Há quem se desfaça em lágrimas e chore de eterna saudade pela escola de outrora. Há quem sonhe com esse tempo idílico em que os professores eram respeitados, os alunos esforçados, a matéria dada e no fim todos eram aprovados com distinção e louvor e viviam felizes para sempre.
Esse tempo em que as coisas eram simples e tudo estava arrumado no seu lugar, a alguma vez ter efetivamente existido, jamais voltará. Por muitos lamentos que haja, o tempo é outro, mais desarrumado. As escolas de agora não vivem felizes para sempre, vivem antes para dar respostas educativas a um mundo em constante mudança, complexo e incerto. Se já assim o é no presente, mais ainda o será no futuro.
O negacionismo é um fenómeno transversal a várias áreas do saber. Há quem negue as vacinas, há quem negue as alterações climáticas, há quem ache que a Terra é plana e há também quem negue que o homem alguma vez tenha pisado a lua. Os negacionistas acreditam que muitas descobertas científicas, são o resultado de uma grande conspiração internacional. São chanfrados.
Os negacionistas negam evidências científicas porque lhes custa admitir mudanças ou novidades que os obriguem a pensar. Preferem não pensar nessas coisas e acreditar que tudo é como sempre foi e será. Não estão para matar a cabeça. Não pensar torna-lhes a vida mais fácil, mais sossegada, faz com que durmam melhor e vivam felizes para sempre.
Negacionismo educativo é a expressão usada em Espanha e nos países da América Latina para designar a não aceitação de que a realidade muda e que ao mudar, faz com que nunca mais nada seja como antes. Negacionismo educativo é o não querer aceitar-se a evidência, que para responder às mudanças do mundo, também a escola tem de se transformar e de se reinventar.
O negacionismo educativo não quer pensar, razão pela qual se opõe a todas as novas propostas pedagógicas resultantes da investigação científica e académica na área da educação. Nada de transformações, nada de reinvenções, o negacionismo educativo odeia a inovação, prefere antes permanecer num passado sonhado, onde a vida e a escola eram imutáveis, as pessoas podiam dormir sossegadas e não havia cá as poucas-vergonhas de agora.
Os discursos negacionistas assentam sobre a recusa de novas ideias que possam colocar em causa os hábitos e as práticas estabelecidas. Os negacionistas educativos, como todos os outros, recusam reconhecer a diversidade e a dificuldade dos problemas de hoje em dia. Refugiam-se em soluções de outros tempos: fáceis, simples e definitivas.
Não conseguem aceitar que já não há respostas certas, daquelas que valiam para toda uma vida. Não aceitam que a melhor resposta educativa para uma realidade em permanente mudança, terá obrigatoriamente de ser provisória, incerta e complexa.
Até instituições tão conservadoras como a OCDE ou o Banco Mundial, chegaram à conclusão que a escola tradicional já não respondia às necessidades de sociedades tão complexas como as atuais.
A essência das propostas educativas vindas destas instituições, é a de que a escola, deve focar-se fundamentalmente em fazer com que os alunos aprendam a usar os conhecimentos de um modo flexível e que os saibam também analisar criticamente.
A reação a todas estas investigações e conclusões, quer em conversas de café, quer nas redes sociais, quer na maioria dos órgãos de comunicação social, é a do negacionismo educativo: ai credo, valha-me Deus, foge, foge, que vem aí o experimentalismo…
Reclama-se um regresso ao passado, propondo-se soluções simplistas e caducas para os complexos problemas educativos atuais. Não poucos políticos, comentadores e um ou outro professor, já para não falar em pais e mães, negam ou ignoram as conclusões a que as investigações chegaram e sonham com o regresso da saudosa educação tradicional.
O negacionismo educativo defende a promoção da cultura do esforço e da exigência, isto apesar de inúmeras investigações, já terem amplamente demonstrado que a motivação para aprender se baseia em fatores emocionais e sociais muito mais complexos, do que tão-somente exigir aos alunos que se esforcem. Nada indica que, exigir aos alunos que se esforcem, faz com que estes aprendam mais. Quando muito faz com que tenham melhores notas nos testes e nos exames, muito frequentemente nem isso.
