Avançar para o conteúdo principal

Chiuuu…vou contar-te um segredo…

 

As imagens que nos sussurram e não nos dizem tudo de um modo explícito, são as que mais nos dizem. Isto porque, o que estas imagens não nos dizem explicitamente, ou seja, os seus segredos e mistérios, temos de ser nós, os que as vemos, a adivinha-lo e a dizê-lo. É com estas imagens que melhor podemos dialogar e ter as conversas mais interessantes.

Com as imagens demasiado explícitas, sucede exatamente o oposto, ou seja, como nos dizem tudo, não há nenhum segredo nem mistério. Consequentemente, nós, os que as vemos, pouco ou nada temos para dizer, é um monólogo.

Pensemos por exemplo nas imagens publicitárias. Neste caso, as imagens tendem a dizer-nos tudo: qual produto que devemos adquirir, porque o devemos fazer e como nos vamos sentir ao fazê-lo. Atentemos na imagem abaixo. 

 


A interpretação desta imagem de um antigo anúncio da OMO, não deixa lugar a qualquer dúvida quanto ao que nos quer dizer, tudo é explícito. Diz-nos que se uma senhora quisesse ser uma dona de casa brilhante (e quem não queria?), a solução era simples: o novo detergente OMO. Porque com o novo OMO, o seu homem ficará certamente satisfeitíssimo com a brancura imaculada das suas camisas e, por consequência, tratá-la-ia tão bem como a uma autêntica rainha. 

A imagem explicita também que se vivia numa sociedade patriarcal, na qual competiria às mulheres servir os homens, tratar-lhes da roupa e fazer com que estes se sentissem satisfeitos. Não há aqui nenhum mistério nem nenhum segredo, ao ver a imagem está tudo dito.

 

Mas não são apenas as imagens publicitárias que tudo nos dizem e nada deixam por dizer. Ainda que o objetivo das imagens de propaganda política seja distinto das publicitárias, também estas são absolutamente explícitas. Vejamos um exemplo:



Nesta imagem de propaganda da extinta URSS, Estaline surge-nos como se fosse um homem reto e bom. Rodeado de crianças, aparenta ser a encarnação viva dos amanhãs que cantam. Ao fundo, o horizonte apresenta-se tranquilo e luminoso, como se prometesse um futuro radioso a todos os que fossem conduzidos por aquele a quem então chamavam o pai dos povos.

Esta imagem de Estaline é perfeitamente explícita, não há sombras, nem tons que sugiram o mais pequeno segredo ou mistério. Nada mais há dizer do que aquilo que já lá está dito. Nos tempos de Estaline, era até bastante desaconselhável dizer-se algo mais, por pouco que fosse, pois a possibilidade de se ser deportado para o Gulag e de se ficar silenciado para todo o sempre era bastante elevada.

 

No mundo de hoje, o que as imagens nos dizem é mais explícito do que nunca, por consequência, os que as vemos, cada vez temos menos para lhes dizer, são elas que tudo nos dizem. Seja no setor da publicidade, seja na política, seja na criação de conteúdos visuais ou digitais, as imagens quase como que nos gritam, quase como que nos ordenam: compra, joga, vê, vota, vai, sê…

Não espanta por isso, que haja muito quem não resista aos gritos e às ordens explícitas das imagens atuais. Nesse contexto, tornou-se quase vulgar ouvir notícias de jovens e adolescentes, que não conseguindo resistir à constante pressão das imagens, ao seu incessante monólogo, acabam por lhes sucumbir e ter um trágico destino.

 

As antigas fotos de família também possuíam uma intenção explícita. O que nos queriam dizer era claro e não admitia dúvidas nem zonas de sombra. Diziam-nos de um modo inequívoco o quão determinada família era digna e se encontrava feliz e contente da vida. A foto de família não era suposto dizer nada mais do que isso e nada mais do que isso dizia.

 

 

As atuais “selfies” são exatamente o mesmo. O objetivo é explicitar e dizer a quem as vê, como se está bem, feliz e contente consigo mesmo, com o que se é, com o que se veste, com quem se está, com o que se come, com a decoração do lar e com o esplendoroso local onde se vai passar as férias ou um “Weekend”.

Relativamente às “selfies”, é um outro caso em que também nada há para dizer, não são imagens com quais possamos dialogar. Está tudo dito na imagem e o mais que se pode dizer é “estás espetacular”, “lindona”, “jeitosa”, “uau” ou coisas do género. Se por acaso for uma “selfie” de grupo, o preceito é o mesmo: “estão muito bem”, “estão lindos” e etc e tal.


