Hoje, de telemóveis na mão, é fácil registarmos imagens em movimento, sendo
que por tudo e por nada, recorrentemente o fazemos.
Raras vezes tais imagens nos revelam algo da poesia e da beleza que há no
mundo, dificilmente o poderiam fazer, pois para que tal acontecesse seria
indispensável que se contemplasse a vida com um olhar artístico.
Em dado momento de finais do século XIX, o cinema foi inventado, por
consequência, as imagens em movimento passaram a poder ser registadas e
eternizadas.
Essa invenção foi atribuída aos irmãos Lumière, que ao longo de uns quantos
anos realizaram centenas de filmes, todos eles com aproximadamente um minuto de
duração. Iniciou-se portanto nesse instante uma grande aventura, uma que ainda perdura:
a sétima arte.
Os irmãos Lumière registaram e eternizaram na fita o que viam, ou seja,
esse mundo que existiu entre o final do século XIX e o início do XX.
Eles filmaram as gares, as gentes nos jardins, os trabalhadores a saírem
das fábricas, os homens que jogavam cartas, o movimento citadino e muitas coisas
mais.
No entanto, não se pense que o seu olhar se dirigia aleatoriamente para tudo o que viam, nada
disso. Com efeito, pode-se perfeitamente afirmar, que nesse momento inaugural
do cinema, houve imediatamente um olhar artístico, que queria ver e dar a ver a
poesia e a beleza do mundo.
Os irmãos Lumière não faziam os seus
filmes do mesmo modo que actualmente todos pegam nos seus smartphones e começam
a filmar sem mais nem porquê, algo ou alguém que lhes chama a atenção ou
desperta a curiosidade.
Era precisamente o oposto de agora,
ou seja, tinham uma intenção, havia uma ideia poética e uma vontade artística
no modo como queriam registar algo ou alguém num filme.
Em síntese, o nascimento do cinema é
logo desde o seu primeiro momento, não somente o surgir de um novo dispositivo
técnico e científico que capta imagens em movimento, mas também e
fundamentalmente, o nascimento de uma nova arte, a sétima.
Na verdade, os filmes dos irmãos
Lumière não se assemelham a reportagens noticiosas ou documentais, e muito
menos a imagens das redes sociais. As imagens que os irmãos Lumière recolhem
têm, isso sim, evidentes afinidades com obras de arte.
Em alguns dos seus filmes, os irmãos
Lumière captam imagens de homens a jogar às cartas, como é o caso desta abaixo.
Homens a jogar às cartas é um tema
recorrente de certos artistas dessa época, como é por exemplo o caso de
Cézanne.
Talvez nos jogos de cartas, os
artistas de então vislumbrassem qualquer coisa de profundamente humano, ou
seja, o envolvimento e concentração numa actividade que não é produtiva, e que
não consiste em trabalhar mecanicamente numa qualquer profissão operária, ou noutra
igualmente repetitiva.
Num jogo de cartas, as gentes têm de
imaginar estratégias, improvisar jogadas e usar a sua inventividade e engenho. Um
jogo de cartas nada tem, portanto, a ver com a repetição mecânica dos mesmos gestos
e procedimentos. Um jogo de cartas é no fundo a antítese dos monótonos trabalhos
que se faziam nas fábricas e nos escritórios.
Um jogo de cartas, de algum modo,
assemelha-se à actividade artística, para a qual também são necessárias
características como a imaginação, a inventividade e a capacidade de improviso.
Talvez por isso, existam tantas
pinturas desse tempo em que se representam jogos de cartas, talvez por isso,
também os irmãos Lumière se dedicaram a filmar homens embrenhados em jogos de
cartas.
Há que recordar, que em finais do
século XIX e início do XX, a mecanização da vida era algo que se ia instalando
pelo mundo. Muitos terão sido os que então abandonaram os campos e outros
locais, e vieram para as fábricas das cidades laborar.