Em boa verdade, muitos estudos demonstram até o contrário, ou seja, que a dita cultura da exigência, faz com que os alunos aprendam menos, mesmo que porventura num caso ou outro obtenham melhores notas em testes e exames.
No entanto, não é por termos uma boa nota no exame que melhor estamos preparados para a vida. De que serve ter uma boa nota no exame ou acabar o curso com uma excelente média, se na nossa época até doutorados acabam em caixas de supermercado? No mundo de hoje, exigem-se competências e não médias escolares. Mas ao negacionismo educativo não lhe interessa pensar nisso, e por assim ser, inventou uma expressão mágica para afastar esse papão: o facilitismo.
De cada vez que algum estudo científico propõe soluções alternativas para melhorar e avaliar as aprendizagens, os negacionistas educativos começam a cantar a sua canção de embalar, “dorme, dorme bebezinho, que é o facilitismo…”, fecham os olhos e fica tudo mesma.
O negacionismo educativo defende que a escola deve centrar-se nas matérias tradicionais, as de sempre, em vez de se centrar nas competências. Prática que a OCDE, através do projeto PISA, há muito demonstrou que é completamente desadequada e ineficaz para preparar os alunos para o mundo de hoje.
O negacionismo educativo reivindica também o primado da memória, como se esta fosse um armazém do saber. Porém, todas as investigações neurológicas e pedagógicas demonstram que o verdadeiro saber, não resulta da acumulação de conhecimentos, mas sim em se ser capaz de mobilizar e de se transformar o que se aprende para criar algo de novo: seja uma obra de arte, seja uma empresa, seja um cozinhado, seja um sapato, seja uma vacina, seja um pão, seja uma App ou seja um serviço. Aos alunos do século XXI não se lhes pede que acumulem conhecimentos, pede-se-lhes que saibam ser criativos com que aprenderam.
Há muitos outros exemplos de posições defendidas pelo negacionismo (o desdém pela aprendizagem cooperativa, a defesa da repetição como método, a reivindicação da autoridade tradicional do docente…) que resultam apenas de teimosamente se querer manter vivas velhas crenças, que todas as investigações desmentem.
Mas mesmo tendo sido cientificamente desmentidos, os negacionistas educativos insistem em ter protagonismo e em contar-nos histórias. Falam muito alto e põe-se a gritar: vem aí o lobo mau, vem aí o facilitismo, vem aí experimentalismo, assustando assim toda a gente com a barulheira que fazem.
Pressionam deste modo a opinião pública para tentar impedir que as escolas se pensem e se reinventem com base no conhecimento científico, em investigações, em dados e em factos. Aos negacionistas convinha-lhes que os professores se sentissem pressionados e permanecessem para sempre prisioneiros de velhos preconceitos e de medos irracionais. Felizmente que na maior parte dos casos não é nada disso que sucede.
Na maior parte dos casos, os professores sabem que a relação entre os métodos da escola tradicional e a vida do século XXI está gasta e caduca. Os métodos da escola tradicional já pouco ou nada dizem à vida do século XXI. Contudo, os defensores da escola tradicional não querem pensar nisso, entraram em negação e preferem fingir que tudo é como dantes era. Perdem-se em sonhos de um passado idílico e não conseguem aceitar a realidade presente, gritam, esbracejam e entram em histerismo. Mas o facto é que, para a escola tradicional, tudo acabou. Não viveu feliz para sempre, para ela, o século XXI é demasiado tarde.
Em 1971, Carole King compôs e gravou uma canção intitulada “It’s too late”. A canção fala-nos de uma relação romântica que não acabou com o tradicional “e viveram felizes para sempre”. Com a passagem do tempo e com as mudanças que este sempre traz, a relação perdeu o sentido.
Quem quiser pode ir buscar o seu antigo livro da escola primária e as velhas fotos com os meninos e meninos de bata branca. Nós contribuímos com a canção “It’s too late” para criar uma atmosfera melancólica a todos os que ainda queiram derramar mais umas lágrimas de eterna saudade pela escola de outrora.
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