O Esteves chegou ao estabelecimento termal e vinha esfuziante. A Professora Anita tinha-o convidado para passar as férias grandes consigo! Nem nos seus melhores sonhos se tinha atrevido a esperar tanto. Durante os últimos anos, o Esteves tinha repetidamente convidado a Professora Anita para ir a um concerto, a um cinema ou a um restaurante. A resposta tinha sido sempre um desdenhoso não. Muitas vezes até se tinha rido dele, e agora, subitamente, este convite! A sua sorte tinha finalmente mudado, olá se tinha, pensou o Esteves de si para consigo.
O Esteves chegou de jipe e com grande alarde. A potência e solidez da viatura dava nas vistas. O Esteves também dava nas vistas, só que não exatamente pelas mesmas razões. Vinha com uma indumentária estival em tons coloridos por onde abundavam os motivos marítimos. Quer o polo que envergava, quer os calções, tinham desenhados pequenos bordados com cordas de marinheiro, veleiros, âncoras e cachalotes. Os sapatos de vela sem meias davam o toque final a todo o ensemble. A Professora Anita recebeu-o de braços abertos e elogiou imensamente o seu bom gosto no vestir e no calçar.
A Professora Anita tinha cometido um erro de apreciação. Sempre pensou que o Esteves não fosse dado a luxos e sofisticações, e afinal o homem ficou mal impressionado com o quarto que ela lhe tinha reservado. Está bem que a cave era um bocado acanhada, mas fora isso, era bastante agradável e tinha poliban e facilidades sanitárias. Que mais queria o Esteves? Como se ele fosse um homem alto e entroncado e precisasse assim tanto de espaço.
A Professora Anita pensou para consigo, raio dos homens que a gente nunca sabe o que lhes vai pela cabeça. Ao pensar em homens, lembrou-se do Cunha. O Cunha sim, esse sim era um tipo alto e entroncado. Esse sim precisa de espaços generosos. Esse sim…
Já se estava a deixar enlevar, quando repentinamente lhe veio à lembrança as arrelias que o Cunha lhe tinha causado. O Cunha, essa cavalgadura. Esse sim precisa de levar uma senhora lição. Esse sim, que esteja descansado pois vai ser cá a Professora Anita a dar-lhe o arroz. Não perde pela demora. Era para isso que o Esteves aqui estava, para ser o instrumento da sua vingança.
Mas afinal quem é o Esteves? Vale a pena apresentá-lo com mais detalhe. A Professora Anita referia-se frequentemente ao Esteves como colega, contudo, ele não era professor. O Esteves era um empreendedor, sócio de uma empresa de sucesso especializada na manutenção de hardware e criação de software. Porém, o Esteves pouco ou nada percebia de hardware e ainda menos de software. A bem dizer, percebia pouco ou nada de tudo, mas a essa parte já lá vamos.
Algures há uns vinte e tal anos, uns rapazes recém licenciados com boas ideias e profundos conhecimentos tecnológicos, formaram uma empresa inovadora na área do hardware e do software. Faltava-lhes capital para se expandirem e foi por essa porta que o Esteves entrou na empresa.
O pai do Esteves não via que destino dar ao filho já com vinte anos. O investimento que tinha feito na sua educação proporcionando-lhe a frequência de boas escolas privadas, tinha dado em nada. Só com muita dificuldade conseguiu concluir a escolaridade obrigatória. Por outro lado, também não se lhe via particular habilidade ou iniciativa fosse no que fosse. Assim, ao saber desta oportunidade, o pai do Esteves ofereceu-se imediatamente para conseguir financiamento para o projeto, isto, desde momento que o filho fosse admitido como sócio. E assim foi. Com o passar do tempo a empresa prosperou e o Esteves tornou-se um empresário de sucesso. Apesar das suas modestas habilitações académicas, o certo é que hoje em dia toda a vizinhança se refere ao Esteves como "o engenheiro". Se isso não é um sinal de sucesso, é difícil dizer-se o que possa ser.
