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De um jardim, pressente-se e vislumbra-se o infinito (2ª parte)


Esterilidade é um possível antónimo para criatividade, finitude é outro. A criatividade pressupõe o vislumbre de algo de infinito em nós, assim como pressupõe o pressentirmos a fertilidade infinda da natureza, do mundo em nosso redor e até do vasto universo.

Vislumbrar o infinito e pressentir o quão fértil e imenso tudo o que existe pode ser, faz com que em nós nasçam ideias e sonhos, faz com que obras de arte sejam criadas, faz com que as palavras gerem poemas, faz com que sons se transformem em belas melodias e faz com que jardins sejam imaginados, traçados e da terra levantados.

No nosso anterior texto, https://ifperfilxxi.blogspot.com/2025/07/de-um-jardim-pressente-se-e-vislumbra.html , falámos de jardins e de como estes são locais paradisíacos e sítios onde o labor humano e a infinita criação divina se cruzam e se complementam. Um jardim resulta da criatividade sem fim da natureza, e também da infindável criatividade dos homens, e ainda, desse infindo anseio por beleza que pressentimos em nós próprios.

Um jardim é o local de encontro de infinitos. Num jardim encontram-se a infinita criação divina que se manifesta na natureza, e o infinito desejo de beleza que todos os homens albergam no seu peito e que se revela nas suas criações artísticas. É desse encontro de infinitos que se urdem e tecem os jardins.


Na muita antiga cidade italiana de Siena, no seu magnífico Palácio Comunale, podem contemplar-se seis enormes pinturas murais datadas do século XIV.

Os seus títulos são os seguintes: Alegoria de Bom Governo, Efeitos do Bom Governo na Cidade, Efeitos do Bom Governo no País, Alegoria de Mau Governo, Efeitos do Mau Governo na Cidade e Efeitos do Mau Governo no País.

Quem as pintou, às seis cenas, foram os irmãos Pietro e Ambrogio Lorenzetti.

Há séculos que esses seis largos frescos estão diante da vista das gentes de Siena, não havendo portanto ninguém nessa cidade ou que a tenha visitado, que não saiba quais as consequências da boa e da má governança.

Vejamos um detalhe de uma dessas pinturas e como nela é representado um dos efeitos de mau governo, a saber, a terra estéril.


Na cena acima quase tudo nos aparece destruído, vê-se que a causa disso é a guerra. Há soldados do lado esquerdo e podem também ver-se casas destruídas ou em chamas. Na parte inferior direita da pintura, observam-se umas quantas figuras pouco definidas, que poderiam muito bem ser fantasmagóricos espectros.

Os irmãos Lorenzetti retrataram nas cenas do mau governo personagens malignos, sombrios, sinistros e até grotescos, são eles que decidem o destino das gentes. A consequência de tal só pode ser a destruição, a guerra, a doença e a morte, em síntese, a absoluta esterilidade e o fim da criatividade.

No lado direito do fresco cuja imagem encontramos mais abaixo, aparece a alegoria do mau governo. Aí vemos representado em destaque a tirania, cuja figura se senta num trono, sendo a sua aparência diabólica. Em seu redor há uma série de medonhos personagens, e a seus pés surgem dois carneiros que simbolizam o mal ou até mesmo o próprio diabo.

Na parte inferior do fresco vemos a justiça, amarrada e incapaz de agir, enquanto na parte superior vemos a avareza, o orgulho e a vaidade. À esquerda aparecem personagens com uma funesta aparência, um segura em braços um híbrido entre um carneiro e um réptil, que simboliza o sobrenatural, sentada ao seu lado está a heresia, representada por uma espécie de feiticeiro ou vidente.


No mau governo a prosperidade dos cidadãos desaparece e estes apenas procuram sobreviver. Nessas ocasiões, os homens como que já não pressentem nada de infinito em si, tudo se resume a conseguir chegar vivo ao fim de cada dia.
A ganância, a sede de poder e a crueldade destroem toda a beleza existente, sendo que nesse triste mundo não há lugar para jardins.

As plantas não existem, as árvores estão queimadas, as flores secam e frutos não há, tudo está envolto numa atmosfera de finitude, em lado algum há um menor vislumbre de infinito.

Essa devastação resultante do mau governo é a mesma que vemos todos os dias nas TV’s e nos jornais, quando nos dão imagens das guerras que assolam o mundo. A total inexistência de jardins em sítios destruídos por conflitos armados, é mais uma das terríveis consequências da barbárie.


Um jardim, é a máxima expressão de paz e prosperidade, é um símbolo de que a humanidade acredita ter em si qualquer coisa de divino, é um sinal que os homens crêem que a vida não se esgota nos seus aspectos físicos, mas que há algo na humanidade que aspira a uma beleza infinita.

Não existindo jardins, mãos atentas não regarão as flores e braços cuidadosos não colherão os frutos. As consequências dos maus governos e das barbáries que lhe são subsequentes é o silenciamento das raízes sob a terra, ou seja, a inexistência de beleza.

No painel do inferno de Bosch que faz parte do seu tríptico “O Jardim das Delícias Terrenas”, podemos observar que somente umas quantas árvores permanecem de pé, e também ver paisagens onde não há o menor vestígio de vegetação, quanto mais de um jardim.


Em síntese, a ausência ou destruição de jardins é um dos mais claros sinais de má governança, e de que onde deviam reinar a paz, a prosperidade e a fertilidade criativa, reinam antes as estéreis tirania, avareza, orgulho e vaidade.

Dizíamos no início deste texto que esterilidade é um possível antónimo para criatividade, e que finitude seria outro. Poderíamos agora dizer que jardim é um possível sinónimo de criatividade, e que infinito poderia ser um outro e, já agora, por que não também arte.

Durante séculos os nobres, reis e príncipes eram os únicos a poderem permitir-se erguer jardins. Mandavam então que neles fossem colocadas estátuas de heróis, de deuses mitológicos ou gente de altíssima importância, assim demonstravam os grandes senhores o seu imenso poder. É isso que sucede, por exemplo, nos jardins dos palácios de Versalhes ou de Queluz.


Depois foram surgindo pelo mundo os jardins botânicos, cuja intenção era sobretudo pedagógica e didáctica. No entanto, actualmente os tempos são outros, e em sítios onde reina a paz e a boa governança, os jardins que se constroem são perfeitos exemplos do encontro de infinitudes, ou seja, a infinita criatividade divina que se manifesta na natureza, e a infinita criatividade humana que se revela na arte.

Não por acaso, é em jardins, que muitas das obras de arte mais criativas do nosso tempo gostam de estar.


Um dos melhores locais que existem, para que alunos em idade escolar possam crescer e aprender são os jardins e, sobretudo, aqueles onde existem obras de arte cuja criatividade é explícita.

É bom visitar um jardim histórico, que fique junto a um palácio ou a uma casa senhorial. Também é óptimo visitar um jardim botânico onde se possa observar as imensas espécies existentes e saber mais sobre biologia. Melhor do que tudo isso, é visitar um jardim onde se encontram obras de arte moderna e contemporânea. Mas esse é assunto que desenvolveremos num próximo texto, pois este já vai longo…
(continua, em breve neste blog, a 3ª parte)

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