A Professora Anita aprecia passar uns diazitos de férias nas termas ao invés de ir para a praia. A praia é demasiado concorrida e ruidosa para o seu gosto, e, para além disso, o permanente ir e vir das ondas do mar, todo aquele horizonte sem fim à vista e a areia a enfiar-se-lhe pela roupa e pelos pés adentro põe-lhe os nervos em franja. A praia é uma estafa e estafada já ela anda o ano inteiro com a escola.
A Professora Anita gosta da previsibilidade das termas e da sua organização impecável. Uma organização cujas práticas foram instituídas aquando da abertura do estabelecimento termal no século XIX. Claro que neste entretanto foram introduzidas algumas comodidades modernas, como por exemplo, a luz eléctrica e mais recentemente o Wi-Fi. Todavia, o essencial mantém-se inalterado.
Cada visitante tem reservada a sua própria espreguiçadeira cuidadosamente colocada de modo a não estar demasiado próxima das restantes. A mesa de refeição é sempre a mesma, sendo a alimentação saudável e confecionada sem gorduras nem temperos que eventualmente possam provocar alguma indesejável movimentação estomacal ou uma ainda mais indesejável convulsão intestinal. Os banhos, tal como todas as restantes atividades, estão atempadamente planeados de acordo com um rigoroso horário afixado num placar junto ao serviço de recepção. Acresce a tudo isto, que as gentes são pessoas simples, de trato respeitoso e dirigem-se sempre a si por Senhora Professora Anita. Em síntese, nas termas há respeito, regras, sossego e tudo se faz como sempre se fez: um paraíso.
Numa dessas lindas manhãs termais, repousada após um reparador sono, preparava-se a Professora Anita para iniciar a refeição mais importante do dia, o pequeno almoço claro está, quando se aproximou da sua mesa de repasto um senhor bem apessoado e cortês, ainda que com um ar um tanto ou quanto mais para o solto. Perguntou se lhe podia fazer companhia. Sem grande entusiasmo, apenas por boa educação, a Professora Anita assentiu movendo a cabeça num leve gesto afirmativo. Feitas as primeiras apresentações, trocaram algumas informações sobre quem cada um deles era, donde vinha e como ganhava a vida.
Veio a revelar-se que o homem, de seu nome Cunha da Silva, era funcionário de uma editora de manuais escolares. Traçava as orientações pedagógicas dos livros e percorria as escolas do país de lés a lés para realizar palestras e ações de divulgação. Apesar de não ter um ordenado fixo, entre despesas de representação e comissões, o Cunha dispunha de um muito razoável rendimento mensal.
No início de vida tinha sido professor, ainda que somente durante uns meses, apesar de gostar da profissão, não quis continuar pois ganhava-se pouco. Contudo, esse breve currículo docente, foi providencial para concorrer a uma editora, ser imediatamente contratado como especialista em pedagogia, e ter feito uma carreira.
Terminado o pequeno almoço, passaram à sala de estar, onde acomodados num florido sofá de veludo, continuaram a sua conversa. Apesar de curiosa, a Professora Anita estava levemente desconfortável com o que parecia ser a vida pouca regrada do homem. Com efeito, para além de não ter um ordenado fixo e de andar sabe-se lá por que escolas deste país, durante o pequeno almoço, o Cunha não tocou nem na fruta da época, nem nos lacticínios e nem sequer na deliciosa compota caseira. Como se isso já não fosse suficientemente mau, em completo jejum, bebeu não um, mas sim dois cafés. Ainda bem que neste estabelecimento termal o tabaco era proibido, pois caso contrário, ainda era capaz de se pôr a fumar. Em conclusão, o interesse da Professora Anita tinha sido desperto, todavia, estava de pé atrás pois suspeitava que o Cunha fosse um aventureiro.
A sua suspeita como que se confirmou quando o homem, assim do nada, a convida para ir à praia. Sugeriu-lhe que se metessem no carro, e em uma hora, hora e meia, estavam junto ao mar. Poderiam almoçar num restaurante de praia muito afamado pelo seu peixe fresco e lá mais para o fim do dia, ao sunset, bebiam um cocktail num Beach-Bar. Afiançou-lhe que não necessitava de se ralar com os gastos, que isso era tudo por conta das despesas de representação. Feitas as contas, ela é professora e, por consequência, as despesas eram perfeitamente legítimas.
A Professora Anita quase teve uma apoplexia. Respirou fundo, conteve-se, e recusou veementemente o convite. O Cunha insistiu. Já mais calma e refeita da surpresa, a Professora Anita já não foi tão veemente e justificou-se. Explicou que as praias trazem-lhe à memória a escola, ou seja, precisamente aquilo que quer esquecer durante as férias. Todo aquele frenesim da praia recorda-lhe o frenesim dos alunos, o ruído de fundo das conversas e dos sussurros que continuamente pairam no ar, a desarrumação das toalhas no areal lembra-lhe o desarrumo das carteiras com cadernos e lápis espalhados…Não, não, não, nada de pensar em escola, nada de praia.
O quão mais sossegadas são as termas! Ah…que maravilha esta paz.
Repentinamente, num gesto arrebatado, o Cunha pega no braço da Professora Anita e arrasta-a para o salão de baile (que ficava ali mesmo ao lado). Liga o sistema de som ao seu smartphone, ouvem-se os primeiros acordes de uma melodia, o Cunha saca sabe-se lá donde de um microfone e começa a cantar em estilo Karaoke o tema “Your Summer Dream” dos Beach Boys: Drive your car down to sea…
https://www.youtube.com/watch?v=2vYtvUC3Op4
E agora? Como será que vai reagir a Professora Anita? Fugirá a sete pés do Cunha da Silva? Irá a correr comprar um bikini? Precisará urgentemente de um chá calmante? As respostas a tudo isto e a muito mais surgirão no próximo capítulo deste fascinante folhetim de verão.
(continua)
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