A imagem é da Noruega, onde na pequena cidade de Kristiansand, transformaram um antigo silo industrial num grande museu de arte contemporânea.
Bilbao foi durante décadas uma cidade envolta num escuro véu de fumo, que saía das chaminés das suas fábricas de aço. Poder-se-ia dizer que Bilbao era um sítio visivelmente melancólico, tingido de cinza, cuja existência era marcada quase exclusivamente por uma intensa atividade industrial.
A sua economia sustentava-se na indústria siderúrgica e nos estaleiros navais, que foram os motores da sua prosperidade durante o século XX. No entanto, em finais dos anos 70, princípios dos 80, a crise industrial atingiu-a brutalmente, deixando um rastro de fábricas abandonadas, de desemprego e de desesperança.
O estuário do rio, outrora a artéria vital da cidade, tornou-se nesse tempo num caudal negro onde apenas corriam águas sujas e altamente poluídas. O rio era nessa época o escuro espelho da total decadência social e urbana de Bilbao.
Até que alguém em funções na administração local teve uma ideia, construir um imenso museu de arte moderna e contemporânea. Repare-se que tal ideia, não era daquelas que se costumam designar como sendo fora da caixa, era mesmo fora de tudo.
Dizer a milhares de desempregados provenientes da indústria, que a aposta seria na arte moderna e contemporânea, e num grande museu, como é evidente, gerou grande e larga contestação. Ninguém queria crer que um museu fosse capaz de transformar uma cidade. No entanto, foi isso mesmo que sucedeu, o Museu Guggenheim transformou totalmente Bilbao e até a região inteira onde esta se insere, o País Basco.
O museu foi aberto ao publico em 1997, e nos anos subsequentes à sua inauguração, o Guggenheim tornou a Bilbau cinzenta e deprimida numa cidade de cultura, vibrante e colorida. Pequenos negócios ligados ao turismo cultural abriram por todo lado e para Bilbau vieram também empresas como a Microsoft ou a Google, e lojas como a Louis Vuitton ou a Yves Saint Laurent. A cidade tem agora milhões de visitantes todos os anos, que lá gastam em média umas boas centenas de euros.
Curiosamente, Bilbao não foi atingida pela especulação imobiliária, os seus habitantes prosperam, e também não apareceram repentinamente milhares de tuk-tuk’s e outras tantas lojas de souvenirs a cada esquina.
Manchester desde há muito que era a mais importante cidade industrial de Inglaterra. No início do século XIX era mesmo considerada a mais relevante urbe industrial do mundo.
Houve um artista, L.S. Lowry (1887-1976), que abundantemente retratou a cidade de Manchester, que foi aquela onde viveu toda a sua vida. As imagens que criou são invulgares, isto porque não retratam belas paisagens, sítios idílicos ou gente nobre e importante, mas tão-somente as gentes simples de Manchester, enquadradas por um ambiente cinzento, no qual o fumo expelido pelas chaminés das fábricas é omnipresente.
Muito embora o fumo e o ambiente escuro e cinzento sejam coisas desagradáveis para a nossa sensibilidade atual, L.S. Lowry via-os como manifestações de vitalidade, como próprios de uma cidade que se movimentava, se agitava e trabalhava.
Digamos até, que as chaminés a expelirem fumo, eram um sinal de que havia empregos, que se produziam bens e que se vivia numa cidade cheia de ânimo, energia a vigor. Em síntese, não se deixem enganar pelas sombrias cores dos quadros de L.S. Lowry, pois elas não são um sintoma de tristeza, mas sim de vivacidade e dinamismo.
Em meados do século XX, à semelhança do que também sucedeu em Bilbao, muitas indústrias de Manchester encerraram as portas. A época das grandes indústrias pesadas ia a pouco e pouco terminando por todo o lado. Como consequência disso, veio o desemprego, o abandono e a decadência urbana. Nos anos 70 e 80, a outrora próspera e ativa cidade de Manchester, estava afundada numa grande depressão.
Dado ter inscrito no seu ADN uma história de vitalidade e vigor, Manchester resistiu e coube a uma série de bandas musicais dar voz aos temores de que o futuro jamais viesse a ser tão esplendoroso como o passado.
São dezenas as bandas conhecidas com origem em Manchester, mas talvez a que melhor tenha expressado o estado depressivo da cidade durante as décadas de 70 e 80, tenham sido os New Order.
