Avançar para o conteúdo principal

Devagar e divagar, pela arquitectura de Carrilho da Graça, que nos leva de oriente até ao mar


Os arquitectos marcam as cidades e, por consequência, o modo como nelas vivemos. No entanto, há arquitectos que pelas características do seu trabalho, deixam nas urbes marcas profundas e poéticas do seu zelo, da sua inspiração e do seu oficio, sendo esse o caso de Carrilho da Graça.

Apesar de serem muitos os que conhecem o trabalho de Carrilho da Graça, não serão assim tantos os que sabem quem ele é. Claro que nos meios culturais todos o conhecem, contudo, o grande público, e mesmo aquele que conhece perfeitamente e se depara frequentemente com algumas das suas obras, provavelmente não conseguirá identificar o seu nome com facilidade.

Não é que neste blog nós tenhamos a presunção de dar a conhecer o nome de Carrilho da Graça ao grande público, não nos julgamos assim tão lidos nem nos propomos a tão nobres missões. 
Em boa verdade, do que nós gostamos é de falar à toa e sem pretensões da obra de grandes artistas, sejam estes muito, pouco ou nada conhecidos. Por assim ser, vamos hoje divagar acerca de algumas obras do célebre arquitecto Carrilho da Graça.

Divagar é um bom termo neste contexto, pois as obras de que mais gostamos de Carrilho da Graça, também elas vão divagando, fazem-no ao longo de um rio, e mais concretamente do Tejo.

Esta é uma divagação que segue junto às margens do Tejo, de oriente para ocidente e daí para o mundo. Toda a viagem decorre em Lisboa e inicia-se no lado mais oriental da cidade, findando na sua extremidade ocidental.

A divagação inicia-se junto ao hoje chamado Pavilhão do Conhecimento - Centro Ciência Viva, que se situa no local a que chamamos Parque das Nações, mas ao qual ainda muitos chamam Expo.


Inicialmente este edifício foi construído para ser o Pavilhão do Conhecimento dos Mares, e foi um dos espaços expositivos da Expo 98, tendo por isso sido concebido à semelhança de um navio.

Erguido em betão branco, com um interior de dois pisos, possuiu um grande volume vertical, que pretende recordar a ponte de um barco. Diante da referida ponte, estende-se um espaço imenso, semelhante ao existente nos grandes cargueiros.

Olhando para a imagem do navio abaixo e para a imagem acima do pavilhão desenhado por Carrilho da Graça, tornam-se evidentes as semelhanças.


Um outro objectivo do pavilhão era que a sua arquitectura se referisse a época dos Descobrimentos. Nesse contexto, a também madeira dos tectos exteriores lembra a manualidade associada à construção naval desses heróicos tempos, nos quais as caravelas portuguesas se fizeram aos mares.


Em síntese, o Pavilhão do Conhecimento é um edifico que se abre para o Tejo, rio que foi o ponto de partida para divagações que atravessaram oceanos em busca de outros continentes e de terras e gentes antes incógnitas.

Caminhando junto ao Tejo em direcção a Ocidente, mais à frente, mesmo perto da Estação de Santa Apolónia, deparamo-nos com o Terminal de Cruzeiros de Lisboa.

O edifício volta-se simultaneamente para o Tejo e para a cidade, especificamente para a colina onde se ergue o muito antigo bairro de Alfama.


Um caminho envolve o edifício por dentro e por fora, permitindo-nos fazer um lento passeio ao longo do qual vamos descobrindo as diversas perspectivas da cidade e do rio, que podem ser avistadas em cada uma das diferentes fachadas.

Este caminho culmina no cimo do edifício, na sua cobertura, que assume as características de um palco mas também de uma praça. Neste edifício o nosso olhar divaga continuamente do rio para a cidade, da margem sul para a norte, de ocidente para oriente, do céu para a terra, e do interior para o exterior e vice-versa.


Divagam também os passageiros que vindos do mar aqui aportam, bem como os que daqui partem para outros lugares, e por fim, é também de um divagar entre luzes e sombras, que se faz a viagem a esta obra do arquitecto Carrilho da Graça.


Continuando o nosso caminho para poente e sempre com o Tejo como companheiro de percurso, lá mais para a frente, ainda antes de chegarmos a Alcântara, temos por diante o Museu do Oriente.

