Na manhã seguinte, a Professora Anita e o Esteves tomaram o pequeno almoço na companhia um do outro. Enquanto pausadamente ingeria a sua refeição, a Professora Anita ia simultaneamente percorrendo com o olhar toda a sala à procura do Cunha. O seu olhar movia-se com a agitação de um holofote, mas não o avistava em lugar algum.
O Esteves perorava sobre as diferenças de preço e qualidade entre o estabelecimento termal e outros hotéis onde anteriormente tinha pernoitado. Para ele, o Ritz de Monte Carlo era o melhor. As suites eram um luxo, nem mais nem menos que um luxo. A Professora Anita estava concentrada nas suas ânsias, dedicando-lhe apenas uma atenção dispersa e longínqua.
Nisto, o Cunha entrou na sala. Imediatamente a Professora Anita se retesou, olhou para o seu lado e compôs uma pose como se estivesse completamente imersa nas palavras do Esteves. O homem sentiu-se incentivado e redobrou as suas odes às qualidades do Ritz de Monte Carlo. E as tapeçarias do salão de festas? Como aquelas não havia iguais, isso não havia. Eram cá de um chique. E as vistas que tinha? Divinais, pura e simplesmente divinais. Pelo canto da vista, a Professora Anita observou que o Cunha vinha acompanhado. Outra vez a pindérica. Quem seria? Tinha de descobrir.
A Professora Anita não necessitou de esperar muito para que a sua curiosidade fosse satisfeita. Estava o Esteves numa pormenorizada descrição dos mármores italianos que adornavam os lavabos do Ritz de Monte Carlo, quando o Cunha e a sua companhia pararam mesmo junto à mesa onde se encontrava sentado com a Professora Anita.
O Esteves mudou subitamente de cor. Balbuciou algo de incompreensível. Parecia paralisado. O Cunha abanou-o levemente e disse-lhe: que é isso homem? Parece que viu o senhorio!
Passados uns bons segundos, o Esteves lá conseguiu articular o seu balbuciar e o que lhe saiu da sua boca foi "Celinha". A pindérica era a Celinha. A mulher que a mãezinha do Esteves tinha selecionado para sua esposa. Essa mesma Celinha que o tinha deixado pendurado e de quem nunca nada mais soube. A Celinha…
Recomposto da comoção, foram feitas as protocolares apresentações. Na verdade, também o Cunha e o Esteves se conheciam. Aqui há uns tempos, o Esteves tinha escrito um manual escolar para as suas aulas de Sensibilização e introdução às tecnologias e tinha sido a editora onde o Cunha trabalhava que o tinha publicado. Em síntese, todos se conheciam, exceto a Celinha e a Professora Anita. A Celinha cumprimentou-a com um amigável olá, a Professora Anita respondeu-lhe com um muito formal e seco: como está? Acrescentou ainda: Zezinha, foi o que disse? Ai não, ai é Celinha. Celinha pois claro, estou a ver.
O desejo de vingança da Professora Anita era ardente e o seu plano era maquiavélico. O Esteves iria ser o seu instrumento para se vingar do Cunha. Perante, a rocambolesca coincidência que foi a presença da Celinha, sucederam duas coisas: o seu desejo de vingança intensificou-se e o seu plano foi imediatamente posto em prática sem mais delongas. Dirigiu-se aos presentes e perguntou-lhes se porventura não quereriam tomar um café. O Cunha e o Esteves disseram que sim. A Professora Anita dispôs-se a ir buscar os cafés e, sorrateiramente, deitou um pó branco em cada uma das chávenas.
Uma vez já plenamente recomposto da surpresa, e com o café já tomado, o Esteves propôs que fizessem uma caminhada pelo jardim circundante. Num primeiro momento todos concordaram com o passeio. Num segundo momento, a Professora Anita disse que não tinha calçado para caminhadas e que ficaria pela sala de estar a repousar-se e a ver o tempo passar. Num terceiro momento, o Cunha ofereceu-se para lhe fazer companhia. A Professora Anita encolheu os ombros em sinal de desinteresse pela oferta de companhia. Num quarto momento, entrelaçou o seu braço com o braço do Cunha e seguiu para a sala de estar levando-o com ela. Em resumo, restaram apenas a Celinha e o Esteves para a peregrinação ao jardim.
