Deveria voltar a
implementar-se o serviço militar obrigatório? O que é pior para uma mulher,
divorciar-se ou que alguém a apalpe? O que é preferível para um jovem, ir de
Erasmus e andar um ano na farra pelo estrangeiro, ou ter família e casa própria
antes dos 30?
Nenhuma destas
questões parece ter grande sentido, muito menos para 2023, contudo, todas estas
questões, ou outras muito semelhantes, apareceram e foram debatidas com
seriedade em fóruns públicos ao longo dos últimos anos.
Esses debates
aconteceram em vários países ocidentais e também hão de chegar a Portugal em
2023. Tudo nos chega com algum atraso, mas chega.
Neste
entretanto, tais debates já chegaram aos “nuestros hermanos” daqui do lado. Os
nossos vizinhos espanhóis, chamam àqueles que trazem para a praça pública este
tipo de questões os “neorrancios”, palavra intraduzível para português. Ainda
assim, se alguém quiser ficar a saber mais sobre o assunto, aqui fica um link:
https://elpais.com/opinion/2021-12-07/instrucciones-para-reconocer-a-un-neorrancio.html#?rel=mas
Quem defende o
regresso do serviço militar obrigatório, afirma que só assim a sociedade atual
irá reaprender o valor da disciplina e desse modo se voltar a fortalecer o
espírito de comunidade.
Aqueles que
colocam a segunda questão, querem apresentar como válida uma dicotomia
perfeitamente absurda: divórcio ou apalpão. Segundo as suas próprias palavras,
pretendem assim defender a família tradicional dos efeitos desagregadores dos
divórcios, e simultaneamente esvaziar de gravidade os “pequenos” abusos contra
as mulheres.
Afirmam estar
dessa forma a lutar pela solidez da família como instituição perene, e também a
valorizar o papel tradicional das mulheres como seu principal pilar. De
caminho, aproveitam para de um modo subliminar desvalorizarem as causas
feministas.
A terceira questão é frequentemente colocada por jovens adultos, que dizem ter inveja da vida dos seus pais, pois estes conseguiram comprar casa e formar família antes de cumprirem os 30 anos de idade, algo que atualmente lhes parece completamente impossível.
Em boa verdade,
o que efetivamente está subjacente a todas estas questões e a outras do mesmo
género, é o sentimento de que supostamente dantes, a vida era mais simples e
melhor, e o mundo mais compreensível e previsível.
Havia
disciplina, havia a família e sabia-se o que esperar do futuro. Que esse
sentimento tenha ou não correspondência com a realidade passada, é algo que
pouco importa a quem assim pensa.
Curiosamente, ou
talvez não, estas são também questões que entram pelas escolas adentro. A
disciplina, as famílias e o futuro incerto dos jovens, são questões que
atravessam muitas reuniões e conversas entre docentes.
Neste contexto
em específico, Portugal não se deixou atrasar, está completamente “up-to-date”.
Supostamente, dantes, também nas escolas portuguesas havia disciplina, podia-se
contar com as famílias e sabia-se desde tenra idade se um aluno iria ter futuro
como doutor ou ia para serralheiro. Agora nada disto sucede. Que pena!
A nostalgia
nasceu como uma doença. Os primeiros que dela sofreram foram os soldados suíços
que batalhavam nos Alpes em finais do século XVII. Adoeciam e muitos morriam
literalmente de saudades pelo aconchego do lar e pelos petiscos cozinhados por
suas mães.
Foi o médico
Johannes Hofer, em 1688, que perante essa enfermidade e as estranhas mortes que
causava, inventou um neologismo a partir das palavras gregas “nostos” e
“algia”, ou seja, “regresso a casa” e “dor”.
A nostalgia é um
dos sentimentos mais ilustrativos do nosso tempo. O anseio coletivo de nos
arreigarmos a uma suposta sensação de comodidade, certeza e proteção de épocas
passadas, manifesta-se de distintas formas: vivemos rodeados de objetos que
caíram em desuso, fazem-se remakes de filmes antigos, escutam-se músicas de
outras épocas e recorre-se constantemente à moda de décadas pretéritas.
