O tempo é um paradoxo, um mês de trabalho dura uma eternidade, um mês de descanso passa num instante. Todos os anos são milhões, os que à medida que agosto se encaminha paro o fim, tomam subitamente consciência da brevidade do verão. Parece que ainda mal começou, e passado um pouco, já terminou.
Como escreveu o poeta Ruy Belo, “É triste no outono concluir que era o verão a única estação.”
Nós nestas férias estivais, decidimos acrescentar a este habitual paradoxo anual, um outro paradoxo, irmos passear pelo mundo sem sairmos do mesmo lugar, ou seja, sem largar o nosso lar.
Acreditem ou não, estando-se fechado em casa, as férias rendem. O tempo passa devagar, há sossego e conseguem-se fazer muito mais coisas, do que se efetivamente andássemos por aí viajar. Tanto assim é, que hoje vamos já para o décimo sexto episódio desta nossa série de verão, “Como fazer turismo sem sair de casa”.
Mas estando nós há quase um mês recolhidos em casa, faz-nos falta ir apanhar ar, razão pela qual, o nosso destino de hoje só poderia ser um, Buenos Aires.
Uma outra razão que nos leva até à capital da Argentina, é o facto deste país ser de longe, o que maior número de psicólogos tem em todo o mundo. Os nossos leitores hão de concordar, que após tanto tempo encerrados no lar, não nos haverá de fazer mal algum, ter alguém com quem conversar e desabafar.
Se atentarem no mapa-mundo que apresentamos lá mais para baixo (podem ir espreitar), repararão que a roxo, cor que indica um elevado número de psicólogos per capita, se destacam dois países, a Austrália a sul, e a Suécia a norte.
A Suécia compreende-se perfeitamente, pois esse país é um clássico intemporal no que toca a depressões, ansiedades, paranóias, esquizofrenias e a todas as demais angústias existenciais existentes à face da terra. Já na canção “Eu gosto é do verão”, se diz que “No inverno é verão no Brasil e na Suécia suicidam-se aos mil”.
Para os nossos leitores que prefiram referências de cariz mais intelectual, do que a canção “Eu gosto é do verão”, aconselhamos a obra completa do grande cineasta sueco Ingmar Bergman, que constitui um imenso e brilhante catálogo de todas as perturbações emocionais possíveis e imaginárias. Se a virem, de certeza que perceberão a razão de haver tantos psicólogos na Suécia.
Relativamente à Austrália, desconhecemos a razão pela qual existem tantos psicólogos, provavelmente é por causa dos tubarões. Com efeito, deve causar alguma ansiedade ir à praia e estar sempre com receio que apareça um tubarão e nos arranque um bocado. Só de pensar nisso, uma pessoa até fica arrepiada.
Para além disso, na Austrália há milhares de clubes de fãs dos koalas, pois que são tão queriduchos e fofinhos. Acrescente-se que há outros tantos milhares de clubes de fãs dos cangurus.
Aparentemente, existe uma grande rivalidade entre os fãs dos koalas e os dos cangurus. Tal facto, só por si, é sintomático. Indica-nos claramente que algo de emocionalmente perturbante se há de estar a passar nesse distante canto do mundo.
(Recordamos aos eventuais interessados, que no sétimo episódio desta série passámos por Sydney, na Austrália: https://ifperfilxxi.blogspot.com/2023/08/rio-sidney-ida-e-volta-como-fazer.html )
Mas voltemos à Argentina, e mais concretamente, a Buenos Aires, que é esse o nosso destino de hoje. Falemos então novamente do mapa-mundo que apresentamos lá mais abaixo (podem ir espreitar). Como já acima referimos, nesse mapa, a roxo destacam-se a Suécia e a Austrália…só que…afinal não…
Os nossos leitores com maiores competências geográficas, e que já tenham ido espreitar o mapa, certamente terão reparado que um dos países destacados a roxo no mapa-mundo, mais especificamente aquele que se situa a norte da Europa, não é a Suécia, mas sim a Finlândia.
Nós sabíamos, o problema é que acerca da Finlândia nada tínhamos para dizer. Íamos dizer o quê? Que a Finlândia tem um sistema educativo que fica sempre em primeiro lugar nos estudos PISA, PIRLS e coisas desse género? Mas a quem é que isso interessa? Pelo menos em Portugal, não interessa a ninguém, por isso adiante.
Em síntese, destacadas a roxo ficam a Austrália e a Suécia, que é o que faz sentido, mesmo que a Suécia seja afinal a Finlândia. Contudo, a roxo muito escuro, que é isso que verdadeiramente nos interessa, mesmo no sul da América, encontramos a Argentina.
Argentina, que é o país com o maior número de psicólogos per capita do mundo. São cerca de 56 mil profissionais em atividade, o que dá a extraordinária média de um psicólogo par cada 649 habitantes. Um imbatível primeiro lugar a nível global.
