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A menina dança?





Aqui há umas poucas semanas, o jornal Público publicou uma reportagem intitulada “Como uma escola no Beato encontrou o seu futuro na dança e na música”. Quem for assinante do Público, poderá lê-la acedendo ao seguinte “link":

https://www.publico.pt/2022/05/29/culturaipsilon/reportagem/escola-beato-encontrou-futuro-danca-musica-2008156

Transcrevemos o início da reportagem: “Há oito anos, a Escola Luís António Verney, no Beato, em Lisboa, decidiu transformar-se para combater o insucesso e abandono escolar. Tornou-se uma escola de ensino artístico especializado de música e de dança. Oito anos depois, tem os seus primeiros finalistas. Um sucesso escolar, social, comunitário”.

Para este “milagre” educativo, contribuiu também uma das mais prestigiadas instituições portuguesas na área da dança contemporânea: O Espaço do Tempo. A propósito desse projeto, lemos no site O Espaço do Tempo o seguinte mote: “A escola também é fora da escola”. Nesse mesmo âmbito, lemos também um texto do qual retirámos o excerto abaixo:

“Tudo começou há 6 anos atrás, quando a escola, situada num bairro desfavorecido na zona oriental de Lisboa, arrancou com o ensino integrado da dança, seguindo o exemplo da música. Passados estes anos, esta é uma escola que dança e oferece esta oportunidade única de ensino artístico na EB2/3 e agora no Secundário! Uma história de dedicação de uma direção e corpo docente que acreditou num projeto que muitos julgaram utópico, mas que hoje é uma realidade”.

Em resumo, houve uma escola pública que decidiu arriscar tudo num projeto completamente diferente e obteve um enorme sucesso. Um sucesso nos resultados académicos dos alunos, mas igualmente um sucesso que se estende à comunidade envolvente ao proporcionar uma maior integração social e uma efetiva diminuição de potenciais riscos de exclusão e marginalidade.

Foram recentemente divulgados os dados do Índice de Competitividade Mundial de 2022, que integra 63 países. A produtividade calcula-se dividindo o PIB de um país pelo número de horas trabalhadas pela sua população. Ao contrário do expectável, nos últimos dez anos, a produtividade em Portugal não só não aumentou, como divergiu negativamente da média europeia. Significa isto que, por comparação com outros países e relativamente ao que sucedia há dez anos, atualmente trabalhamos mais tempo para produzirmos menos. 

Em conclusão, ao invés de caminharmos para um tempo novo, cada vez perdemos mais tempo.

Analisando mais pormenorizadamente os números, de uma coisa podemos estar certos, a escola pública conseguiu nos últimos dez anos combater com sucesso o antes “eterno” problema do abandono escolar, razão pela qual, segundo os já referidos dados do Índice de Competitividade Mundial 2022, a escolaridade e a formação média dos portugueses aumentaram muito mais do que a produtividade. Não é difícil de perceber, que para tal, em muito terão contribuído os inúmeros projetos inovadores que muitas escolas arriscaram colocar em prática.

Segundo o “Talent Shortage Survey 2022”, Portugal é o 2.º pior país do Mundo na capacidade de contratação de talento.

O que é o talento? O talento é a capacidade de expressarmos no que fazemos o melhor que há em cada um de nós. Há talento num bom sapateiro, assim como há talento num grande artista. Há talento em saber bem amanhar o peixe, assim como há talento num cirurgião. Bem sabemos que são talentos de complexidade diversa, todavia, quando alguém consegue expressar o melhor de si no que faz, a isso chama-se talento.

Aqui chegados, cumpre-nos colocar uma questão: Se a escola conseguiu aumentar a qualificação média dos portugueses e, por consequência, fazer com que potencialmente tenhamos mais talentos, qual a razão desse talento não resultar em maior produtividade? 

Os estudos indicam-nos que uma das razões prende-se com o facto de parte significativa desse talento emigrar. Sabemos também pelos estudos, que a partida do talento para outros países, não se deve exclusivamente a motivações económicas, deve-se também ao facto de em Portugal quase nunca o tempo ser favorável a que novos talentos se expressem.

Para os novos talentos, o tempo português não é de veraneio, há frequentes aguaceiros, trovoadas e súbitas rajadas de vento frio.

Um talento para se consolidar, precisa de experimentar diferentes soluções, de procurar múltiplas perspectivas, de explorar e de inventar, o mesmo é dizer, não há talento que se afirme sem antes ter corrido riscos. Arriscar implica falhar, errar, voltar a experimentar e ter de refazer. Arriscar implica também expormo-nos ao olhar dos outros, às críticas e, eventualmente, até a cairmos no ridículo. 

Segundo as melhores investigações sociológicas, em Portugal há uma cultura instalada que nos inibe de correr riscos e que não nos incentiva minimamente a expormo-nos. 

Genericamente, não apreciarmos experiências e preferirmos a segurança de fazer como sempre se fez, daí o clima pouco favorável aos novos talentos. Receia-se que ao arriscar-se erremos e possamos ser alvo de críticas e de más línguas. Foge-se como diabo da cruz da mera possibilidade de eventualmente fazermos uma triste figura. Consequentemente, somos pouco dados a riscos, o que faz com que muitas vezes inibamos os outros e acabemos por também nem sequer tentar expressar o melhor que há em cada um de nós: o nosso talento. 

E é assim que ano após ano vamos perdendo produtividade e deixando que os nossos talentos emigrem ou se inibam. Se alguém arrisca um passo mais ousado, logo lhe fazemos sentir que não invente, que não se meta em trabalhos e aventuras, pois que aqui o melhor é não levantar ondas e ir dançando conforme a música. O problema é que os anos passam e roda o disco e toca o mesmo.

Ponhamos a nossa esperança de um país melhor na escola do futuro (que em muitos casos já é do presente), pois será esta quem pode proporcionar um espaço e um tempo solarengo e favorável a que cada um aprenda a expressar o seu talento sem receios, ou seja, aprenda a dançar, a experimentar, a rodopiar, a errar, a tropeçar, a levantar-se e voltar a bailar.

Em 1970 Ruy Belo compôs um poema em que dizia “O Portugal futuro é um país aonde o puro pássaro é possível”.


Dizia  ainda que o Portugal futuro é um país em que “À sombra dos plátanos as crianças dançarão e na avenida que houver à beira-mar pode o tempo mudar será verão”. 




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