Hoje inauguramos uma nova função para este blog: a de conselheiro sentimental. Imaginemos uma noite de luar. Um primeiro encontro entre uma Engenheira Astrofísica e um Professor de Literatura Greco-latina. Acerca de que poderão os dois conversar? Pouco ou nada ocorreu a cada um deles e o encontro encaminha-se para um cataclismo cósmico. Como poderemos nós evitar uma tal tragédia grega, e ajudar a que se entendam? Já vamos ver.
Há quem goste de compartimentar os saberes em disciplinas estanques. Há até quem contraponha as humanidades às ciências exatas. Será provavelmente por isso que os de ciências ostentam um certo desdém pelos de letras, e os de letras afirmam sem nenhum pudor nada perceber de ciências.
Trata-se de um imenso desencontro. Mas bastaria deitarmos os olhos para a terra, determo-nos num rosto humano ou levantarmos a vista para os céus, e imediatamente perceberíamos que os muitos infinitos de que é formado o universo do conhecimento, jamais poderão ser compartimentados em áreas disciplinares estanques.
Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã sabedoria humana pode imaginar, dizia, e bem, Shakespeare.
Talvez pudéssemos sugerir à nossa Engenheira Astrofísica e ao nosso Professor de Literatura Greco-latina uma visita a uma exposição ou a um museu. Talvez através da arte conseguissem conhecer-se e ficassem espantados ao perceber o quanto possuem em comum.
Há milénios atrás, Aristóteles ensinou-nos que o conhecimento nasce do espanto. Os homens encontram no espanto um motivo para se porem a pensar. No início, espantaram-se diante das mais simples coisas, como uma pedra ou um pau, e com isso inventaram o fogo. Depois, paulatinamente, espantaram-se perante fenómenos cada vez mais complexos e puseram-se a pensar em problemas como os movimentos da lua, do sol, das estrelas e a origem do universo.
Se o conhecimento nasce do espanto, não será a arte um dos mais eficazes métodos de o provocar? Olhemos por exemplo para o que nos diz o céu numa pintura.
É belo o mito antigo que se conta na pintura “O Nascimento da Via Láctea (1637)” de Peter Paul Rubens. Hércules era filho bastardo de Júpiter. Só poderia tornar-se imortal caso se alimentasse do leite de Juno, esposa de Júpiter. Um dia, enquanto Juno dormia, Hércules tentou beber do seu leite. Juno acordou sobressaltada e afastou-o bruscamente para longe de si. No atabalhoamento do momento, o seu leite espalhou-se pelos céus. O jacto que saiu disparado do peito da deusa dispersou-se numa miríade de estrelas, formando assim a Via Láctea.
Sabe-se que Peter Paul Rubens criou esta obra como uma alusão à Via Láctea conforme podia ser observada através de um telescópio, uma das grandes descobertas científicas do seu tempo. Sem a invenção do telescópio, a visão pictórica de Rubens nunca teria existido. Sem a visão de Rubens, nós não teríamos sabido da mesma forma de que matéria é feita a Via Láctea.
Vejamos um outro exemplo. Na mitologia romana, Diana era a deusa da caça e da lua. Diana era muito ciosa de sua castidade, consideravam-na a mais pura das deusas. Durante os muitos séculos que se seguiram à queda de Roma, a lua continuou a ser vista como formosa, alva, e pura. Razão pela qual, era um símbolo de perfeição. Isto, até ao século XVII, ou seja, precisamente até à invenção do telescópio. Com a invenção do telescópio e as subsequentes descobertas de Kepler, demonstrou-se que a lua era afinal impura, pois na sua superfície existiam abruptas montanhas, vales escuros e profundas crateras. Factos que tiveram imensas implicações culturais e políticas na sociedade da época.
Na mitologia grega, Calisto era uma ninfa. Seduzida por Zeus, Calisto procurou refúgio junto de Diana. Como Diana era casta e tinha falta de experiência, Calisto acabou por a envolver, fazendo assim com que perdesse a sua castidade.
Calisto é o nome que foi dado a uma lua de Júpiter descoberta em 7 de Janeiro de 1610 pelo telescópio de Galileu Galilei.
As investigações de Galileu Galilei, possibilitaram que Jean-Baptiste-Marie Pierre compusesse um século depois uma obra intitulada “Diana e Calisto”. Nessa pintura celebra-se uma descoberta científica e simultaneamente a ilustração simbólica do momento em que a Lua/Diana perdeu a sua pureza.
Em síntese, parece-nos que já aqui há matéria suficientemente sugestiva para que a nossa Engenheira Astrofísica e o nosso Professor de Literatura Greco-latina possam ter uma boa conversa transdisciplinar.
Talvez possamos dar mais uma ajuda com a música ambiente. Aqui vai:
Frank Sinatra em “Fly me to the Moon”
Óptimo texto, mais um 🙂
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