Em nosso entender está mal. Que raio
de critérios editoriais, seguirão as redacções das TV’s nacionais? Guerras,
hospitais, desastres e politiquices são a toda a hora, agora acerca da
paparoca, nem uma palavra sequer.
A notícia é tanto mais formidável,
por quanto é a primeira vez que a UNESCO distingue toda a culinária de um país
inteiro com o título de Património Imaterial da Humanidade.
Com efeito, até agora, a UNESCO só
tinha distinguido pratos e gastronomias regionais, como por exemplo, a cozinha
do Michoacán, no México, a dieta japonesa washoku, o kimchi coreano ou o
borscht ucraniano, distinguir a culinária de um país de inteiro, foi portanto
algo de absolutamente inédito.
Ainda assim, por inédito que tenha sido, foi um facto completamente ignorado pelos nossos noticiários, mas não pelos italianos, como é bom de se ver.
O que também foi no mesmo exacto dia
distinguido com o título de Património Imaterial da Humanidade, foi El Son
Cubano. Como certamente já todos terão adivinhado, essa distinção também não
abriu os telejornais. Foi pena, sempre era uma abertura mais animada e
divertida, do que as do costume.
O facto é que esta é a segunda
distinção atribuída à música cubana, pois em 2023 a UNESCO já tinha também
distinguido o Bolero como Património Imaterial da Humanidade. Em boa verdade, o
Bolero nasceu em Cuba, mas é também uma música do México, digamos que possuiu
dupla nacionalidade.
Aqui chegados, o que mais podemos
dizer, uma vez que de gastronomia pouco ou nada sabemos, e não somos assim tão
grandes apreciadores do El Son Cubano? Por exclusão de partes, se calhar o
melhor é falarmos de boleros.
Para não nos alargarmos muito, vamos
até restringir o assunto, falaremos de boleros, mas apenas dos que são
mexicanos. Escolhemos três, de modo a fazermos um trio.
É verdade que se pode dançar um
bolero, contudo, dir-se-ia que essa canção faz mais sentido, quando se está
sozinho sentado ao balcão de um bar a tentar afogar as mágoas, entorpecendo a
alma com as mais fortes bebidas que nele possam ser servidas.
As histórias cantadas e contadas
pelos boleros, no fundo são um itinerário de amores seguidos das respectivas
desditas.
Os boleros serão uma espécie de
aritmética da dor, o mesmo é dizer, uma soma de dois em que um a um outro se
entrega e vice-versa, mas na qual, e uma vez feitas as contas, o resultado final
é que ambos ficam com zero, inclusivamente e um sem o outro.
“A porta fechou-se por detrás de ti e nunca mais voltaste a aparecer.
Abandonaste a ilusão que havia no meu coração por ti”, é assim que se inicia o bolero “La Puerta”, a nossa primeira escolha.
Mais à frente, na mesma canção, o
protagonista lamenta-se e queixa-se de um modo um tanto ou quanto confuso,
dirigindo-se àquela que cruzou a porta, falando-lhe de uma qualquer
adversidade, que pelos vistos também lhes trouxe felicidade. O que terá sido, é
coisa que ficamos sem saber: “É que não
soubeste suportar, as tristezas que nos trouxe, a mesma adversidade, assim como
também nos deu felicidade, e veio para nos punir com dor.”
Na década de 50 do século XX, eram comuns
os trios românticos andarem pelos cabarets da Cidade do México, e entre estes,
um dos mais conhecidos eram “Los Tres Ases”, que aqui podemos ouvir a
interpretar “La Puerta”:
Um outro trio que fazia as maravilhas
do México e não só, eram “Los Panchos”.
Talvez seja a “Los Panchos”, a quem
mais devemos magníficos boleros. Um deles é o clássico absoluto “Sabor a mí”, a nossa segunda escolha.
O personagem da canção, faz a
determinado momento uma declaração de desinteresse, isto no sentido em que
afirma não querer ser proprietário da moça a quem se dirige: “Não pretendo ser seu dono”.
Porém, não se fica por aí, pois logo
em seguida faz uma afirmação que tem tanto de humilde como de metafísica: ”Não
sou nada, eu não tenho validade.”
Por outro lado, existem também no
tema reflexões sobre o tempo, “Passarão
mais de mil anos, muitos mais, eu não sei se terei amor a eternidade”, o
que só reforça o carácter filosófico e metafísico deste bolero.
Abaixo podemos escutar Eydie Gormé,
uma rapariga do Bronx, a cantar o tema “Sabor
a mí”, acompanhada à guitarra por “Los Panchos”:
O terceiro e último bolero que
escolhemos intitula-se “El Reloj”, o que em português significa “O Relógio”.
Na canção há pedidos intensos para
que um relógio se detenha: “Relógio não
marques as horas, porque vou enlouquecer”.
É certo que há muito quem fique
atarantado com os relógios, sobretudo por estar atrasado, no entanto, não é
esse o caso do personagem da canção, o seu problema é outro.
O mal do rapaz, é que “ela”, o ser
que o ilumina, está de partida, e a viagem parecer ser só de ida e não ter
volta. É por isso que ele diz “Relógio
detém o teu caminho, porque a minha vida se apaga, ela é a estrela que me
alumia, eu sem o seu amor não sou nada.”
Para escutarmos “o tic tac que faz
recordar uma irremediável dor”, escolhemos a interpretação de “Los tres
caballeros”:
E pronto, são horas de terminarmos este texto, que de início parecia ir ser dedicado a pizzas, massas e mozzarelas, mas que no fim acabou antes por se dedicar a boleros mexicanos.



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