Morreu um dos maiores fotógrafos de sempre, William Klein (Nova Iorque 1926 - Paris 2022). Foi um original e inovador fotógrafo de moda, mas foi sobretudo um grande retratista da vida urbana.
As ruas e avenidas das grandes urbes, nomeadamente as de Manhattan, são o seu grande tema, a matéria com qual compõe a sua poesia visual.
Ao longo do século XX, Nova Iorque foi continuamente povoando os nossos sonhos e pesadelos. Transformou para sempre a dimensão e estilo daquilo que tememos e daquilo com que sonhamos. Redefiniu a nossa ideia de beleza com as imagens de glamour vindas da moda, Wall Street ampliou imensamente o nosso conceito de o que é ser rico e dos esplendores e misérias que lhe andam associados, o cinema fez-nos acreditar em histórias de amor “Bigger than life” e, por fim, assombrou-nos com pesadelos a uma escala inimaginável em qualquer outro lugar, como aquele que ainda há poucos dias se assinalou, o 11 de setembro.
William Klein foi um dos que mais e melhor contribuíram para criar toda essa mitologia. Se alguém alguma vez quiser perceber de que é feita a lenda da qual se alimenta Nova Iorque, basta desfolhar o álbum fotográfico “Life is Good and Good for you in New York” para o entender. É apenas um exemplo entre muitos outros possíveis da sua imensa obra.
A cidade de Klein é feita de uma mistura “cool” de glamour e agressividade. Aquilo a que os nova-iorquinos chamam “Street-smart”, ou seja, a habilidade para nunca se deixar apanhar na curva, ter resposta pronta para tudo na ponta da língua, andar acordado de olhos bem abertos e, seja a direito ou por portas travessas, ir-se sempre safando.
Ao contrário da nossa lusitana pátria, Nova Iorque é uma cidade cujo cenário não é feita de gente cansada, acomodada e amedrontada com a vida. Os sonhos que sonham, nada têm a ver com ganhar o Euromilhões, nem com viver o resto da vida aposentado na tranquilidade bucólica de um paraíso rural ou numa arejada moradia com vista de mar. Nova Iorque sonha com outros cenários.
A Nova Iorque de William Klein é a cidade que nunca dorme, é feita de gente comum, plena de inquietude, energia e vitalidade. É feita de homens e mulheres sem sono, mas também de crianças. Crianças que não são frágeis como bibelots, mas que aprendem na rua a brincar aos índios e cowboys e aos polícias e ladrões.
Talvez só brincando aos índios e cowboys e aos polícias e ladrões, se possa aprender a não se andar cansado, acomodado e amedrontado com a vida. Talvez só assim se possa crescer e ter a vitalidade anti-conformista da qual são feitas as grandes cidades, as grandes coisas e os grandes sonhos.
“I have always done the opposite of what I was trained to do... Having little technical background, I became a photographer. Adopting a machine, I do my utmost to make it malfunction. For me, to make a photograph is to make an anti-photograph” (William Klein)
Comentários
Enviar um comentário