilha grega situada no mar Egeu. Os historiadores atribuem a Pitágoras não só a criação do termo matemática, como igualmente o da palavra filosofia, vocábulo que agrega em si “filo” (amante/amigo) e “sofia” (sabedoria).

 

Assim sendo, na Grécia antiga, matemáticos era aqueles que se deleitavam com a aprendizagem e a isso se dedicavam, e filósofos eram os amigos ou amantes da sabedoria. Pitágoras era ambas as coisas, ou seja, matemático e filósofo.

 


A dada altura da sua vida, por volta dos 40 anos de idade, Pitágoras fundou uma irmandade monástica de cariz religioso, que chegou a ter numerosos membros, e que com o tempo se estendeu por diversos locais e cidades da velha Grécia.

Os pitagóricos faziam vida em comum, e tal como monges, estavam sujeitos a rigorosos votos, que incluíam por exemplo, o sigilo e o silêncio. Nada do que lhes era ensinado no interior da sua comunidade, podia ser revelado fora dela.

 

Os pitagóricos regiam-se por uma extrema frugalidade sexual e repudiavam os bens terrenos e mundanos. Eram vegetarianos e, para eles, a matemática era mais do que uma ciência, era sobretudo uma religião e uma forma de vida. Deus manifestava-se nas leis e regras matemáticas que tudo governam, e as relações numéricas eram tidas pelos pitagóricos como símbolos vivos da existência divina.

 

A escola pitagórica da antiga Grécia baseava-se no estudo conjunto de quatro vertentes, a aritmética (o estudo dos números), a geometria (o estudo das figuras e suas medidas), a música (a doutrina da harmonia ou teoria musical) e a astronomia (o estudo da estrutura do universo).

 

Pitágoras terá sido o primeiro a conceber a teoria de que a Terra era redonda. Aqui o vemos à esquerda na pintura abaixo, da autoria de Pierre-Narcisse Guerin, com o globo na mão a defender essa sua inovadora tese.

 


O principal mote dos pitagóricos, era o dito “Tudo são números”. Não lhes interessava tanto os números como ferramentas úteis para a vida quotidiana, para contar e quantificar, mas sim como uma abstracção, ou seja, uma ideia que identificavam com a essência de tudo e do todo.

 

O cosmos era constituído por números e os seus segredos e mistérios podiam ser desvendados através do estudo das classes numéricas e das relações existentes entre estas. Os pitagóricos baseavam as suas crenças religiosas nas propriedades aritméticas dos números e classificavam-nos numa variedade de tipos: pares e ímpares, perfeitos, amigos, primos, compostos, lineares, planos, deficientes, abundantes, triangulares, e por aí adiante.

 

Pitágoras terá também descoberto que existia uma íntima ligação entre a aritmética e a geometria, descobrindo ainda um igual vínculo entre a música e os números. Crente de que os números eram a medida de todas as coisas, pressupôs que as distâncias entre as estrelas, os planetas e a Terra correspondiam a uma proporção musical, e que os corpos celestes produziam sons harmónicos ao deslocarem-se pelo espaço sideral. Partindo desse pressuposto, concebeu aquilo a que chamou a harmonia das esferas.

 


Aristóteles escreveu o seguinte, a propósito dos pitagóricos: “Uma vez que eles descobriram, que as modificações e as relações da escala musical se podiam expressar em números, e visto que tudo na natureza também parecia ser modelado por números, concluíram que os números eram a matéria primordial de todo o universo. Assumiram que todas as coisas existentes e os céus inteiros eram uma escala musical e um número.”

 

A ideia de Pitágoras era a de que o universo era regido por uma melodia celestial, que consistia numa divina harmonia musical e matemática. Tendo verificado a existência de sete notas na escala musical, associou-as a sete astros, mais concretamente, àqueles que à época eram considerados como sendo os mais importantes.

 

Calculou que o movimento conjunto desses astros tivesse a mesma relação numérica entre os seus diversos elementos, que a existente entre as notas da escala musical. Identificou Saturno com a nota si, Júpiter com o dó, Marte com ré, o Sol com mi, Mercúrio com fá, Vénus com sol e a Lua com lá. Uma oitava nota resultava da totalidade dos sons gerados pelo movimento de todas as esferas celestes.

 

Todavia, a sua teoria não implicava que a harmonia da música celeste pudesse ser escutada pelos ouvidos humanos, pois era uma ideia abstracta, apenas perceptível pelo intelecto. Não obstante isso, para Pitágoras, a harmonia das esferas era o mais profundo mistério do universo.

 

Assim como em todas as religiões, quer nas passadas, quer nas presentes, há rezas, missas, liturgias e demais rituais, também os pitagóricos tinham as suas práticas e costumes canónicos, só que, no caso deles, estes eram baseados em algoritmos, raciocínios matemáticos, teoremas e equações. Os números são paradigmas dos princípios divinos.

 

Porém, para além de tudo isso, o objectivo dos pitagóricos era também que as suas vidas fossem puras, para tal confiavam no ascetismo e na abstracção matemática. No fundo, aspiravam a que os seus corpos e mentes fossem tão harmoniosos como era o universo.

 

Os pitagóricos criam que todo o cosmos era regido por uma harmonia idêntica à das relações numéricas, era essa a música que pressentiam existir desde o ponto mais longínquo do cosmos, até ao local mais íntimo das suas almas.

 

Na imagem abaixo, uma pintura de Fyodor Bronnikov, vemos nela como os pitagóricos celebram a aurora, numa cerimónia religiosa onde se consagra simultaneamente a harmonia da matemática, da música, da natureza terrestre e do restante universo, assim como a da alma humana.



 

Filolau (470 a.C-385 a.C.) foi um dos mais destacados membros da escola pitagórica. Conservam-se fragmentos de um livro que ele escreveu, num deles diz-se assim: “…o poder do Número está presente em todos os trabalhos, em todos os pensamentos humanos, em todos os lugares, e certamente e ainda, nas obras de arte e na música”.

 

Num outro fragmento que resistiu ao tempo, Filolau afirma o seguinte: “E todas as coisas que podemos conhecer contêm o Número, pois sem ele nada pode ser concebido nem conhecido.”

 

Abaixo uma gravura medieval retratando Pitágoras e Filolau conduzindo as suas investigações matemáticas e musicais.

 


Filolau acreditava que a alma entrava no corpo através de um número. Por assim ser, e por tudo o mais que acima dissemos, para os seus fundadores gregos, a matemática era uma ciência exacta e rigorosa, mas igualmente algo místico, musical e natural, que todas as almas albergavam desde o seu primeiro momento de existência.

 

Dito isto, a conclusão é óbvia e só pode ser uma: não há quem seja de matemática e ciências, nem quem seja de artes e letras, todos nós somos de tudo. Provavelmente, a única diferença, é que os que dizem ser de ciências exactas, têm uma predisposição para se concentrarem mais nos cálculos, nos raciocínios que explicam e justificam as coisas, enquanto os que dizem ser da área das humanidades, detém-se com mais intensidade na musicalidade e misticismo de tudo o que existe.

 

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