Nas escolas, nomeadamente nos manuais escolares, sejam estes em papel ou digitais, as imagens apresentadas também tendem a ser explícitas. Não estabelecem um diálogo com quem as vê, limitam-se a ensinar uma lição. Na sua larga maioria, são imagens didáticas cuja intenção é explicitar o que deve ser aprendido. Não existem para que digamos algo mais acerca delas, se não apenas aquilo que é suposto ser dito. Também neste contexto, não há segredos nem mistérios nestas imagens, caracterizam-se por serem literais e perfeitamente inocentes. Olhemos para uma página de um manual escolar:

 


Por todas estas razões, decidimos apresentar aos alunos um outro tipo de imagens, precisamente aquelas de que falávamos no início deste texto, ou seja, imagens que não nos dizem tudo de um modo explícito, que nos deixam espaço para podermos dialogar. Com efeito, quando as imagens não nos dizem explicitamente tudo e guardam segredos e mistérios, aí teremos de ser nós, os que as veem, a dizer o que está por dizer, iniciando assim uma conversa.

 

A intenção pedagógica é simples: vivendo todos nós rodeados de imagens que só monologam connosco, por este caminho em breve perderemos a capacidade de dialogar com as imagens. Se isso suceder, no futuro estaremos completamente à mercê do que as imagens nos queiram vender, de como queiram que passemos o nosso tempo livre, de como queiram que votemos e de como queiram que sejamos.

 

Urge por isso aprender a dialogar com imagens. Nada melhor para o começar a fazer, do que olhar para aquelas imagens cuja intenção primeira não é vender-nos, convencer-nos ou ensinar-nos, é simplesmente que as olhemos, que conversemos com elas.

 


Mostrámos a alunos de 4° ano a foto acima do Terreiro do Paço e pedimos-lhes que a comentassem. Eis algumas frases soltas que proferiram:

  • É triste.
  • Pode-se contar uma história. 
  • Tem muitos cinzentos.
  • Tem um carro.
  • As nuvens são mais expressivas.
  • É emocionante.

O que estas frases soltas mostram, é que de algum modo, os alunos estabeleceram uma relação de diálogo com a imagem e não se limitaram ao que nela é explícito. Muito pelo contrário, tentaram dizer os seus segredos e mistérios, ou seja, a tristeza que dela se desprende, a história que se adivinha, os seus muitos tons, a expressividade das nuvens e toda a gama as emoções que ali se pressente.


Não há nada mais fotografado que o pôr-do-sol. Desde que a fotografia foi inventada, foram milhões e milhões os que por todos os continentes fotografaram o pôr-do-sol. Dir-se-ia que as imagens do pôr-do-sol, de tão repetidas, já nada nos podem dizer e nada temos para lhes dizer. Contudo, a verdade é que depende. Se a imagem do pôr-do-sol for simplesmente igual a todas as outras e se tudo o que tiver para dizer estiver completamente explícito, a conversa está acabada. Todavia, se a imagem do pôr-do-sol guardar em si segredos e mistérios, a conversa ainda mal se iniciou.

 

Em tempos há muito idos, Tom Jobim compôs uma canção e intitulou-a “Fotografia”. Nunca ninguém percebeu muito bem o porquê do título, pois a canção fala-nos de um casal num bar junto ao mar ao pôr-do-sol, não existindo a mais leve referência a qualquer fotografia. O enigma só foi desvendado décadas mais tarde, quando em 2001, a intérprete brasileira Flora Purim decidiu regravar o tema e a esse propósito deu uma entrevista a uma rádio norte-americana. Transcrevemos as suas palavras:

“In Brazil it's very common, all those love affairs, people that are married but fall in love with other people that are married. So they would meet in the afternoon and be together until sunset, and then they'd have to go home to their families. And this song talks about a romance between two people and suddenly that kiss, you know, that goodbye kiss, 'I have to go now.' It’s a song about forbidden love. . . . about love affairs in the late afternoon."

 

Concluímos daqui, que Tom Jobim sabia que tal e qual como numa canção, a essência e melodia de uma imagem, e de uma fotografia em especial, não é o que nela está explícito, é sim os mistérios e segredos que guarda e a conversa que com ela nos permite ter.

 

Num mundo em que cada vez mais as imagens são monólogos que gritam para nos convencer a comprar, a ver, a votar e a ser, deixamos-vos uma fotografia na voz quase sussurrada de Nara Leão: 




 


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...