A Professora Anita acabou por declinar ir de visita ao quarto do Cunha da Silva. Se bem que não se pensasse a si mesma como sendo uma pessoa tradicional, também não se sentia assim muito à vontade com costumes tão liberais. A bem dizer, conhecia o Cunha há apenas dois dias e, por consequência, não lhe parecia adequado ir ao quarto particular de uma tão recente relação. Mais a mais, para ir ver um manual digital. Quem é que convida alguém para o seu quarto com o pretexto de ir ver um manual digital?! Nunca na história da humanidade tal coisa deve ter sucedido.
Ou sim… Se calhar o Cunha já usou esse pretexto com outras professoras. Afinal de contas, o homem anda pelo país inteiro a promover livros, deve dormir fora com frequência e oportunidades para isso não lhe hão de faltar. Há por aí professoras com a mania que são modernas, a Professora Anita conhece-as bem, ó se as conhece. Falam-lhes em manuais digitas e elas ficam logo todas acesas. Deve ser com essas que o Cunha está habituado a lidar, com lambisgóias que vão logo aos saltos e a correr quando ele as convida para ir ver um manual digital.
O Cunha que não se confunda, a Professora Anita não é uma dessas oferecidas.
Se o Cunha porventura se atrever a sugerir-lhe novamente uma visita ao seu quarto, era bom que fosse para lhe mostrar um manual em formato papel. Ou isso ou então temos o caldo entornado. Quem julgava ele que ela era? Alguma lambisgóia dessas com que ele se dava?
Ela não era dessas que se deixava levar por cantigas, era o que mais faltava. Qual manual digital, qual carapuça, jamais, é demasiada modernice. Por muito boa e útil que tivesse sido a sua formação de capacitação digital, para tanto não a tinha preparado.
Nessa noite, a Professora Anita dormiu mal. Pessimamente. O seu sono foi intermitente. Ora acordava com calor. Ora acordava com frio. Ora acordava pura e simplesmente.
Já a madrugada ia alta, quando se pôs a pensar e lhe ocorreu uma ideia genial. E se em vez de estar a matutar noite fora sobre o Cunha, lhe fizesse um teste para avaliar as suas reais intenções. Ou seja, e se, em vez de confiar na sua intuição e no que conhecia do Cunha, usasse antes um método mais rigoroso, a saber, um teste.
Se bem o pensou, melhor o fez e imediatamente deitou mãos à obra. Assim como assim, estava com a espertina e não valia sequer a pena tentar adormecer. Chegados os primeiros alvores da manhã, o teste estava pronto. A Professora Anita tinha consultado a bibliografia em dezenas de sites e tinha composto um teste com meia-dúzia de exercícios infalíveis, ou seja, daqueles que não falham. Completado o trabalho, adormeceu.
Mais tarde do que habitualmente, a Professora Anita desceu à sala de refeições para tomar o pequeno-almoço. Imediatamente deu de caras com o Cunha, que bebia o seu primeiro café. Sentou-se e deu-lhe a saudação. Sem mais delongas, a Professora Anita anunciou-lhe que hoje havia teste. A princípio o Cunha não percebeu, depois compreendeu. A Professora Anita tinha-lhe preparado um teste surpresa. O teste estava dividido por três dias. Em cada um deles seriam aplicados dois exercícios, um pela manhã, outro pela tarde.
O primeiro item da avaliação era sobre fiabilidade. Um estudo da Universidade da Flórida concluiu que os homens mais atraentes só são fiáveis a curto prazo, enquanto os homens “normais” são-no a longo prazo. Assim sendo, para determinarmos o grau de fiabilidade do Cunha, teríamos de avaliar primeiro se era um homem atraente ou um homem normal.
O exercício consistia no seguinte: o Cunha atravessaria a alameda do jardim da estância termal, enquanto isso, a Professora Anita permaneceria no átrio exterior, que serviria como posto de observação. Daí contabilizaria quantas mulheres olhariam para ele à sua passagem.
Verificaram que naquela manhã estavam sentadas ao longo da Alameda nas suas espreguiçadeiras dezassete mulheres. A métrica estabelecida foi a de que, se pelo menos treze mulheres levantassem a cabeça à sua passagem, o Cunha era um homem atraente, caso não chegasse a esse número, era um homem normal.
O Cunha iniciou a sua caminhada e conforme ia andando, verificou que todas as senhoras já tinham uma certa idade e que parte delas tinha até uma idade bastante avançada. Nenhuma delas fez qualquer movimento à sua passagem, excepto uma velhota que o chamou para lhe mostrar uma fotografia do seu netinho.
O Cunha voltou para junta da Professora Anita, que irradiava contentamento e lhe deu imediatamente o seu Feedback: não és minimamente atraente, portanto, és fiável a longo prazo. Neste primeiro exercício tiveste 15 valores numa escala de 0 a 20. Não te vou dar uma nota muito alta logo de início para não te deitares à sombra da bananeira. Parabéns.
Almoçaram tranquilamente e lá pelo meio da tarde, mais pela fresquinha, passaram ao segundo exercício. Desta vez, o item a ser avaliado era o sentido de humor. Uma pesquisa da revista científica Evolutionary Psychology, atestou que o riso “pode ser um caminho para desenvolver uma relação mais duradoura”.
O exercício consistia no seguinte: o Cunha teria inventar um trava-línguas que fizesse rir a Professora Anita. Tinha quinze minutos para se preparar e mais cinco de tolerância, caso necessitasse.
Passado o tempo, o Cunha apareceu com o seguinte trava-línguas: à porta da Escola Politécnica estava um politécnico à espera de uma politécnica a conversar politecnicamente…
A Professora Anita nem um sorriso esboçou. Atribui um seco 6 de nota, sem outro comentário. O Cunha percebendo que tinha falhado, argumentou que a avaliação devia ser continua, que os testes não são tudo e que ainda hoje ao almoço se tinham rido bastante. A Professora Anita respondeu-lhe que durante ao almoço não estava a fazer teste e retirou-se com um ar ofendido para os seus aposentos.
E agora? Como será que vai reagir a Professora Anita? Estará o Cunha chumbado? Completará os restantes exercícios do teste? Optará a Professora Anita por uma avaliação contínua? As respostas a tudo isto e a muito mais surgirão no terceiro capítulo deste fascinante folhetim de verão.
(continua)
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