Era assim que Godard, o mais inovador, iconoclasta e provocador de todos os cineastas vivos ou mortos, definia a essência do cinema: a girl and a gun. Fez o que queria, tornou-se imortal e depois morreu. Foi assim que no dia do seu desaparecimento, um título de jornal resumiu quem ele era numa só frase.
No nosso tempo vivemos completamente submersos por imagens. Uma criança dos dias de hoje, vê mais imagens num só dia, do que os homens de séculos antigos viam numa vida inteira. Até ao final do século XIX e à invenção da fotografia, as imagens eram coisas raras, frequentemente sagradas. Apenas as havia nas igrejas, nos palácios e nas casas de nobres ou de ricos mercadores.
Que efeitos terá na nossa consciência, na nossa condição humana, em síntese, em quem somos, o facto de estarmos constantemente rodeados por imagens desde a mais tenra idade? A resposta a isso, ainda ninguém a sabe, mas Godard foi um dos primeiros a lançar ao mundo essa interrogação. Os seus filmes são tentativas de lhe dar uma resposta.
"O cinema é a verdade vinte e quatro vezes por segundo", disse um dia Godard a propósito das películas terem vinte e quatro fotogramas por segundo. Sim, provavelmente sim. Saberíamos nós de verdade o que é Paris, se não tivéssemos visto Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg no filme “O Acossado” descer os Campos Elíseos ao som da música de Martial Solal? Não, provavelmente não saberíamos.
https://www.youtube.com/watch?v=SqOJaGM-wQg
L’ enfant terrible, talvez nunca tenha havido ninguém a quem esta expressão gaulesa assente tão bem, como a Godard. Em 1964, no filme “Band à part”, antecipando em muitos anos a pressa e correria com que atualmente consumimos imagens, filmou uma cena em que os personagens conseguem visitar todo o imenso Museu do Louvre no tempo recorde de 9 minutos e 43 segundos:
https://www.youtube.com/watch?v=8fBWBnqkglc
Ser ou não ser. Essa não é realmente a questão, dizia Godard. Claro que não é, concordamos nós. As questões que realmente nos interessam são outras: a mulher, o homem, a Itália, o cinema, a escultura grega, a cama, o beijo, a loucura, o mar, a ternura, a vingança, o amor, a obscuridade, a beleza…
… O Desprezo, um filme de
https://www.youtube.com/watch?v=2wjDWnKTROI
O filme da década de 80 “Je vous salue, Marie,” provocou uma enorme polémica, trazendo sobre si o peso do anátema e da excomunhão. Em Lisboa, no dia 30 de Junho de 1985, um grupo de enraivecidos defensores da moral e dos bons costumes tentou impedir que a Cinemateca o exibisse.
Neste entretanto, passaram-se quase quarenta anos e tudo mudou. Hoje as imagens, por escandalosas que sejam, já não provocam levantamentos populares nem comoções coletivas. Talvez estejamos anestesiados pelo seu excesso. Tenhamos esperança que, ao menos, ainda consigamos sentir a sua beleza.
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