Ao passearmos pela Avenida de Roma em Lisboa, deparamo-nos com umas figuras escultóricas que encimam a porta de entrada de diversos prédios. Essas figuras são conhecidas na gíria popular como “As Entaladas”.
As figuras escultóricas ganharam esse nome porque foram colocadas num espaço exíguo onde parecem sentir-se desconfortáveis. As posições em que se encontram, ou seja, agachadas, contorcidas, enroladas ou de cabeça para baixo, reforçam a sensação de aperto e de asfixia.
“As Entaladas” correspondem ao espírito da época, os anos 50 do século XX. Nessa tempo, Lisboa (como o resto do país) era uma cidade feita de espaços de frustração, claustrofóbicos e sem saídas.
Quando nos dedicamos a ler blogues sobre educação, sobretudo as caixas de comentários, assalta-nos a sensação de que a classe docente se sente “entalada” entre carreiras que não atam nem desatam, relatórios sobre relatórios, indisciplina, “rankings”, projetos, reuniões, novos programas, exames, concursos…
Não é de admirar que poucos queiram ir para professores. Com efeito, ninguém no seu juízo perfeito deseja passar uma vida inteira “entalado”, a contorcer-se, a fazer o pino e a sentir-se enclausurado por mil e uma coisas que obstruem o horizonte e impedem que se consiga ver mais longe.
E no entanto, não haverá outra profissão no mundo onde seja tão necessário ter vastos horizontes de esperança e de futuro como a de professor.
Em finais dos anos 50 do século XX, uma moderna geração de arquitetos portugueses decidiu romper com o estilo pesado, tradicional, decorativo e pouco arejado que até então vingava. Num dos seus primeiros manifestos escritos, atiraram-se às “Entaladas” e a tudo o que estas significavam.
O Movimento Moderno, como então foi batizado, decidiu inventar espaços com vistas desafogadas pelos quais a luz entrasse e o olhar pudesse viajar quase como se houvesse uma ausência de paredes.
Em determinado momento podemos ler o seguinte:
“…a escola tem de ser um lugar feliz, com um ambiente alegre onde a criança se sinta particularmente bem, e que, assim se dá especial atenção à envolvente natural, arborizada e ajardinada, e aos próprios edifícios, no seu organigrama funcional e espacial, desenho, proporções, abertura ao exterior e à luz natural…”
Um dos edifícios com mais extensas vistas que conhecemos é o Panorâmico de Monsanto. Em tempos idos foi um moderno e prestigiado restaurante. Hoje em dia é uma pré-ruína. Todavia, merece uma longa e demorada visita. Reinventou-se como galeria de arte urbana.
Que melhor metáfora para a atual situação da classe docente, do que o Panorâmico de Monsanto: outrora um local prestigiado, depois abandonado, sujeito às agruras do tempo e a atos de vandalismo, ainda assim, mesmo que em estado pré-ruinoso, manteve-se dignamente de pé e reinventou-se. Conseguiu-o, porque mesmo tendo sido vítima de muitas malfeitorias e intempéries, houve algo que jamais perdeu, vistas largas e desafogadas.
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