Se o pai tratou do futuro profissional do Esteves, a mãe encarregou-se do seu futuro familiar. Procurou entre as filhas casadoiras das suas amigas e conhecidas, qual delas poderia ser o melhor partido para o seu rebento. Acabou por descobrir uma moça atinada, obediente e razoavelmente jeitosa, a quem a ideia não pareceu despropositada. Cumpridos os tempos regulamentares para o namoro e respetivo noivado, o Esteves casou com a Celinha numa linda cerimónia religiosa.
Nos primeiros tempos, a coisa correu relativamente bem, todavia, o Esteves estava muito habituado a que o pai lhe facilitasse a vida e a que a mamã lhe satisfizesse todos os seus caprichos, lhe aturasse as birras e lhe desse miminhos. Como seria de esperar, passados uns poucos anos, a Celinha começou a não estar pelos ajustes, foi perdendo a paciência para lhe aturar as manias e um dia pôs-se ao fresco. Pegou nas suas coisinhas e ala que se faz tarde.
O Esteves ficou prostrado e até emagreceu. Enviou-lhe mil e uma mensagens, todas sem resposta. Que se matava, que se ia atirar da ponte, para debaixo de um comboio, dar um tiro, enforcar-se e trinta-por-uma-linha. Passadas umas semanas disto, a Celinha lá lhe respondeu de volta, dizendo-lhe que se decidisse. Que se atirasse da ponte, para debaixo de um comboio ou que se enforcasse. Por ela, fizesse o que entendesse, desde que lhe desamparasse a loja de uma vez por todas. Foi o fim. A partir daí, o Esteves nunca mais a viu nem soube nada da Celinha.
A nível profissional, a vida também não lhe corria de feição. É certo que auferia de bons rendimentos e que lá na rua todos o chamavam engenheiro, no entanto, os seus sócios não lhe ligavam patavina. Pior do que isso, nenhum funcionário da empresa lhe ligava fosse o que fosse. Por vezes, chegava mesmo a desconfiar que se divertiam às suas custas. Para ali andava sem nada que fazer. Claro que ele não percebia nada de hardware, nem de software, nem de contabilidade, nem de coisíssima nenhuma, mas isso não era razão para não aproveitassem as suas qualidades. Que qualidades seriam essas? Isso é que ninguém sabia, nem sequer o próprio Esteves. Mas que as tinha, tinha-as. Toda a gente tem qualidades, essa é que é essa.
O impasse a que a vida pessoal e profissional do Esteves tinha chegado, resolveu-se num só golpe de mágica. O Agrupamento de Escolas situado nas redondezas da empresa de que o Esteves era sócio, assinou um protocolo com esta última para que fizesse a manutenção do hardware dos computadores, produzisse software didático e proporcionasse aulas de sensibilização e introdução às novas tecnologias aos alunos. Para o Esteves, foi como se lhe tivesse saído a sorte grande.
Como o resto de pessoal era necessário na empresa e não tinha tempo a perder, coube ao Esteves leccionar as aulas de sensibilização e introdução às novas tecnologias. Sentia-se feliz. Tinha a semana toda ocupada e nas escolas recebiam-no como se fosse um deus que se dignava a partilhar os seus avançados conhecimentos com uma população docente e discente ávida de modernidade e tecnologia.
Foi nesse contexto que conheceu a Professora Anita. Na escola todos o tratavam por Sr.° Engenheiro, até que numa luminosa manhã, surgiu a Professora Anita e começou a dirigir-se a ele umas vezes como colega, outras vezes como colega Esteves. Aquilo embeveceu-o.
Claro que a Professora Anita tinha outros atributos que também o embeveciam, mas os seus “ó colega” e os seus “ó colega Esteves”, foram a pedra de toque do seu encantamento. Nunca na vida ninguém o tinha chamado colega, nem na escola, nem na empresa, nem em sítio nenhum. Finalmente, era um colega.
E agora que já conhecemos o Esteves, o que pensar? Será o Esteves o instrumento de vingança de que a Professora Anita necessita? Estará o Cunha em risco? Terá o Esteves trazido outra indumentária? As respostas a tudo isto e a muito mais surgirão no sexto capítulo deste fascinante folhetim de verão.
(continua)
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