Observar a saída das fábricas de
centenas ou mesmo de milhares de trabalhadores, haveria de ser nessa época uma
visão nova e avassaladora. Quando a sirene fabril apitava dando por finalizada
a jornada laboral e as portas das fábricas se abriam, via-se de repente uma
torrente de gente que jorrava para a rua.
O primeiro filme da história do
cinema, realizado pelos irmãos Lumière, retrata precisamente uma dessas cenas,
em que inúmeros trabalhadores saem da fábrica.
Poder-se-ia pensar que esse registo
filmado tinha um intuito meramente documental, no entanto, sabemos que não, sabemos
que o seu objectivo era fundamentalmente artístico.
Isso prova-se por existirem várias
versões da saída da fábrica, e haver também evidências que houve alguma espécie
de encenação, factos que demonstram que os irmãos Lumière queriam compor e
aperfeiçoar as imagens filmadas, e não apenas recolher sem mais, imagens do que
tinham por diante.
A verdade é que o tema “trabalhadores
à saída da fábrica”, apelava a um olhar artístico, e tanto assim era, que o
pintor norueguês Edward Munch representou recorrentemente uma massa de
operários a regressar a casa após mais um dia de labor.
Uma outra visão que naqueles tempos
requeria um olhar artístico, era a dos comboios que partiam e chegavam. As
gares ferroviárias eram ainda uma novidade, sendo a atmosfera que nelas se
criava, algo que seduzia os pintores, e muito em concreto o famoso Claude
Monet.
Claude Monet é o pintor
impressionista por excelência, as suas imagens de lagos com nenúfares são
famosas por todo mundo, contudo, durante algum tempo o seu olhar deteve-se nas
gares ferroviárias.
Se é certo que nas obras de Monet em
que se representam nenúfares pressentimos imediatamente uma espécie de
musicalidade e poesia, não é menos certo que nas suas pinturas em que se vêem
gares e comboios, também vislumbramos uma qualquer nova forma de beleza.
Essa nova forma de beleza, foi também
vislumbrada pelos irmãos Lumière, pois logo nos seus primeiros filmes
aparecem-nos comboios que chegam e as gentes que os aguardam nos cais das
estações.
Por assim ter sido, mais uma vez se
prova que o seu olhar cinematográfico possuía afinidades evidentes com o olhar
artístico.
As cidades, e muito em particular
Paris, eram em finais do século XIX, locais que pareciam crescer imensamente. A
muita movimentação e a enorme agitação das urbes era, à data, coisa nunca antes
vista.
Quase subitamente, as ruas e avenidas
encheram-se de multidões que se deslocavam de um lado para o outro em afazeres
vários.
Esse espectáculo urbano, foi
igualmente uma realidade que captou a atenção e os olhares dos melhores
artistas daquele tempo, sendo esse o caso de Camille Pissarro, cuja uma das
vistas de Paris vemos na imagem abaixo.
Também relativamente a esse contexto, é possível constatar a existência de um olhar artístico nos filmes dos irmãos Lumière. Com efeito, como Camille Pissarro, também eles quiseram representar o bulício das cidades, as carruagens que atravessam as avenidas e boulevards, e as gentes que se passeiam, que trabalham e continuamente se movimentam. Mostram-nos assim ao olhar, o trepidante espectáculo citadino.
Abaixo uma imagem de um filme dos
irmãos Lumière.
Anda por aí pelas salas de cinemas,
um filme intitulado “Lumière, a aventura continua”. Nesse filme podemos ver
muitos dos filmes que há mais de um século os irmãos Lumière realizaram. É como
uma ressurreição, imagens eternas que há muito não eram vistas no grande ecrã,
regressam agora à vida.
No filme “Lumière, a aventura
continua”, vemos o mundo de há mais de um século atrás. É como se fizéssemos
uma viagem no tempo. O que nele vemos também, é que desde o primeiro momento,
os irmãos Lumière quiseram que o cinema fosse uma arte e não somente uma mera
nova invenção técnica para registar a realidade.
Para terminarmos, aqui vos deixamos o
trailer de “Lumière, a aventura continua”:










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