Num dos seus mais célebre temas, “True Faith”, dizem-se coisas como “I can't tell you where we're going, I guess there was just no way of knowing”, ou “My morning sun is the drug that brings me near, To the childhood I lost, replaced by fear”, ou ainda, “When I was a very small boy, Very small boys talked to me, Now that we've grown up together, They're afraid of what they see”.
Em síntese, tudo frases que refletem um claro receio de que futuro não venha a ser grande coisa, e que o melhor porventura já terá passado. Aqui fica, “True Faith”, um videoclip que se tornou um clássico e cuja direção esteve a cargo do grande coreógrafo francês, Philippe Decouflé:
Ora bem, Manchester resistiu, mas depois, tal como sucedeu em Bilbao, houve alguém que teve uma ideia, mais concretamente renovar as antigas zonas industriais que se encontravam abandonadas e transformá-las em locais de arte e cultura. E assim foi, mais uma vez sem tuk-tuks, especuladores imobiliários e lojas de souvenirs a cada esquina, Manchester sofreu uma metamorfose e regenerou-se.
O símbolo maior dessa revolução foi o The Lowry, um imenso centro cultural (https://thelowry.com/pQx40cK/about-us/overview) erguido no local onde antes muitas chaminés fumegavam continuamente noite e dia, que foi inaugurado no ano 2000.
Para além de ter um museu dedicado a L.S Lowry, o centro apresenta também espectáculos de música, de teatro e dança, para além de exposições temporárias de alguns dos mais prestigiados artistas britânicos e internacionais. Em resumo, Manchester há muito que abandonou o seu estado depressivo, tendo conseguido com sucesso transformar toda a sua abandonada zona industrial num vibrante local destinado à cultura.
Quer a transformação de Bilbao, quer a de Manchester foram iniciativas das autoridades governativas de cada uma dessas cidades. Outro tanto sucedeu na zona do Ruhr, na Alemanha.
A região do Ruhr é constituída por 53 cidades, numa extensão de cerca de 400 quilómetros. Durante a maior parte do século XX, essa zona era o coração industrial da Europa, em nenhum outro lado do continente existia tanta indústria como no Ruhr.
Com o final da época industrial, como em muitos outros locais, as fábricas fecharam e tudo foi abandonado. Nos anos 80, grande parte da paisagem do Ruhr era tão-somente feita de indústrias e máquinas deixadas à inclemência do tempo.
Mas um dia, todas essas cidades decidiram unir-se e criar um grande e denso percurso, no qual existem cerca de 1.000 monumentos industriais, 200 museus, 250 festivais e 120 teatros, isto para além de múltiplos cafés, jardins e imensas zonas de lazer.
Parece incrível, mas aquela grande extensão onde durante muitos anos as fábricas produziam ser parar, é atualmente um sítio classificado como património mundial e é inclusivamente local para passeios de fim de semana ou até para se ir passar férias.
Bilbao, Manchester e a região do Ruhr, são três exemplos de como na Europa as autoridades governativas locais tiveram a iniciativa de regenerar as antigas zonas industriais e as tornarem acessíveis às comunidades locais e apetecíveis para turistas vindos de outros sítios do mundo.
Por contraste, vejamos o que se vai passando pela capital de Portugal, Lisboa. O grande sucesso na reconversão de espaços industriais foi a LX Factory, sucesso esse que nada teve a ver com as autoridades governativas locais, mas que foi levado a bom porto por uma série de criativos, pequenos galeristas e outros negócios ligados às artes, à gastronomia e à moda.
Surgem agora notícias que a propriedade da LX Factory mudou de mãos, sendo que os receios são imensos, de que os novos donos a queiram tornar um espaço mais rentável em termos imobiliários:
No outro lado da cidade, a Fábrica do Braço de Prata, um espaço recreativo e cultural já há mais de uma década, está agora ameaçada de fechar, pois há quem não concorde com os eventos que aí se promovem e ponha em causa as condições de segurança:
No entanto, e para contrariar este panorama, abriu há uns tempos o Mīrārī que se situa em Alcântra, numa fábrica em ruínas, onde a céu aberto e rodeados por paredes decrépitas e vegetação desregrada podemos comer ou beber um copo. Para além disso, também há mercados, um ou outro espectáculo e street art. Não é bem o Guggenheim, mas também é giro.
E pronto, por aqui terminamos esta nossa divagação pós-industrial, daqui a uns tempos vai haver eleições locais, seria engraçado se alguém perguntasse aos candidatos a autarcas, se porventura, como vai acontecendo pelo resto da Europa, têm alguns planos para os antigos sítios industriais. Em princípio não terão, mas nunca se sabe, pode haver alguma boa surpresa.
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