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Eu pecador me confesso...

 


A intensa aceleração do tempo atual, em que todos e tudo parece estar à distância digital de segundos, não nos deixa tempo para respirar. 

A rapidíssima sucessão de imagens, informações, vozes e mensagens, não nos permite viver num ritmo humano e compassado, em que como numa melodia, aos momentos de maior intensidade, se sigam outros mais lentos, acompanhados pelas respetivas pausas. 

No mundo da incessante comunicação digital, nunca nada nem ninguém pode parar, a cacofonia é permanente, é quase proibido estar “off-line”, pois tudo é urgente. Há sempre mais uma mensagem para enviar, um e-mail para responder, um post para ler, um site para consultar, uma imagem para ver e um telefonema para fazer ou atender.

 

Diante dessa constante avalanche de imagens, informações, mensagens e telefonemas, somos impotentes para conseguirmos organizar mentalmente toda a imensidão de estímulos a que nos sujeitamos. Por consequência, não temos tempo para amadurecer as nossas experiências, temos dificuldades em parar para pensar de um modo mais lento e profundo, temos inclusivamente problemas em fazer uma pausa e ir dormir. A nossa mente corre o risco de se transformar num desarrumado “depósito de tralhas digitais”, sem que se vislumbre uma qualquer hierarquia, ordem ou sentido. 

 

Esta permanente atividade digital sem pausa e sem interrupção, onde a temas nobres e de grande valor, sucedem outros absolutamente frívolos e superficiais, cria um vazio de sentido. Quando tudo vale o mesmo, é como se tudo nada valesse. No mundo digital, já ninguém parece saber ao que se deve dar mais importância, discute-se a possibilidade de uma guerra nuclear com a mesma intensidade, maturidade e grau de profundidade, com que se discute uma qualquer banalidade publicada no Tik-Tok. Perante isto, o resultado para a humanidade só pode ser uma crescente sensação de vazio, de falta de significado e de sentido.

 

Uma outra consequência provocada por esta intensa comunicação digital, é o aumento da ausência de tempo para o outro. Não para o outro distante que está do lado de lá de um smartphone ou de um tablet, mas sim para o outro que está próximo de nós, os humanos que nos rodeiam e que estão à nossa volta.

 

Comunicar com humanos de carne e osso, de quem vemos o rosto, olhamos os olhos e sentimos o odor, não é o mesmo que comunicar com “amigos” digitais. A comunicação digital é útil para efeitos práticos, como por exemplo para preencher o IRS ou renovar o Cartão de Cidadão, mas só aparentemente é que nos tira do nosso isolamento. Dá-nos a ilusão de que temos “amigos” e fazemos parte de “comunidades”, mas é só isso, uma ilusão. De facto, o que verdadeiramente faz é isolar-nos ainda mais. Retira-nos tempo para o outro, o que está próximo. Tempo esse, que quando dedicado ao(s) outro(s) promove e consolida reais comunidades, que não as digitais, mas sim as humanas.

 

Quem só tem amigos digitais e pertence apenas a comunidades digitais, na verdade está sozinho. A título de exemplo, contamos-vos uma noticia publicada num semanário de fim de semana. Uma mulher japonesa de 65 anos foi burlada digitalmente por um homem russo que se dizia preso numa estação espacial. O “cosmonauta” dizia não ter dinheiro para regressar à Terra, alegando que no Japão as taxas para aterrar o seu foguetão eram muito elevadas. As conversas digitais entre o “cosmonauta” e a senhora japonesa foram-se sucedendo e tornaram-se amigos íntimos. A senhora japonesa apiedou-se da solidão que o “cosmonauta” sentia, sozinho na vastidão do espaço sideral. A senhora conhecia bem o quão terrível é a solidão e acabou por transferir 30.000 Euros para uma conta do “cosmonauta”. 

 

Ninguém aqui defende o fim da internet e a abolição das comunicações digitais. Nada disso. Ninguém aqui defende um regresso ao passado, que aliás é impossível. O que aqui se defende é que perante um mundo novo, são precisas soluções, caso contrário ficaremos soterrados em imagens, informações e mensagens às quais não conseguimos dar significado e sentido. 

O filósofo alemão de origem sul-coreana Byung-Chul Han, há muito que se preocupa com estas temáticas. No seu entender, as escolas terão um papel decisivo no futuro. Às escolas não caberá o papel de se informatizarem e de se digitalizarem acriticamente, mas sim o de dar significado e um sentido a essa imensidão de imagens e informações vindas da comunicação digital. 

Para o fazer, terá de apostar numa aprendizagem que se centre em narrativas. As narrativas, as histórias seria outra forma de o dizer, são o método que permite organizar os acontecimentos, os conhecimentos e as informações, fazendo assim com que adquiram um sentido e não sejam apenas uma mera acumulação de dados e factos vazios e sem significado.


Neste contexto deixamos-vos uma proposta: o guião de aprendizagem de carácter transdisciplinar "Ficar a Ver Navios"


https://drive.google.com/file/d/1s0tmZnhsv0RGwUEiRnIyr3O86tDESVrZ/view?usp=sharing

 

Às escolas caberá também o papel de reforçar a atenção ao outro, ao que está ao nosso lado. Para isso, é preciso parar e saber escutar, saber esperar, saber fazer-se ouvir e saber negociar a nossa relação com quem nos rodeia, usando para isso o rosto, as mãos, a voz e o olhar, e não apenas um teclado. É a aprendizagem dessa negociação, que possibilita o nascimento e consolidação de comunidades reais e não apenas virtuais.

 

Em conclusão, no presente, como no futuro, os humanos só serão humanos, enquanto tiverem entre si narrativas compartilhadas (comunitárias) ao vivo e a cores sobre a vida e sobre o mundo. Quando assim não for, poderão ser mais eficientes, mais rápidos e mais globais, o que certamente não serão é humanos, talvez sejam robots. 


Olhó' robot

É p'ró menino e p'rá menina…



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