Parece que, à medida que a sociedade perde a confiança num futuro ameaçado pelas alterações climáticas e pelas crises económicas, o regresso ao passado converte-se numa tentação cada vez maior.
Em resumo,
vivemos num paradoxo: temos a tecnología mais avançada da história, mas nunca a
nossa obsessão de olharmos para trás foi tão grande.
Por muitos problemas que haja, uma coisa é certa, nunca a espécie humana viveu tão bem como atualmente. Em termos racionais, não há um único dado que possa contrariar esta afirmação.
Racionalmente, é
previsível que no geral, a vida continue a melhorar e cada vez mais gente viva
mais tempo, com mais saúde, com melhores condições e mais feliz. Todavia, em
termos sentimentais, quase que se poderia dizer que se passa o oposto.
Na política, nas
notícias, nos cafés, nas famílias, na internet, nos filmes, nas escolas e por
todo o lado, dá a sensação que caminhamos para uma qualquer idade das trevas,
em que pandemias como a peste negra arrasavam um terço do total da população,
as guerras destruíam completamente civilizações inteiras matando milhões de
pessoas, o ar era pestilento e toda a gente era analfabeta, ignorante,
miserável e pobre.
Apesar de
diariamente nos virem anunciar diversos apocalipses, nada disso se passa, todos
os dados contrariam essa sensação, e ano após ano, a espécie humana vive na
globalidade cada vez melhor.
Ter sensações e
sentimentos é bom, excelente até. O problema é quando se confundem sensações e
sentimentos com razões. Estudar e gostar do passado também é bom, excelente
até. O problema é quando se confunde o passado com o presente ou com o futuro.
Feitas estas
confusões, podem usar-se sentimentos, sensações e saudades como base para
criticar qualquer inovação presente ou futura, sem que se sinta a menor
necessidade de preparar argumentos para se demonstrar o que se afirma.
Há muito quem se
dedique a estudar racionalmente o futuro, ao invés de ficar a olhar
saudosamente para o passado. A OCDE esquematizou a tríade de competências futuras
nas quais as escolas deverão preparar os seus alunos:
1 - Cognitivas e
metacognitivas
2 - Emocionais e
sociais
3 - Físicas e manuais
Se quisermos
sintetizar, diríamos que no futuro (e já no presente), será fundamental deter
um conjunto de habilidades analíticas não rotineiras, que permitam selecionar
técnicas específicas e respostas adaptadas a diferentes situações.
No fundo, trata-se de saber encontrar dentro de uma ampla caixa de ferramentas, a que
melhor serve para determinado objetivo, como por exemplo, saber ler um mapa
para escolher o caminho mais prático para chegar a certo destino.
Será também
fundamental saber-se ser empático, conseguir comunicar com fluência,
persistir diante das dificuldades e autorregular-se. Para que tal aconteça,
deduz-se que se deve ter uma conduta flexível, uma atitude positiva para com a
aprendizagem contínua, uma curiosidade inesgotável e aptidões emocionais que
permitam interações sociais frutíferas.
Estará a escola
preparada para tudo isto? Sim. Basta que siga as lições do passado. O que o passado nos ensina, é que não se copia. Os grandes feitos nas artes, nas
letras, no desporto e nas ciências, foram sempre realizados não por aqueles que
se mantiveram iguais ao que sempre foram, mas sim por quem não se prendeu ao
que já existia, e que no seu tempo se soube reinventar.
William-Adolphe
Bouguereau era um dos mais aclamados artistas da Paris do século XIX. A sua
consagração era total e as suas obras eram adquiridas por elevadas somas.
Bouguereau seguia todas as regras da arte do seu tempo, não falhava um traço e
nunca se pôs a inventar. Hoje em dia ninguém sabe quem ele foi. Está esquecido.
Vicent Van Gogh
viveu praticamente na mesma época. Andou por Paris sem que ninguém lhe ligasse
nenhuma. Não vendeu um único quadro em vida. Van Gogh quebrou quase todas as
regras da arte e inventou muito. Hoje dia os seus quadros vendem-se por milhões
e é um nome fundamental da História da Arte.
Em conclusão,
hoje como sempre, o futuro é de quem o quiser inventar. 2023 é um ano tão bom
como outro qualquer para começar a inventar.
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