Este verso de um poema de Sophia Mello Breyner, sintetiza de modo definitivo, aquilo para que existem escolas. Existem para que os professores, ou seja, esses que amam as letras, os números, as artes, as ciências, a história e outras disciplinas mais, transmitam e façam sentir a outros, neste caso aos alunos, o seu amor pelos saberes que amam.
Em 2015, o cineasta Manuel Mozos realizou um documentário sobre o antigo diretor da Cinemateca Portuguesa, João Bénard da Costa. Deu-lhe como título, o verso de Sophia Mello Breyner: “Outros amarão as coisas que eu amei”.
João Bénard da Costa foi o diretor da Cinemateca Portuguesa entre 1991 e 2008. Podia ter-se limitado a ser o excelente arquivista e divulgador que foi, só com isso teria cumprido exemplarmente a função para a qual foi nomeado, contudo, quis ser mais do que isso. Decidiu que iria tentar transmitir a outros, neste caso aos espectadores, o amor que sentia pelo cinema.
Ver um
filme, observar uma pintura, ler um poema, ouvir uma melodia ou olhar para uma
pedra exige tempo. O tempo necessário para que possamos sentir, para que
possamos amar.
Um dia,
João Bénard da Costa foi ao Japão e visitou o Templo da Eterna Sabedoria, eis o
que aprendeu:
João
Bénard da Costa escreveu inúmeros textos, as chamadas folhas de sala, sobre as
razões pelas quais amava os filmes. Com muita frequência, comparecia em pessoa
na sala da Cinemateca e, antes do início de cada sessão, explicitava aos
presentes o que sentia e o porquê do entusiasmo que determinados filmes, mesmo
que muitas vezes vistos, continuavam a causar-lhe.
A Cinemateca desses anos foi a escola onde muitos aprenderam a ver, a sentir e até a viver. Havia algo de contagiante nas apresentações de João Bénard da Costa, eram autênticos acontecimentos a que ainda hoje muitos vão buscar inspiração.
Manuel Mozos, o documentarista, disse que João Bénard da Costa foi “o professor que gostava de ter tido e não tive.”
Provavelmente,
pelas razões por todos conhecidas, ou seja, carreiras mal pagas,
desconsideração dos encarregados de educação e desinteresse dos alunos, já
quase ninguém quer ir para professor. Pelas mesmas exatas razões, há também
quem sendo professor, já nenhum amor sinta pela profissão. Com a passagem anos,
muitos foram os que se desapaixonaram, optando por tão-somente cumprir a sua
função o melhor que podem e sabem.
Por
mais competentes, esforçados e cumpridores que sejamos, todos sabemos que isso,
por si só, não faz desvanecer o desencanto. Citemos as escrituras, mais
concretamente, a Carta de São Paulo aos Coríntios:
“Se as línguas dos humanos e dos anjos eu
falar, mas amor não tenho, bronze ecoante ou címbalo ruidoso me tornei. E se eu fizer profecias e souber todos os
mistérios e todo o conhecimento e tiver toda a fé a ponto de mover montanhas,
mas amor não tenho, nada sou. E se eu transformar em comida para os que têm fome
todos os meus bens e se eu entregar o meu corpo para que me vanglorie da minha
própria coragem, mas amor não tenho, de nada sirvo”.
Não
sabemos se há algo que se possa fazer acerca desse desamor que atualmente
envolve a profissão de professor, apenas constatamos a sua existência.
A esse
propósito, deixamos-vos um poema de Manuel Pina que traduz bem essa melancolia
de se viver sem se sentir o que antes se sentia, “Esplanada”:
Naquele
tempo falavas muito de perfeição,
da
prosa dos versos irregulares
onde
cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos
todos, tu, eu e a discussão,
agora
lês saramagos & coisas assim
e eu já
não fico a ouvir-te como antigamente
olhando
as tuas pernas que subiam lentamente
até um
sítio escuro dentro de mim.
O café
agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob
Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora
as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não
caminhos por andar como dantes.
Como
acima dizíamos e agora repetimos, não sabemos se há algo a fazer acerca desse
desamor pela profissão, algo que desvaneça a melancolia, ainda assim, vamos
tentando. Vamos tentando coisas novas na esperança que outros, neste caso os
alunos, sintam o que nós sentimos e amem aquilo que nós amámos. Talvez com
o tempo consigamos.
Abaixo
deixamos-vos um guião com uma dessas tentativas:
Guião de aprendizagem "Samba, praia e futebol"
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