Quando em 1959 o Metropolitano de Lisboa inaugurou, Alexandre O'Neill, o genial poeta e publicitário, propôs que na campanha de promoção da rede de transportes subterrâneos da capital, se usasse o slogan "Vá de Metro Satanás".
A frase foi recusada pela administração do metropolitano, o que, a nosso ver, foi pena. Vade Retro Satana é uma fórmula medieval de exorcismo, que significa “Afasta-te Satanás” ou “Vai para trás Satanás”. Abaixo um mosaico com esse ancestral dito na Basílica de Notre-Dame de Fourvière em Lyon.
Se reparem no mosaico na imagem acima, verificarão que o seu desenho é ornamentado através de padrões e estilizações geométricas. Se repararem nas estações do Metro de Lisboa, verão que há azulejos com padrões geométricos por toda a parte. Veja-se por exemplo, este painel abaixo de Maria Keil, que pode ser encontrado na Estação dos Anjos:
Não muito longe dos Anjos, mais concretamente na Estação do Intendente, temos o que no catálogo da exposição “Maria Keil-Azulejos”, realizada no Museu Nacional do Azulejo em 1989, se classifica como “Uma obra-prima do azulejo contemporâneo”.
Os padrões geométricos sempre tiveram significados simbólicos, sendo que há figuras e sólidos, que desde a antiguidade clássica são identificados com certas características espirituais.
Por exemplo, o triângulo simboliza um nível superior de consciência, representa o equilíbrio, pois é a mais equilibrada de todas as formas sagradas. Cada lado do triângulo apoia-se no outro, sendo assim uma imagem de harmonia do todo.
O cubo é considerado como a mais estável de todas as formas sagradas. É uma forma cuja base assenta na terra, estando profundamente associada a elementos terrenos. Os cubos simbolizam raízes fortes e firmes, e também que temos os pés postos num solo fértil e saudável. Um terceiro exemplo, a esfera, representa a plenitude perfeita, essa que só é alcançada quando tudo está alinhado e sintonizado, o princípio e o fim se tocam, e há um ciclo que se conclui e completa.
Abaixo uma imagem com pormenores dos padrões abstractos geométricos, concebidos por Maria Keil para as estações de Picoas, Intendente e Parque.
Todas as culturas e civilizações, desde Oriente a Ocidente, desde o continente africano ao americano, desde os tempos antigos aos contemporâneos, utilizaram padrões geométricos, tanto para alindarem modestos objetos do dia a dia, como para ornamentarem grandiosos templos ou magníficos palácios.
Os padrões geométricos estão presentes na história da humanidade desde os primeiros tempos. Em certo sentido, a sensação de regularidade e continuidade que nos dão, conforta-nos. Aos contemplá-los sabemos que à noite se segue o dia, que após o inverno uma outra primavera virá, que os rios correm para o mar, que em cada Natal as famílias se juntam e que outros depois de nós virão e nos continuarão, assim como nós somos a continuação dos que nos precederam.
Se observarmos a gravura abaixo de 1514 e da autoria de Albrecht Dürer, verificaremos que a personagem feminina está rodeada de objetos e elementos ligados às artes, à matemática e à geometria. Dir-se-ia que a sua melancolia advém de ela não conseguir vislumbrar um sentido e uma ordem no mundo, o mesmo é dizer, de não lograr ver regularidade e continuidade.
Se a sensação de impermanência e incerteza nos deixa melancólicos, outro tanto sucede com a sensação de contínua repetição sem que haja a mínima alteração ou variação. Quando tudo se repete sem a menor modificação, um dia se segue ao outro sem que nada de distinto aconteça e os anos se sucedem sempre idênticos, a monotonia e o tédio tomam contam de nós, e rapidamente caímos num estado de melancolia.
Pela mesma ordem de ideias, também os padrões geométricos que se limitam a repetir a(s) mesma(s) figura(s) sem que nada de díspar se apresente, nos acabam por entediar e maçar, pois neles não vemos um sentido ou um caminho, mas tão-somente a contínua repetição do mesmo.
Em síntese, por um lado, os padrões geométricos confortam-nos porque nos dão uma sensação de regularidade e continuidade, por outro lado, só quando neles existe algo de díspar e diferente, é que sentimos que há um sentido e um caminho, e não uma mera repetição mecânica do mesmo.
Ao olharmos para certos pormenores dos azulejos das estações de metro do Rossio, da Praça de Espanha, do Marquês de Pombal e dos Anjos, constatamos imediatamente que os padrões geométricos desenhados por Maria Keil não se limitam a repetir de modo idêntico o mesmo motivo, mas que têm vida, ou seja, caminham, variam, alteram-se e como que continuamente se renovam.
O Banho do Diabo era a expressão que se usava para designar a melancolia na Idade Média. Nesses tempos antigos, a melancolia era vista como um pecado capital, um grave “vício do espírito”, um enfado do coração em que o desânimo, a passividade, o vazio espiritual e o desespero se combinavam, levando-nos a ceder à tentação de nos deixarmos hipnotizar pelo fascínio paralisante, que os monstros interiores exercem sobre a nossa mente.
Mais do que fogo ou outras torturas, o pior castigo que o inferno nos promete, é o de um tempo em que tudo se repete contínua e eternamente de um modo idêntico. Nas trevas onde reina o diabo, um dia segue-se ao outro sem que nada de distinto aconteça e os anos sucedem-se inalterados para todo o sempre. No inferno não há um sentido ou um caminho, existe exclusivamente a reiteração do constante e do inalterável.
Na Idade Média o estado melancólico era visto como sendo uma espécie antecipação do que seria o inferno, ou seja, de um tempo do qual nada se espera, onde não há fé, nem crença, mas tão-só desânimo e passividade, e uma permanente reincidência do igual.
Imagine-se um padrão em que tudo se repete de modo idêntico numa sequência sem fim, tal poderia na verdade ser uma imagem antecipatória do inferno. Pensemos nas imagens do fotógrafo alemão Andreas Gursky, como por exemplo, nesta abaixo:
Nas fotografias de Andreas Gursky o mundo contemporâneo aparece-nos retratado de modo a que vejamos padrões. No entanto, as suas imagens levantam-nos uma dúvida, será que ao vê-las experimentamos uma sensação de conforto resultante da regularidade e continuidade, ou sentimos antes uma certa inquietação por tudo nos parecer artificial, descomunal e excessivamente padronizado? Aqui fica mais uma, para nos ajudar a pensar:
Mais que uma inquietação, diríamos que é quase impossível olharmos para as fotografias de Andreas Gursky e não experimentarmos uma vaga melancolia. Se compararmos os simpáticos padrões geométricos dos azulejos de Maria Keil com o mundo padronizado retratado por Gursky, na verdade, quase que sentimos frio.
Por hoje deixamos a questão em suspenso, porém, no nosso próximo texto continuaremos esta nossa conversa sobre padrões geométricos, assim sendo, até lá.
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