O museu situa-se no porto de lisboa, num edifício cujo nome era Pedro Álvares Cabral, e que durante largas décadas do século XX foi usado como armazém de bacalhau. 
Na realidade foi precisamente para cumprir essa função, que ele foi erguido, no entanto, com o passar do tempo tornou-se obsoleto para esse fim e durante anos ficou numa espécie de semi-abandono.

Em 2008, após a requalificação do edifico a partir de um projecto do arquitecto Carrilho da Graça, o antigo armazém de bacalhau abre ao público como Museu do Oriente.

Visto do exterior, a alteração mais significativa está ao alto, no topo recuado da sua fachada, que foi coberto como folha de ouro, que com a sua peculiar luminosidade nos remete imediatamente para o oriente e para os seus requintados palácios e templos dourados.


Não é difícil que a determinada luz, ao pousarmos o olhar no topo coberto de folha de ouro do Museu do Oriente, a nossa mente divague e atravesse oceanos até ao misterioso continente asiático. Não é difícil estarmos não muito longe do Tejo, e de repente pensarmos estar do outro lado do mundo, no país do sol nascente.


Também o interior do Museu do Oriente é fascinante e não apenas pela presença de múltiplas peças vindas da China, do Japão, da Índia e de outros lugares por onde as gentes portuguesas em tempos divagaram. 
É-o também pelo permanente jogo de luzes e sombras, que o arquitecto Carrilho da Graça concebeu, de modo a envolver-nos num ambiente místico e enigmático, equivalente ao que é característico dos lugares asiáticos.


Continuando o nosso percurso em direcção à foz do Tejo, fazemos a nossa última paragem mesmo à saída de Lisboa, quase a chegarmos a Algés. É aí nesse lugar, mesmo por detrás do Centro Cultural de Belém, que se encontra o recentemente inaugurado Pavilhão Julião Sarmento.

Trata-se de um pavilhão onde está exposta a colecção de arte contemporânea do já falecido artista. O edifício era um mero armazém, mas foi alvo de uma reabilitação concebida pelo arquitecto Carrilho da Graça. É um espaço claro, com uma bela luz diáfana que ilumina suavemente as constantes linhas que atravessam o interior do edifício.


A imagem acima não nos dá totalmente conta disso, provavelmente só visto ao vivo se terá essa sensação em toda a sua plenitude. Aquilo a que nos referirmos, é à quantidade de pilares que se podem observar mesmo abaixo do tecto. É uma imensa sucessão de linhas verticais, suportadas apenas por discretas traves horizontais, e que por essa precisa razão, nos dão a sensação de estarem em suspensão.

O nosso olhar divaga por esses brancos traços verticais, a que a diáfana luminosidade confere um certo mistério, não nos cansando nós de ver, rever e entrever, algo que neles se revela, mas para o qual não temos nem nome nem definição.

Em certa medida, o topo do Pavilhão Julião Sarmento traz-nos à lembrança um outro local onde também se celebra o incognoscível, neste caso, Alá. 

Na imensa mesquita de Córdova, construção erguida pelos árabes em séculos distantes, no sul do que hoje se chama Espanha, há também uma floresta de pilares verticais, que ao percorrê-los sentimos que estamos perante algo que não sabemos o que é, mas que pressentimos ser uma presença, ainda que incognoscível.

Os que construíram essa mesquita, chamaram a essa presença, Alá.


No Pavilhão Julião Sarmento há muitas janelas, mas são apenas umas três, as que permitem ver o exterior. A maior parte das janelas são apenas uma passagem para a já referida luz diáfana penetrar no interior do edifício. As três, com vista para fora, dão-nos a ver copas de árvores, telhados e sobretudo o céu.

É nesses pontos que também o olhar divaga, e ainda mais quando se volta para o alto e vê um pedaço da abóbora celeste, que em certos dias, quando o céu está plenamente limpo, nos faz entrever no profundo azul o espaço infinito, e que noutros dias, nos permite observar nuvens, que tal como o nosso olhar, que as observa, também divagam.

Por fim, nas paredes há obras de arte, aquelas que Julião Sarmento ao longo da sua vida coleccionou. Contemplando-as, não há forma de não divagarmos acerca do que nos querem dizer e de qual será o seu significado.

Talvez não nos queiram dizer nada de específico, nem possuam sequer nenhum significado determinado, talvez só estejam lá para nos convidarem a divagarmos, ou seja, a vaguearmos de corpo e alma sem direção definida ou rumo certo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...