Quem nos lê, sabe que neste blog temos uma espécie de divina trindade sobre a qual frequentemente escrevemos: as artes e letras, as escolas e as mulheres. A propósito dessa tríade, vamos hoje falar-vos de Teerão! Teerão é a atual capital do Irão, antes Pérsia. No início dos anos 70, Teerão era uma capital moderna. Nas suas movimentadas avenidas abundavam os cinemas, as lojas de moda, os bares e discotecas e as mini-saias.
Um dos ícones da modernidade da Teerão desse tempo, era o facto de possuir um dos melhores museus de arte moderna do mundo, equivalente aos que nessa época só existiam em Nova Iorque, Londres ou Paris.
A sua arquitetura modernista era o orgulho de Teerão e faziam parte da sua coleção obras de artistas como Andy Warhol, Jackson Pollock, Wassily Kandinsky, Francis Bacon ou Pablo Picasso.
O que aconteceu entretanto, para meio século depois, uma das cidades mais modernas do mundo, se tivesse transformado numa das cidades mais tradicionalistas, conservadoras e opressivas do mundo?
O que aconteceu, como todos sabemos, foi a revolução islâmica. O Xá da Pérsia foi deposto e em 1979, e o Aiatolá Khomeini tomou o poder instalando um regime teocrático e acabando com a separação entre o estado e a religião. Claro que o regime do Xá estava longe de ser uma sociedade ideal, contudo, é inquestionável que a Pérsia era uma sociedade muito mais moderna que o atual Irão. A partir da década de 60 do século XX, as mulheres persas tinham exatamente os mesmos direitos que os homens e muitas eram as que frequentavam a universidade. Havia mulheres juízas e ministras e com muitos outros cargos de poder.
O sistema educativo da Pérsia de meados do século XX era claramente progressista e estavam amplamente implementadas práticas pedagógicas, que ainda hoje são consideradas inovadoras.
A nível cultural havia um “buzz”, uma cena contemporânea completamente alinhada com a modernidade ocidental nas artes plásticas e um movimento musical que atualmente ainda inspira grupos, como por exemplo, os Disco Tehran.
Com o regime dos aiatolás, os bares e discotecas foram encerrados, o véu passou a ser obrigatório na indumentária feminina, foi criada uma polícia da moralidade, as escolas passaram a ter práticas pedagógicas tradicionais e o museu de arte moderna de Teerão foi reconvertido num museu do artesanato, tendo a sua valiosa coleção sido escondida numa cave onde até hoje permanece longe de todos os olhares.
A pergunta que agora fazemos é a seguinte: será que as sementes de modernidade lançadas em meados do século XX pelas escolas, pelas mulheres e pelas artes, cinquenta anos depois já desapareceram ou ainda sobrevivem apesar da enorme repressão a que foram sujeitas?
Se olharmos para a presente contestação existente nas ruas de Teerão, temos de concluir que essas sementes anda vivem. Mas mesmo antes da atual agitação, muitos sinais havia de que não foi em vão que as sementes de modernidade e liberdade foram lançadas. Em boa verdade, as sementes culturais e educativas lançadas à terra na extinta Pérsia, mesmo crescendo em condições muito adversas e de extrema aridez, acabaram por vingar. Vejamos dois exemplos:
Um dos frutos dessa cultura e educação moderna é Marjane Satrapi, que nasceu em 1969 na Pérsia (atual Irão).
Cresceu em Teerão, mas aos 14 anos foi mandada para Viena para estudar. Atualmente vive em Paris. Obteve um enorme sucesso mundial com a Banda Desenhada “Persépolis” onde retrata a sua história de vida desde o seu nascimento, passando pelos efeitos da revolução islâmica e do regime dos aiatolás e por fim, também o seu exílio na Europa.
A BD “Persépolis” foi adaptada ao cinema tendo o filme recebido inúmeros prémios. Deixamos-vos uma cena na qual a polícia da moralidade aborda a jovem Marjane na rua por esta estar a correr. Em seguida, Marjane, estudante de artes plásticas, está no auditório da universidade e é ela que questiona as autoridades relativamente ao “dress-code”.
Um outro fruto da modernidade persa é a artista Shirin Neshat.
Nascida em 1958, vive atualmente em Nova Iorque. A sua obra é fundamentalmente constituída por vídeos e fotografias e aborda os contrastes existentes entre o Islão e o ocidente, o feminino e o masculino, a vida pública e a vida privada e a antiguidade e a modernidade.
Aqui fica uma
entrevista em que Shirin Neshat nos fala de si, da sua obra e do seu país:
Por fim, abaixo, deixamos-vos também o trailer do filme “Offside”. Este muito premiado filme foi realizado por Jafar Panahi e valeu-lhe seis anos de prisão. O filme conta-nos a história de uma rapariga que tem de se disfarçar de rapaz para poder assistir a um jogo de futebol da seleção iraniana. Compra um bilhete a um preço muito inflacionado, mas ao tentar entrar no estádio é desmascarada. É detida e levada para uma espécie de arrecadação dentro do próprio estádio, onde conjuntamente com outras raparigas, também detidas pelo mesmo motivo, consegue ver parte do relvado através de uma pequena abertura.
E pronto, já chega.
Vamos lá embora despacharmo-nos que hoje há bola...
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