E se de repente um desconhecido lhe oferecer frases…isso é porque havia uma mercearia de imigrantes em Nova Iorque
Nem sempre sabemos quem escreveu e nos ofereceu as frases que nos dizem quem somos, que expressam o que sentimos e que nos narram a nossa existência. Sim, oferecem-nos frases que nos falam da nossa mais íntima essência, mas por vezes desconhecemos inconscientemente o nome do seu autor.
Ou seja, há sempre algures no mundo um escriba desconhecido, sabedor do que nos vai pela alma e do que nos passa pela cabeça, que se põe a escrever frases sobre tal para nos oferecer.
Que estranho é ser alguém de quem nem o nome sabemos, a escrever as frases que descrevem perfeitamente o que vivemos. Mais estranho ainda, é que esse desconhecido escrivão, não só sabe muito acerca de nós, como parece também saber bastante acerca de milhões doutros.
Vejamos se tal não é verdade. Quem de todos nós, já não acordou pela manhã e logo pensou em quem mais preza? Quem nos seus preparos matinais, enquanto escolhe o que vestir e penteia o cabelo, não fez uma prece por quem mais preza?
E quem indo apressado para não perder o autocarro, e nele percorrendo de seguida o percurso até ao local de trabalho, não fez então em pensamento uma nova prece por quem mais preza? E quem ainda, durante a manhã laboral, aquando de uma pausa para uma bica, não efectuou mais uma vez uma outra prece?
É a respeito de manhãs dessas, em que se fazem preces, que nos falam os seguinte versos:
The moment I wake up
Before I put on my makeup
I say a little prayer for you
While combing my hair, now,
And wondering what dress to wear, now,
I say a little prayer for you
I run for the bus, dear,
While riding I think of us, dear,
I say a little prayer for you
At work I just take time
And all through my coffee break-time,
I say a little prayer for you
Quem será o desconhecido que compôs para nos oferecer, as frases acima, que descrevem perfeitamente aquilo que muitos de nós, milhões, outrora vivemos ou vivemos neste preciso momento?
A resposta não é para já. Para já, ficam os versos na voz da poderosa e comovente Aretha Franklin:
A voz de Aretha Franklin foi oficialmente declarada como “um recurso natural” pelo estado do Michigan, o que não é coisa pouca.
O estado do Michigan tem lagos imensos, montanhas majestosas e esplêndidas florestas, todavia, nada disso se equipara à comovente e poderosas voz dessa mulher nascida em Memphis, Tennessee, bem perto das margens do Mississipi, no seio da mais ancestral América.
De facto, é preciso ter um vazio no sítio do coração, para não se sentir a tremenda energia e vigor da voz de Aretha. No entanto, todos sabemos que há gente sem coração. Sabemos igualmente, que aqueles a quem nada lhes bate no peito, por norma, também não têm qualquer capacidade para sonhar.
E que triste é, quando temos por diante alguém assim, um ser sem um centro palpitante e cuja mente não devaneia nem fantasia. O nosso desconhecido escriba, também escreveu frases acerca desses soturnos e sorumbáticos seres, e mais concretamente desses melancólicos momentos em que os encontramos.
Escreveu frases que traduzem na perfeição, o desânimo e a impotência que sentimos quando convivemos com quem não tem coração e com nada sonha.
Frases como “Anyone who had heart, Would take me in his arms and love me too, You couldn't really have a heart, What am I to do”, ou ainda, “Anyone who ever dreamed, Would look at me, And know I dream of you.”
Cilla Black era uma modesta rapariga de Liverpool. Trabalhava no bar lá do bairro, naquele onde os Beatles deram os seus concertos iniciais. Um dia sonhou ser cantora. E foi-o.
Num daqueles raros registos que ficam para a história, podemos vê-la numa das suas primeiras actuações, a cantar “Anyone who had a heart” com alma e coração, num jantar em que a clientela é muito fina e selecta.
Os sem coração nem sonhos, têm muitas vezes um olhar mortiço, porém, para quê perdermos mais tempo com esses, se há quem tenha um olhar vivo, feliz e que de quando em quando é até brilhante.
Muito tristes hão de ser, aqueles que na sua vida nunca contemplaram um olhar que brilha, um que não se apaga e que nos diz muito mais do que nos dizem as palavras.
Olhares que reluzem e cintilam, deram também azo a que o nosso desconhecido escriba compusesse frases como estas abaixo:
The look of love is in your eyes
A look your smile can't disguise
It's saying so much more than just words could ever say
You've got that look of love
Is on your face
The look that time can't erase
Frases como estas acima, não são para serem ditas, e ainda menos cantadas, num tom meloso e sentimental, são frases alegres e bem-dispostas, que ficam bem num suave estilo mix, meio jazzy, meio Bossa-Nova. São frases que se adaptam com encanto à voz envolvente de Dusty Springfield, ou, e mais simplesmente, “Just Dusty”.
Como já todos terão percebido, o nosso desconhecido escriba escreve frases que descrevem os momentos felizes das nossas vidas, mas também as escreve para os tempos em que andamos desgostosos e assim mais a atirar para o tristonho.
Poucas coisas na vida nos deixarão mais danados e desalegres, do que quando alguém nos deixa desamparados. Pior ainda será, se quem nos enjeitou permanece pelas redondezas e de repente nos aparece pela frente no meio da rua.
Terrível seria, que esse ser ruim que nos abandonou, tivesse ainda por cima o gosto de nos ver em lamentos e a condoermo-nos pela sua partida. Tudo isto também foi posto em frases pelo nosso desconhecido escriba:
If you see me walking down the street
And I start to cry each time we meet
Walk on by, walk on by
Make believe
That you don't see the tears
Just let me grieve
In private 'cause each time I see you
I break down and cry
And walk on by (don't stop)
E que tal vermos e escutarmos a distinta, sofisticada e elegante Dionne Warwick, a cantar com grande classe essas ditas frases? Canta-as enquanto se passeia envolta pela cidade de Paris.
Vamos caminhando para o fim deste nosso texto e ainda não sabemos o nome do desconhecido escriba que compôs todas estas frases que fomos apresentando, e que são frases que nos dizem quem somos, que expressam o que sentimos e que nos narram a nossa existência, pelo menos a daqueles que não têm um vazio no sítio do coração.
No entanto, mesmo quem tem coração e sonha, duvida e levanta questões. O mesmo faz o nosso escriba, que compõe frases interrogativas, para logo em seguida nos oferecer as suas respostas.
Vejamos um primeiro exemplo:
O que ganhamos quando alguém beijamos?
Apanhamos germes suficientes para uma pneumonia e depois disso, nunca mais sequer te telefona.
Vejamos um segundo exemplo:
O que ganhamos quando nos apaixonamos?
Alguém que nos rebenta as borbulhas com uma agulha. É só o que ganhamos por todo o nosso esforço.
E um terceiro e derradeiro exemplo, que faz uma síntese da situação apresentando uma conclusão:
O que ganhamos quando nos apaixonamos?
Ganhamos um monte de mentiras, dor e tristeza. Assim sendo, pelos menos até amanhã, nunca mais me apaixonarei. Não, não, nunca mais me vou apaixonar.
Claro que para interpretar estas frases, outra não poderia ser que não fosse a virtuosa, impecável e cativante Ella Fitzgerald. Aqui fica “I’ll Never Fall in Love Again”:
E por fim, o nome do escriba desconhecido que nos ofereceu todas estas frases, Hal David, que nasceu em 1925 em Nova Iorque e faleceu em 2012 em Los Angeles. Os seus pais eram emigrantes de origem judaica e tinham uma mercearia.

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