O Esteves e a Celinha não foram muito longe, ficaram-se logo pelo primeiro banco de jardim com que se depararam. O Esteves quis saber o que era feito da Celinha desde que o deixara. Tinha-se tornado massagista universal. Massajava os corpos de modo a convocar as energias positivas do universo e a afastar as forças maléficas. O Esteves não fazia a mais pequena ideia do que isso fosse, mas nem lhe quis perguntar nada não se assanhasse ela. Parecia muito diferente da moça atinada e obediente que a mãe lhe tinha recomendado. Por consequência, cautela e caldos de galinha, perguntou-lhe apenas se o negócio dava para as despesas. A Celinha respondeu-lhe que tinha dias.
Depois foi a Celinha a querer saber do Esteves. Que se ia matar, que não conseguia viver sem ela e agora via-o todo cheio de si como uma nova amiga. O Esteves respondeu-lhe que, feitas as contas, já tinham passados uns quantos anos desde que ela o tinha deixado. A Celinha retorquiu ser ele quem clamava que o seu amor por si era eterno e que jamais teria outra mulher até ao seu última suspiro. No entanto, ali estava ele com a Professora Anita. Ao que o Esteves respondeu assim: tu és a mulher da minha vida. A Professora Anita é a mulher dos meus sonhos.
A Celinha ficou parva com esta resposta. O Esteves que ela conhecia era mais para o atoleimado e a esse não lhe saíam respostas tão espirituosas. O próprio Esteves estava parvo. Donde é que aquilo lhe tinha vindo? A Celinha elogiou-lhe a tirada espirituosa: que lindas conversas tu tens agora, estás mais expedito, ó Esteves! Vai ele e responde-lhe que há dois tipos de homens, os que conversam com as mulheres para as levar para a cama, e os que as levam para a cama e depois têm de conversar com elas.
Com esta saída do Esteves ficaram os dois de cara à banda. A Celinha ficou impressionada e começou a magicar se não valeria a pena apostar no Esteves. A primeira vez não tinha corrido bem, mas quem sabe se à segunda a coisa não ia. Mais a mais, não se iludia com o Cunha. Via-se à légua que não era um homem de apegos. Quanto ao Esteves, ainda mais perplexo tinha ficado com o que ele próprio tinha dito. Mas donde raio é que aquelas palavras lhe tinham vindo?!
Neste entretanto, o Cunha e a Professora Anita permaneciam na sala de estar. A conversa do Cunha era chata como a potassa. Falava acerca de automóveis. De quantos cavalos tinha o motor, em quantos segundos a viatura ia dos zero aos cem, de caixas de velocidades, de jantes e de muitos outras temas de igual fascínio. Uma vez tendo terminado com o automóveis, a conversa do Cunha deteve-se sobre motos e motorizadas, seguidamente em tratores e outros veículos agrícolas. Fechou este capítulo discorrendo sobre velocípedes.
Mudou posteriormente a conversa para computadores e todos os seus acessórios. Falou também de castas de vinhos, quais os melhores planos de poupança reforma e de investimento, de grupos rock da sua juventude e ainda sobre todas as nuances e minudências do futebol nacional. O Cunha tinha-se transformado num catálogo ambulante da masculinidade tóxica.
A Professora Anita secava, mas também exultava. O seu plano tinha resultado. A substância que tinha colocado nos cafés fez o seu efeito: o Cunha e o Esteves tinham trocado de personalidade.
Na TV iniciava-se um James Bond. A canção do genérico rezava assim “…a spider's touch! Such a cold finger…”
https://www.youtube.com/watch?v=Tvl8KH6WBO8
E agora? Estaria o Cunha condenado a ser o Esteves? E a Celinha, voltaria para o Esteves? E a Professora Anita ? Onde terá arranjado tão perigosa substância? Terá negócios com o demo? Com os serviços de espionagem? As respostas a tudo isto e a muito mais surgirão no sexto capítulo deste fascinante folhetim de verão.
(continua)
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