Saliente-se que esse primeiro lugar argentino, não é de agora. Não é uma coisa circunstancial, há já umas décadas que é assim. Como é evidente, a larguíssima maioria desses psicólogos concentram-se na capital, em Buenos Aires.
Mas o que será, que por lá se passa? O melhor é irmos descobrir, mesmo sem sairmos de casa, o que tem essa cidade que as outras não terão.
Ao pensarmos em Buenos Aires, o que imediatamente nos vêm à mente é o futebol, mais concretamente o Maradona, e o tango. O que têm Maradona e o tango em comum? Paixão, pois claro.
Antes de irmos mais longamente ao tango, vamos rapidamente ao futebol. Não há nada que se compare ao clássico de Buenos Aires, Boca Juniors versus River Plate. O estádio de La Bombonera enche-se de uma paixão tão intensa, que parece ir durar uma vida inteira. Mas afinal não, é só por uns breves noventa minutos, o tempo que dura uma partida.
A paixão de La Bombonera em dias de clássico, só é comparável à de Maradona no seu último momento de glória, quando marcou o seu derradeiro golo num mundial. Foi uma celebração tão intensa e cheia de paixão quanto breve, pois logo após o fim da partida, foi erradicado da seleção argentina para sempre, devido a no controle “anti-doping” as análises terem detectado o consumo de substâncias proibidas.
O futebol está despachado, vamos lá então ao tango. Há um tema do intérprete e compositor português Rodrigo Leão, cuja inspiração é Buenos Aires. Intitula-se, como não poderia deixar de ser, “Pasión”. Que outro título poderia ter?
A determinado momento da canção diz-se o seguinte:
“Abrázame esta noche
Aunque no tengas ganas
Prefiero que me mientas
Tristes breves nuestras vidas”
Tendo os nossos leitores uma elevada cultura literária, com certeza já terão detectado no verso acima, afinidades poéticas com temas que antes já abordámos neste texto.
Afinidades com a brevidade do tempo, sobretudo o das férias de verão (Tristes breves nuestras vidas), e também afinidades com a forma como nós vos mentimos e iludimos acerca do mapa-mundo, falando-vos da Suécia, ao invés da Finlândia (Prefiero que me mientas).
E é isso a paixão: uma breve ilusão. Mas lá por ser uma breve ilusão, tal não é motivo para dela se desdenhar, muito pelo contrário, é precisamente essa a exata razão, para a agarrar e a abraçar. Nem que seja por uma só noite (Abrázame esta noche), nem que talvez nem sequer estivéssemos para aí virados (Aunque no tengas ganas).
Mas talvez o melhor seja ouvirmos a canção:
Carlos Gardel (1890-1935) está para Buenos Aires, como Amália está para Lisboa. Se Amália é o símbolo maior do fado, Carlos Gardel é-o do tango. Nasceu em Toulouse, no sul de França, mas a sua família emigrou para a Argentina, pelo que ele costumava dizer “Nasci em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade".
No seu tempo, era famoso por todo o mundo. O seu tango mais célebre chama-se “Volver” e diz assim:
“Sentir
Que es un soplo la vida
Que veinte años no es nada”
Noutra passagem do mesmo tango, acrescenta-se o seguinte:
“Y aunque el olvido que todo destruye
Haya matado mi vieja ilusión
Guardo escondida una esperanza humilde
Que es toda la fortuna de mi corazón”
Mas mais uma vez, também na letra deste tango sentimos a brevidade do tempo que passa (veinte años no es nada) e também a sua fugacidade (es un soplo la vida). Todavia, sentimos igualmente, que se a passagem do tempo traz o esquecimento (el olvido que todo destruye), e inclusivamente mata a ilusão da paixão (Haya matado mi vieja ilusión), ainda assim, nada disso é de desdenhar.
Mais não fosse, é essa ilusão que nos alimenta de esperança, por humilde que seja (Guardo escondida una esperanza humilde), e é também a fortuna dos nossos corações ( es toda la fortuna de mi corazón).
Escutemos então o tango na imortal voz de Carlos Gardel:
Um dia alguém definiu o tango como “um pensamento triste que se dança”, talvez seja afinal por isso, que há tantos psicólogos em Buenos Aires, por lá dança-se muito.
Um dia, o grande cronista brasileiro Nélson Rodrigues, que não por acaso,
muitas vezes viajou para Buenos Aires, proferiu a seguinte frase: “O sábado é uma ilusão”.
E se o sábado é uma ilusão, mais o serão as férias de verão ou uma paixão.
Mas que nos importa isso, que o sábado seja breve ou uma ilusão? Nada.
No fundo, também Buenos Aires é uma breve ilusão, mas e então? Com certeza não é preciso irmos consultar um psicólogo, para sabermos que poucas coisas há de melhor na vida do que um breve ilusão.
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